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Cão Jarbas completa 20 anos
Por Ruy Jobim Neto
06/04/2009

Data estelar de quintal: 1º de abril de 1989. Acabara de chegar pelo correio o envelope da Biblioteca Nacional com esta data corrente, mostrando que o Cão Jarbas tinha certidão de nascimento. Na verdade, ele nasceu pouco antes. E veio ao papel sem que dele fosse pedido o papel de protagonista nas tirinhas Nós... E Eles, que pertencia ao pai da família, chamado Jorge. Quando os personagens da tira foram criados (e eles podem ser vistos tanto neste blog quanto num verbete do Wikipedia), não foi imaginado que o cão da família tomasse as frentes, graças ao seu carisma... E tomasse, assim, o próprio título da série de tiras cômicas, que ficaram sendo Jarbas, em razão disso. A idéia era que o pai protagonizasse a tira, tal como acontece com as produções de Hanna-Barbera Os Flintstones e Os Jetsons. A tira completa, portanto, seus 20 anos (e ainda sendo publicada, no jornal GrapHiQ, de Mario Latino, mensalmente, e nas edições que ainda saem, pelas bancas de jornal Brasil afora, da revista de passatempos Brincadeiras do Jarbas, que completou 10 anos em novembro de 2006).

Mas o humor era outro, tinha outras influências (ora de Mort Walker, em Recruta Zero, ora de Dik Browne, de Hägar – O Horrível). Alguns poderiam dizer que há claras alusões a Garfield ou ao Snoopy, em Jarbas, o que seria natural, em se tratando de uma “animal strip”. A verdade é que quando Jarbas e sua turma surgiram, as tiras estavam no auge. Autores brasileiros se consagravam em páginas de jornal (leia-se: Laerte, Angeli, Fernando Gonzales, Glauco), em plena década de 80. O Curso de Cinema na USP estava terminando e a biblioteca da ECA (Escola de Comunicações e Artes) assinava coleção do jornal The Washington Post. Havia leitura de quadrinhos, o vídeo ainda não tinha dominado totalmente, a Chiclete com Banana havia sido um sucesso imbatível no biênio 1984-1985. E não havia a Internet. Havia respiro. E leitura.

De Mort Walker e seus soldados do Quartel Swampy, Jarbas herdou o humor seco, em que era realmente preciso ler os balões para complementar a comédia. O mesmo acontecia com Dik Browne e sua família viking, de uma Idade Média tão presente em todos nós. A idéia era que Jarbas tivesse um representante de cada animal doméstico (cão, gato e passarinho) e que os humanos tivessem todas as faixas etárias (o casal, a garota adolescente e o menino, seu irmãozinho), e que seguindo as idéias do revolucionário Para Ler o Pato Donald (de Ariel Dorfmann e Armand Mattelart), houvesse realmente sexo envolvendo as gerações de personagem. Pais produziram filhos, o contrário do que acontecia com a família de patos de Disney. Jarbas tinha sido pensado para o licensing (o licenciamento de marcas) desde o ovo.

Naquela época, os syndicates precisavam distinguir o formato, se havia cor, qual era a periodicidade, o título, o autor, enfim, toda uma jogada de marketing que envolvia milhões de dólares todos os anos. Esses syndicates são grandes escritórios que revendem tiras cômicas, colunas semanais sobre os mais diversos temas, horóscopos, palavras cruzadas, jogos de bridge e sudoku para jornais no mundo todo, desde 1912. O primeiro e maior deles é a King Features Syndicate (não por acaso, a mesma que distribui Recruta Zero, Hägar e tantas outras tiras famosas), que foi fundada pelo magnata William Randolph Hearst. Não deixam de ser agências noticiosas, como a United Press International (UPI), France Presse ou a Reuters, só que especializadas em outro tipo de material, que não a notícia simples e pura. Aqui no Brasil tínhamos, naquela época, a agência Pacatatu (de Rick Goodwin) e a Agência Funarte (que não durou muito).

O jornal americano The Washington Post, suas edições diárias e principalmente seus dois cadernos standards dominicais foram peças-chave na criação de “Jarbas” e sua turma. Da mesma forma como eram lidos os suplementos Folhinha de S. Paulo, Globinho Supercolorido e o de Quadrinhos do Jornal do Brasil toda semana, em finais da década de 1970, havia um sonho premente de fazer exatamente aquilo, rigorosamente aquilo: tiras para jornal. Jarbas nasceu nos corredores e nas caminhadas entre as prateleiras da Biblioteca da ECA-USP, ganhando vida durante as aulas noturnas do Dorinho, enquanto os alunos dele assistiam à aula, a mesa de luz era utilizada para a execução daquelas tiras, em 1989. Com as retículas inglesas da Pantone, e muito dedo cortado com estilete.

Afinal, em abril de 1993, as tiras de Jarbas são publicadas pela primeira vez em pequenos jornais do Litoral de São Paulo (Primeira Cidade, Jornal de Bertioga, Gazeta de Praia Grande), mas nunca alcançou as páginas dos grandes jornais. Era novembro de 1996, quando saíram os primeiros exemplares da revista Brincadeiras do Jarbas, com passatempos do personagem e as tiras cômicas que foram coletadas depois no volume Na Tigela com Jarbas, livro lançado em 2002. As revistinhas chegaram a todos os pontos do território nacional via distribuição da DINAP, e quem primeiro confiou nelas foram os editores Fábio e João Carlos Bentivegna.

O livro lançado, com apresentação do Prof. Dr. Waldomiro Vergueiro, do Núcleo de Pesquisas de HQ da ECA-USP, as livrarias e seus sites começariam a ver a obra (quase) completa, uma vez que o volume de 112 páginas continha mais de 300 tiras, das mais de 500 que existiam à época. Quem primeiro falou do livro, dois anos depois, foi o alagoano Marcus Ramone, que comprou Na Tigela com Jarbas para sua filhinha, em 2004, e acaba escrevendo um “review” sobre o personagem, uma vez que nunca houve um “view” sobre Jarbas. Na Tigela foi também indicado ao Troféu HQMIX 2003, na categoria de Melhor Lançamento Infantil. Não havia a categoria Livro de Tiras, naqueles tempos. 

Finalmente, Jarbas chega a outras escalas, a educacional, primordialmente. Ao ser escalado para ilustrar livros didáticos dos professores brasileiros da CAPES no Timor-Leste, o personagem acaba servindo para um encontro de países lusófonos via os Quadrinhos. Depois foi a página do Jornal da Tarde, em 2006, quando o vôo do 14-Bis, de Santos-Dumont, completava 100 anos. Esta página era um acordo entre o periódico paulistano e o NCE (Núcleo de Comunicação e Expressão) da USP, coordenado pelo Prof. Ismar de Oliveira Soares. Os contatos eram, na realidade, a professora Carmen Gattás e a jornalista Maria Rehder (do JT). Em seguida, tiras especiais do personagem foram desenhadas para o tablóide colorido da ONG Reciclázaro, para repensar o meio ambiente. Jarbas ajudava outros amiguinhos cães a cuidarem da cidade e de seu quintal. Quando completou 18 anos, em 2007, foi realizada uma festa, a Jarbasfest, na Pizzaria Prestíssimo, típico ambiente de reunião dos cartunistas (aos finais de ano), com a presença de gente de jornalismo, música, Quadrinhos e teatro. No comando musical estavam o maestro Gerson Grünblatt e a atriz-cantora Carolina Mesquita. No telão, um vídeo sobre o personagem, narrado pela atriz Débora Aoni. Na platéia, circulavam a Profa. Sonia Luyten, o cartunista JAL, além de Myla, Carlos Morgani, Sergio Morettini e vários outros. Foi uma festa musical e canina.

E assim, Jarbas chega aos 20 anos de idade, tendo dado a volta ao mundo, sendo publicado durante 12 anos em edições distribuídas nacionalmente em bancas de revista, como um cão com uma idéia na cabeça... E um osso na tigela. Como manda o figurino. Como diz o cartunista e dono da HQMIX Livraria, Gualberto Costa, "longa vida ao Jarbas". Que assim seja.

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