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Bang-bang Brasiliano
Por José Salles
30/07/2005

Exceto, é claro, pelos EUA, o país que mais se destacou na produção do gênero western foi a Itália, seja no cinema, com uma extensa lista de filmes que foram batizados de spaguetti western (entre nós mais conhecido como bang-bang italiano), seja nos quadrinhos, com sua máxima expressão que são os gibis do Tex - é o mais conhecido e publicado -, mas em exuberância perde de longe para outro personagem do spaguetti-fumetto, Ken Parker.

Quanto à produção de quadrinhos de faroeste no Brasil, sem dúvida que, graças também às ligações ancestrais que temos com a Itália e seus habitantes (especialmente os imigrantes), muitas das HQs do gênero feitas por aqui quase sempre puxaram o estilo dos bang-bangs italianos - mas, curiosamente, a fonte da qual bebiam os artistas brasileiros que trabalharam com o gênero western nas décadas de 70 e 80 do século passado não vinha de Tex (este parecia mais calcado em personagens ianques), mas principalmente dos filmes, dos bang-bangs italianos, que sempre fizeram muito sucesso no Brasil, seja no cinema, na TV (quem com mais de 35 anos não se lembra da imperdível sessão semanal Bang-bang à Italiana que passava na TV Record?) e até mesmo em nossos dias, quando se constatam os bons índices de venda e locação de filmes do gênero, agora também em DVD. Este artigo, longe de ser conclusivo, tem a intenção de somente apontar alguns tipos dos quadrinhos brasileiros que remontam aos spaguetti westerns.

O mais notável exemplo desta tendência de se fazer HQ brasileira de faroeste no estilo dos filmes italianos, é o Johnny Pecos criado por Jota Laerte (textos) e Rodolfo Zalla (desenhos), lançado em revista própria nos primeiros anos da década de 1980. Pecos é um mestiço da fronteira, meio-estadunidense meio-mexicano que tem a noiva e o futuro sogro mortos devido à ação de bandoleiros bêbados. Mesmo sendo bem sucedido em sua vingança, a vida de Pecos estava mudada para sempre, e ele se torna um viajante solitário, percorrendo desertos e pradarias entre facínoras e "federales", sempre pronto a defender aqueles que estão em desvantagem. Os roteiros de Johnny Pecos, além da dose indispensável de tiros e pancadaria, preocupavam-se também em mostrar as angústias de seus personagens, humanizando-os.

Outro herói do faroeste que apareceu nas páginas de Johnny Pecos é ainda mais emblemático para demonstrar a forte relação dos quadrinhos brasileiros de faroeste com os bang-bangs italianos: Django, obviamente inspirado no personagem do cinema interpretado primeiramente por Franco Nero, e depois por outros atores. Com textos de Luís Meri e desenhos de Rodolfo Zalla, Django apareceu nos número 3 e 4 de Johnny Pecos, e o que mais chamou a atenção foi especialmente o inimigo do herói, um fanfarrão chamado Pancho - que é uma referência à um tipo muito costumeiro nos filmes italianos de faroeste, uma caricatura do que teria sido o "general" Pancho Villa que aterrorizava mexicanos & estadunidenses na primeira década do século XX. Praticamente morto no número 3, Pancho retorna cheio de vida no número 4 - que termina mostrando o gordo personagem mais uma vez à beira da morte. Mas nem ele nem Django voltaram, pois estava encerrada a vida de todos eles nos quadrinhos. Johnny Pecos foi um projeto ousado do Estúdio D´Arte, revista em formatão e quase toda em cores, com alguns dos mais brilhantes quadrinhistas brasileiros (além dos citados, participaram das páginas de Johnny Pecos Eugênio Colonnese, Gedeone Malagola, Edmundo Rodrigues, entre outros). Por que então não atingiu as vendas esperadas por seus editores? A culpa, é claro, não foi deles, mas de uma expressiva e contínua queda de popularidade que o gênero western vinha enfrentando desde o final dos anos 1960 - não pela qualidade dos filmes ou dos quadrinhos que vinham sendo feitos, mas as causas principais desta gradativa perda de interesse pelo western deu-se como resultado de uma campanha muito bem orquestrada por políticos, jornalistas e acadêmicos de esquerda, que foram encontrando cada vez mais e diversificadas maneiras de satanizar e cercear a liberdade criativa de estudiosos, artistas e admiradores do gênero. O faroeste decaía e o terror subia - os homens da D´Arte perceberam isso e deixaram de lado Johnny Pecos, direcionando toda energia para Calafrio e Mestres do Terror. Alguns anos depois, já na década de 1990, a Editora Ninja relançou uma edição caprichada de Johnny Pecos (e me parece que também uma com Django), re-editando histórias publicadas pela D´Arte, e foi só.

Antes deste Django que apareceu nas páginas de Johnny Pecos, um outro personagem brasileiro dos quadrinhos fizera menção ao personagem cinematográfico imortalizado pelo rosto frio e memorável de Franco Nero: lançado em revista própria pela Editora Roval no começo da década de 70 do século passado, Canyon era um fugitivo da justiça que, além de se esconder das garras da lei, vivia se metendo em encrencas alheias - contando sempre com a força de seus punhos e a boa pontaria no manejo do colt. A semelhança com o Django do cinema é evidente, pois Canyon usava o tempo todo o indefectível poncho, marca registrado do herói do spaguetti western. Cavaleiro solitário vagando pelas pradarias atrás daqueles que o incriminaram, Canyon é impreterivelmente surrado pelos malfeitores (como cabe a todo caubói de bang-bang italiano que se preze) antes de revidar com sua pontaria certeira. Os roteiros das aventuras de Canyon nos quadrinhos até que não eram tão ruins, com boa dose de ação, violência, sadismo, etc., mas os desenhos muito fracos puseram tudo a perder - o desleixo é tão grande que o personagem principal aparece com a barba por fazer num quadro, e no quadro que seria imediatamente posterior e seqüencial, vemos o herói com o rosto liso. Canyon teve histórias escritas por Victor Martins e José Sebastião Penteado, ilustradas por Hugo Martins e Wilson Fernandes (arte-final).

O Chacal - Tony Carson é outro exemplo de personagem de faroeste criado no Brasil (por Antônio Ribeiro) inspirado nos filmes italianos de caubói. Foi desenhado por Jordi, e também por Balieiro (que trabalhou bastante em outro personagem brasileiro de faroeste, Chet), lançado nas bancas brasileiras primeiramente pela Editora Vecchi (isso nos anos da década de 70 e 80 do século passado), e depois re-editado pela BLC Edições, em 1993. A propósito, quando começou a ser publicado pela Vecchi, Tony Carson substituiu um personagem homônimo feito na Itália. Foi uma tentativa da extinta editora carioca, assim como já vinha fazendo com Chet, de lançar personagens em edições idênticas aos livrinhos do Tex. O que diferencia brutalmente Tony Carson tanto de Tex quanto de Chet, é a total ausência de bom-mocismo. Carson é um bastardo sujo e filho da puta, um caçador de recompensas amoral que só pensa em matar os facínoras e torrar o dinheiro dos prêmios na jogatina, na bebida e nas mulheres - que ele trata na porrada, como simples buracos para sua genitália. A violência de Carson não tem limites, e chega até a arrancar um olho de um fora-da-lei, usando um punhal afiado. Anos depois Antônio Ribeiro foi trabalhar em tiras cômicas para jornais norte-americanos, assinando com o pseudônimo de... Tony Carson!

Outro exemplo que podemos mostrar nos quadrinhos brasileiros que se inspiravam nos spaguetti westerns, é Pancho, de Pedro Mauro Moreno, lançado em edição única pela Editora Taika em 1971 (apareceu também em outro título da mesma editora, chamado Cow-Boy). Pancho é quase como um personagem de filme de Sérgio Leone, veste um poncho sob os ombros e seus hábitos aparentemente frios e taciturnos não escondem a sede de justiça. Vive sua aventura num humilde povoado mexicano, à cata de um bando que assaltara um explosivo carregamento de nitroglicerina.

Rex, criação e desenho de Watson Portela, é personagem de História em Quadrinho do gênero faroeste publicado nas revistas da Grafipar Editora e depois lançado em edição especial de 96 páginas pela Bico de Pena/Clube dos Quadrinhos, no início da década de 80 do século passado. A inspiração óbvia é o Jonah Hex da DC Comics, mas a melhor coisa de se ler Rex é descobrir que não é tão ruim quanto parece - pelo contrário, o personagem e a história têm sim, mais virtudes do que defeitos. Assim como seu modelo ianque, Rex tem o rosto deformado - mas não por ponta de punhal em brasa, como Jonah, e sim por patada de urso. E pelo visto a deformidade em nosso Rex feriu mais profundamente a alma do que a vaidade: além de seu rosto ter ficado com feições ainda mais cadavéricas, perdeu totalmente o uso das cordas vocais - tudo isso fez com que decidisse abandonar mulher e filhos (ao menos retornou a tempo de salvá-los das mãos de inescrupulosos facínoras). De qualquer forma Rex está condenado a vagar em solidão através das montanhas geladas, o triste destino dos homens rejeitados pela morte. Outra característica que diferencia Daniel Rex de Jonah Hex é que o nosso Rex decepou a pata do urso que lhe desfigurou a face e acoplou-a à própria mão direita - e que se não é uma luva ideal para se sacar um colt ou disparar uma winchester, ao menos as afiadas unhas do animal acabam se tornando uma boa alternativa para lidar com sujeitos folgados. A saga de Rex tem arte de Watson Portela finalizada à nanquim ora por Franco de Rosa, ora por Itamar Gonçalves (este chegou a ilustrar algumas páginas inteiras).

Criação de Cláudio Seto, Katty Apache é uma heroína dos quadrinhos de western baseada visualmente numa personagem de Rachel Welch, usando somente um poncho, um coldre e botas (haja fetiche!). Sua aparência sexy e frágil ludibria os foras-da-lei que não acreditam em sua coragem e boa pontaria. Fez tanto sucesso nas publicações da Editora Grafipar, que acabou ganhando revista própria no ano de 1980. Parceiro de Katty em suas aventuras, o pistoleiro Jackal também teve aventuras solo, escritas e ilustradas por Mozart Couto (que ilustrou também algumas lindas HQs de Katty Apache).

Ovelha negra nesta breve relação de tipos do faroeste italiano criados por quadrinhistas brasileiros é Cyprus Hook, que teve roteiros assinados por um peso pesado da HQ nacional, Júlio Emílio Braz. Hook é um ex-combatente deformando na Guerra Civil da Secessão (perdeu a mão direita, onde ostenta um gancho - daí o epíteto em inglês hook), perseguido por crimes que não cometeu, vagando pelo Velho Oeste com seu único aliado, o índio Skookum, a quem Cyprus salvara da morte. As histórias deste herói maneta diferenciam-se das demais do gênero devido principalmente à violência explícita, por vezes lembrando mais um roteiro de filme gore do que de um bang-bang italiano. Escalpos, canibalismo, deformações, tudo é mostrado ao vivo, sem frescuras. Cyprus Hook, após ter aventura publicada num dos números da memorável coleção Histórias do Faroeste da Editora Vecchi, teve um gibizinho especial lançado pela Press Editorial no ano de 1987, ilustrado por outro grande nome da HQ nacional, Ofeliano de Almeida.

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