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Entrevista: Carlos Saldanha*
Por Shirley Paradizo
13/07/2006

Quando se fala em cineastas brasileiros que têm se destacado no exterior, os únicos nomes que vêm à mente são os de Fernando Meirelles e de Walter Salles. Poucos lembram de mencionar Carlos Saldanha. Diretor de A Era do Gelo 2 (que acaba de sair em DVD, pela Fox) e co-diretor de A Era do Gelo e Robôs, o carioca tem o mesmo direito de requerer seu lugar ao sol do que os criadores de Cidade de Deus e Central do Brasil. Afinal, seus filmes renderam milhões nas bilheterias e duas indicações ao Oscar: em 2004, na categoria de Melhor Curta Animado com Gone Nutty e, em 2003, como Melhor Animação com A Era do Gelo. Casado com uma brasileira e com duas filhas, Saldanha vive nos Estados Unidos desde 1990, quando decidiu entrar para o mundo animado da computação gráfica. “Naquela época, não havia esse tipo de curso por aqui. A animação brasileira estava ainda muito crua”, diz. Hoje, apesar de afirmar que a área se desenvolveu muito por aqui, não tem intenção de voltar para o país tão cedo. Mas adianta que logo vai começar a se envolver em novo projeto da Blue Sky. Nessa entrevista à revista MONET, Saldanha mostra toda a sua paixão pela animação e seu trabalho.

Em que se inspiraram para criar os personagens de Robôs?

Começamos a notar que cada objeto, seja uma tomada de parede ou um carro, tinha uma “cara”, uma personalidade, e, com isso, fomos em busca de inspiração para os nossos personagens, no ferro-velho, juntando diferentes partes de objetos encontrados por lá, como máquinas antigas, utensílios domésticos, etc. Depois de criados, eles foram humanizados.

Qual é a principal diferença entre Robôs e A Era do Gelo?

Na verdade, não vejo semelhanças entre eles, mas buscamos o mesmo objetivo, uma boa história para contar com personagens interessantes. Os dois filmes tiveram seus próprios desafios técnicos, um tinha personagens com pêlos e outro, de metal. Mas Robôs foi um filme mais complexo, por ter mais personagens, e tivemos mais dificuldades com o roteiro.

O que é mais complicado realizar em um filme animado: lapidar o roteiro ou desenvolver as técnicas de animação?

O roteiro é sempre o desafio maior. Um bom filme tem que ter uma boa história e personagens cativantes, sem estes ingredientes não há tecnologia que salve um filme, mas inovar e aprimorar técnicas de animação é sempre um desafio nesse mercado competitivo, o público está cada vez mais sofisticado e exigente.

Quanto tempo Robôs levou para ser produzido?

Geralmente um filme de animação leva uns 4 anos para ser feito, mas no caso de A Era do Gelo 2 o nosso tempo foi reduzido e tivemos que fazer o filme com um ano a menos. O nosso filme anterior, Robôs, atrasou no cronograma e, com isso, perdemos alguns meses preciosos de produção. Além disso, por uns 6 meses tive que trabalhar nos dois filmes ao mesmo tempo. Foi bem puxado, mas sabia do desafio e acredito que consegui fazer o filme que queria, sem sacrificar a qualidade. Mas este cronograma apertado foi uma excessão e, apesar da experiência ter sido positiva, gostaria de ter um pouco mais de tempo.

A Era do Gelo 2 foi sua primeira investida solo na direção de um filme de animação. Como foi essa experiência?

Com a experiência obtida co-dirigindo A Era do Gelo e Robôs, a transição foi tranqüila. Os executivos da Fox confiavam no meu trabalho e eu estava pronto para o desafio. Tive muito mais responsabilidades, mas também mais liberdade criativa, além de um apoio incrível de toda a equipe.

E como surgiu a idéia de criar histórias paralelas para o personagem Scrat?

O Scrat foi uma surpresa para nós. Sempre achamos o personagem engraçado e divertido de animar, mas, a princípio, tínhamos apenas umas duas cenas com ele. Quando o trailer começou a passar nos cinemas, o sucesso foi estrondoso e decidimos criar mais seqüências com ele, que acabou o lançando como um dos personagens principais. Inclusive, ele até ganhou um curta só dele!

Você já concorreu duas vezes ao Oscar, mas, quando se menciona vitórias de diretores brasileiros no prêmio, seu nome não é citado. Acha que existe preconceito contra os diretores de animação, tanto no Brasil como nos EUA?

Não acredito nisso. Há, sim, uma divisão de tipos de filmes. Mesmo aqui nos EUA, onde filmes de animação fazem mais sucesso que os “live action”, existe uma certa divisão, inclusive com uma categoria própria no Oscar. Um ator ou diretor de cinema é muito mais conhecido do público e da mídia do que o de animação. Afinal, passamos a maior parte do tempo no estúdio, trabalhando no computador.

Por falar em Oscar, apenas o nome de Chris Wedge foi citado. Não ficou chateado?

Cada categoria tem suas regras para a indicação e na nossa o limite era de apenas um nome. Mas apesar de não ser mencionado, fiquei feliz com o reconhecimento do nosso trabalho, que afinal é feito por várias pessoas e não uma só.

Tanto em Robôs como em A Era do Gelo você trabalhou ao lado de Chris Wedge. Como foi essa parceria?

Estou na Blue Sky por causa dele. Ele sempre me inspirou, desde a época de estudante, e foi, e sempre será, uma peça fundamental na minha vida profissional. Aprendemos muitas coisas juntos. Até hoje trocamos idéias e respeitamos as opiniões um do outro. É claro que temos as nossas diferenças criativas, mas o resultado final é que conta. Esses desafios que tornam a nossa amizade tão forte.

E como foi parar na Blue Sky?

Fiz mestrado de animação de computação gráfica na School of Visual Arts, em Nova York, e o Chris Wedge, que na época estava montando a Blue Sky, era um dos meus professores. Ele me ofereceu uma oportunidade de trabalho e aceitei. Na época, a companhia era bem pequena. Quando comecei, dirigia comerciais de TV, depois fui supervisor de animação em Joe e as Baratas e diretor de animação de O Clube da Luta.

Por que você decidiu ir para os Estados Unidos?

Trabalhava no Brasil com computação, mas sempre gostei de desenhar e pintar, e a computação gráfica foi a combinação perfeita para mim. Naquela época, as opções na área eram muito limitadas e o acesso à tecnologia restrito a apenas algumas companhias no Rio e em São Paulo. Tentei alguns lugares sem sucesso. Por meio de sugestões de conhecidos, que já estudavam computação gráfica no exterior, decidi embarcar nessa aventura.

Na sua opinião, a animação convencional está perto do fim?

Não acredito. Ano passado os melhores longas de animação foram de técnicas convencionais, como Wallace e Gromitt. Os filmes de computação ainda tem um grande apelo visual com o publico, mas no final o que vale mesmo é uma boa história para contar. O mercado tem espaço para todo mundo.

O que devemos esperar em termos de tecnologia no setor nos próximos anos?

A cada filme, novas técnicas são criadas para solucionar os desafios criativos dos artistas. Como diretor, busco explorar os limites técnicos para alcançar um resultado visual único e inovador para os meus filmes. O maior desafio que estamos enfrentando no momento não é o tecnológico, mas o criativo. A busca de roteiros com idéias novas e interessantes são, e sempre serão, o grande desafio para a indústria de animação.

Você tem acompanhado a evolução da animação no Brasil?

Tento manter contato com profissionais do ramo no Brasil e, sempre que posso, vou ao Anima Mundi (festival de animação que acontece todo ano no Rio e São Paulo). Assim consigo me manter informado. A qualidade dos trabalhos que vejo tem evoluído bastante. Acho que o mercado está crescendo, mas ainda é muito pequeno. O custo é relativamente alto, mas fico torcendo para que haja mais investimentos nessa área.

Já está envolvido com outro projeto?

Devo começar a desenvolver o meu próximo projeto no final deste ano aqui na Blue Sky, mas no momento só penso em tirar umas férias. A Blue Sky já tem outro projeto em andamento, com outros diretores. Mas ainda não posso falar sobre eles.

Pretende voltar ao Brasil?

Seria muito bom poder fazer um filme no Brasil, mas no momento a minha vida profissional está nos EUA. Não faço muitas projeções, se um dia tiver uma oportunidade interessante, quem sabe...

*matéria publicada na revista MONET #40, de julho/2006, da Editora Globo, e cedida especialmente ao Bigorna.net.

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