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Nos tempos do Clube do Bloquinho
Por Roberto Guedes*
08/06/2007

Em época de comemorar os 40 anos de publicação dos Super-Heróis Marvel por estas bandas – que começou com a EBAL ao lançar as famosas edições “número zero” de Super Xis (Hulk e Namor), Capitão Z (Capitão América e Homen de Ferro) e Álbum Gigante (Thor) numa campanha conjugada com os postos de gasolina da Shell e algumas  emissoras de televisão –, é importante destacar o esforço de outras editoras que também contribuíram, ao seu modo, para sedimentar em nosso país a mitologia moderna idealizada por Stan Lee. Assim, as linhas a seguir prestam uma singela homenagem ao período em que Homem-Aranha e cia. ficaram sob os cuidados da carioca Bloch Editores.

“Formato Jóia! Precinho Gostoso!”
E lá se vão mais de 30 anos desde que Homem-Aranha e Capitão América iniciaram uma jornada diferente, longe das páginas da Editora Brasil-América (EBAL), do pioneiro Adolfo Aizen. Foi em fevereiro de 1975 que as histórias desses dois grandes personagens passaram para uma outra editora, a Bloch – até então, conhecida por suas revistas de notícias como Manchete e Fatos & Fotos. Seu fundador, o ucraniano de origem judaica Adolpho Bloch, vislumbrou as possibilidades comerciais de se investir nos Quadrinhos e para isso fez sua oferta a Marvel Comics, já na ocasião, líder do mercado americano nesse segmento.
 
Os argumentos de Bloch eram irresistíveis: títulos individuais para cada um dos personagens, mesmo para os menos populares e expressivos; e todas as revistas coloridas, ao contrário da EBAL, que publicava em preto-e-branco (exceto os mesmos Homem-Aranha e Capitão América, que tiveram série em cores, mas de curtíssima duração). Outro diferencial em relação à editora anterior se deu com a redução no tamanho das revistas com a implementação do “formatinho” (13,5 x 20,5 cm), o que, em princípio, causou uma certa estranheza e insatisfação geral por parte dos leitores, acostumados que estavam em apreciar os desenhos em páginas maiores. A medida, aplicada há tempos pela Editora Abril em suas revistinhas Disney, mostrou-se economicamente mais viável, ainda mais quando o Governo Militar começou a controlar a importação do papel e a encarecê-lo, a fim de manter a imprensa escrita sob seu controle. Claro, quanto menos publicações fossem lançadas, menor seria o risco do Estado ser achincalhado. No final das contas, as demais editoras, mesmo a EBAL, também assumiram o “formatinho” para não irem à bancarrota.

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Capitão Aza 
A campanha de lançamento do Aranha e Capitão foi realizada através de um encarte chamativo nas revistas Manchete, Fatos & Fotos e Amiga – que ainda englobava títulos como Super-Gato Félix e Bloquinho (com os personagens Escovinha, Porfírio, Buck Zé e Supermino) –, e adiantou aos leitores que os gibis de Hulk, Thor, Namor, Homem de Ferro, Tocha Humana e Mestre do Kung Fu também viriam na esteira. A excitação foi instaurada entre os fãs com as chamadas no programa infantil de Wilson Vianna, vulgo Capitão Aza, transmitido pela TV Tupi e patrono do “Clube do Bloquinho” (uma espécie de versão tupiniquim do fã-clube oficial dos Heróis Marvel de Stan Lee, o Merry Marvel Marching Society), com direito a pôsteres grátis para quem se filiasse ou abrisse uma conta-poupança nas agências da Caderneta Grande Rio, patrocínio a eventos esportivos, sorteio de revistas e o agendamento de visitas às escolas e espetáculos com o Capitão e sua turma nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.

Medidas Equivocadas? 
Mas se no marketing vinha dando um banho de competência, a Bloch derrapou – e feio – em várias medidas editoriais. Para os leitores mais velhos, por exemplo, foi imperdoável a decisão da editora em republicar as histórias de vários personagens que já haviam saído pela EBAL. Com certeza, isso deve ter influenciado para o cancelamento precoce de Namor (#10), Homem de Ferro (#15), Hulk (#16) e Thor (#17). Apesar dessa argumentação, o gibi do Aranha, também repleto de reprises, tornou-se de fato, o título de maior duração, com 33 edições lançadas. E se serve de consolo para os “pró-Bloch”, títulos com vasto material – até então – inédito como Vingadores (#10), Ka-Zar (#7), Defensores (#5), Punhos de Aço (#5), Tocha Humana (#14) e Capitão América (#20) duraram bem pouco também. Outro problema apontado como “vilão” eram as cores berrantes que davam um aspecto feio às revistas. Numa conversa informal com o experiente editor e quadrinhista Franco de Rosa, este esclareceu o seguinte: “Eu conheci uma pessoa do setor gráfico que me disse que os gibis da Bloch serviam para ‘limpar’ as máquinas. Ou seja, depois que imprimiam Manchete e Fatos & Fotos sobrava muita tinta e como os gibis eram em formatinho, dava para imprimir vários de uma vez só. É por isso que tinham aquelas cores berrantes!” 

Embora tal informação careça de uma investigação mais detalhada, ela é por demais relevante até para concluirmos o porquê de tantos anúncios publicados nos gibis não baterem com as recordações que os leitores da época (me incluo nesta categoria) têm do lançamento de cada edição, já que as revistas não marcavam data no expediente. É o caso do jornalista especializado Gonçalo Junior que, ao tomar conhecimento da informação de Franco, comentou comigo: “Sim, creio que rodavam várias ao mesmo tempo. Lembro que saiu uma cujo concurso Garelli já havia tido o prazo esgotado (há tempos). E mais: a Bloch passou meses repetindo a mesma capa da revista Geográfica Universal #6 (em suas 4ªs capas)...” – o que provaria que a editora rodava edições de meses futuros tudo de uma vez só, mas as distribuía apenas no tempo devido. Imagine aí quantas edições adiantadas a Bloch não imprimiu para “limpar” o cilindro da máquina após a impressão de uma Manchete que, por sinal, era semanal. 
 
Para reforçar a tese do problema de impressão, em carta enviada a este autor pelo colecionador e pesquisador Antônio Luiz Ribeiro, transcorre que segundo o editor da linha de Quadrinhos da Bloch, Edmundo Rodrigues, em conversa com Marcos Moraes (ex-funcionário da EBAL e proprietário da Gibimania, importante loja de Quadrinhos carioca): “...quando a Bloch lançou a Marvel em 1975, os desenhos ‘paradões’ estavam a todo vapor no programa do Capitão Aza, mas quando deixaram de ser exibidos, as vendas das revistas sofreram uma queda, mas não o suficiente para cancelar os gibis. A direção da editora via os gibis como algo secundário (em relação à Manchete, por exemplo), e a gráfica não dava vazão de rodar todos os gibis que Edmundo queria (...) daí que foi obrigado a optar: continuar imprimindo os gibis dos heróis que vendiam de forma satisfatória ou os novos títulos de terror que vendiam melhor”. Adivinhe o que aconteceu...

No Embalo do Terror! 
Quando a RGE lançou o espetacular magazine Kripta em setembro de 1976, fez o favor de apontar “um norte” para as demais editoras, com um recado mais ou menos assim subentendido: “O que está na onda e vende bastante é o gênero terror”. O “Mal” estava à solta em meados daquela década, fosse no Cinema, em filmes como O Exorcista, ou na música, via o rockão pesado do Black Sabath e Blue Oyster Cult e, claro, nos Quadrinhos. A Bloch, como tantas outras por aqui, não queria ficar atrás e se apressou a licenciar o vasto material de horror da Marvel. Desse modo, em janeiro de 1977 chegaram às prateleiras das bancas de jornal as novas revistinhas da editora, agora sob o selo “Capitão Mistério”: A Tumba de Drácula e Frankenstein. Em seguida, viriam: Lobisomem (Werewolf By Night), Múmia Viva, Aventuras Macabras, Cine-Mistério, Histórias Fantásticas, etc. Como boa parte desse material era, originariamente preto-e-branco, as cores aplicadas pela Bloch atingiram níveis de borrões ainda maiores. Ademais, vários títulos tornaram-se bimestrais, como o do Aranha e Mestre do Kung Fu – cuja popularização mundial das Artes-Marciais ajudou bastante a manter a revista em pique até a 31ª edição.
 
Com o tempo, ninguém falava mais em “Clube do Bloquinho”, mas a interatividade entre editora e leitores continuava. Bem, lá do jeito da Bloch, que em suas seções de cartas só costumava colocar a resposta dos leitores, o que evidenciava, quem sabe, o perfil infanto-juvenil de seu público. Na edição 29 do Homem-Aranha, o leitor Aldenor Peixoto de São Paulo recebeu esta pérola: “...não precisa ficar chateado só porque o Homem de Ferro, o Demolidor, o Tocha Humana e outros saíram de circulação. No lugar deles (que por sinal devem estar passando as férias nos Estados Unidos e podem voltar a qualquer momento) ficaram Os Trapalhões, O Homem de Seis Milhões de Dólares, o Mestre do Kung Fu e o Homem-Aranha!” – quem mandou reclamar?...
 
Ao longo de 1978 os títulos da Marvel foram sendo cancelados. Últimas tentativas com Motoqueiro Fantasma e Doc Savage, e uma retomada com o Incrível Hulk (aproveitando o sucesso da série televisiva com Lou Ferrigno e Bill Bixby) provaram-se infrutíferas. Embora, ainda de acordo com Ribeiro, Edmundo já preparara a segunda edição de Bloquinho Xerloque (com Doc Savage) e, pasme... Os Campeões – um grupo de heróis de sucesso efêmero nos Estados Unidos, mas que angariou muitos fãs no Brasil, quando da publicação de suas histórias a partir do ano seguinte, nas páginas de Heróis da TV da Editora Abril. A partir de 1979, os Super-Heróis Marvel passariam a ser publicados pela RGE e pela Abril.

O Fim
Em entrevista cedida ao fanzine Status Quo Comics #1 em 1989, o tradutor e colecionador Jotapê disse: “...a própria Marvel cancelou o contrato com a editora brasileira (Bloch)”. É bem provável, mesmo, que a quebra de contrato tenha partido dos americanos, já que boa parte dos heróis não vinha sendo aproveitada pela Bloch; e mesmo em alguns títulos de horror, as histórias originais acabaram substituídas por Quadrinhos nacionais, casos dos títulos da Múmia e Lobisomem, que traziam material produzido por Rubens Lucchetti, Júlio Shimamoto e Flávio Colin. Apesar dos tropeços e mancadas ao longo de seus quatro anos administrando os Marvels aqui no Brasil, a Bloch marcou a infância e adolescência daqueles que tiveram a oportunidade de acompanhar a empolgação e efervescência da editora no período de 1975-76. Parafraseando o que eu escrevi no livro A Saga dos Super-Heróis Brasileiros (Opera Graphica, 2005): “E assim como a (música) Disco, a Bloch deixou saudades em quem viveu seu período... e o desprezo de quem nunca a entendeu...”.
 
É para essas crianças saudosistas, hoje homens e mulheres formados – que se filiaram ao Clube do Bloquinho e se emocionaram com as histórias daquela “pá de heróis” dos gibizinhos da Bloch – que este artigo foi escrito.

Tá Falado!

*Agradecimentos especiais ao colecionador e amigão do peito Gérson Fasano, pelas duas raríssimas imagens que ilustram esta matéria. Aos demais interessados, aguardem o “Dossiê Bloch”, em que serão reveladas, enfim, as datas de publicação das revistas. Um trabalho árduo de pesquisa que contou com a inestimável colaboração de vários colecionadores e profissionais do meio. Todos, fãs incondicionais dos gibizinhos da Bloch.

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