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Alex Raymond
Por Mário Latino e Marcio Baraldi
06/07/2010

Os muitos universos de Alex Raymond

Nos anos 30, a tira de aventuras estava em ascensão. Tarzan, Dick Tracy (o policial durão de Chester Gould) e Buck Rogers mantinham os leitores extasiados. Existia uma autêntica guerra entre os syndicates, cada um se esforçando para apresentar a tira mais cativante. O King Features Syndicate parecia estar alheio a esse confronto. Na verdade, se preparava para dar o troco. Em janeiro de 1934, e com diferença de poucos dias, lançou três tiras para fazer concorrência às já citadas. As novas tiras de aventuras eram "Jungle Jim", "Secret Agent X-9" e "Flash Gordon". Todas elas, fato único na história das HQ, desenhadas pelo mesmo artista!

Até esse momento Alexander Gillespie Raymond era desconhecido no mundo das HQ. Na verdade, começara a desenhar muito cedo, encorajado pelo pai. Aos 18 anos entrou para a Escola de Desenho Grand Central. Mais tarde trabalhou como assistente de Russ Westover na tira Tillie, The Toiler e depois com o célebre Chic Young e com o irmão deste, Lyman na série Tim Tyler's Luck, fazendo as tiras diárias e páginas dominicais.

Quando o King Features Syndicate abriu um concurso para descobrir tiras em quadrinhos que pudessem enfrentar as tiras da concorrência, Raymond apresentou Flash Gordon e Jim das Selvas. Ganhou na hora, recebendo ainda o convite para desenhar o Agente Secreto X-9 que era escrita pelo famoso romancista Dashiell Hammett.

Raymond se submeteu a um ritmo infernal, pois tinha que desenhar todas as tiras diárias, mais as páginas dominicais. O Agente Secreto X-9 fazia concorrência direta a Dick Tracy, mantendo-se em pé de igualdade com a tira mencionada. Jim das Selvas tinha a missão mais difícil de todas, enfrentar o Tarzan, de Foster. Não era tarefa fácil, mas as aventuras de Jim Bradley na África e no Extremo Oriente não fizeram feio competindo contra as façanhas do homem-macaco.

Mas foi com Flash Gordon que Raymond atingiu o sucesso absoluto. A tira, futurista, narrava as aventuras de Flash, sua namorada Dale Arden e o professor Zarkov, no planeta Mongo, contra a cruel tirania do imperador Ming. Flash Gordon era, além de uma HQ de encher os olhos, uma verdadeira previsão do futuro. Reza a lenda que a NASA, serviço espacial dos EUA, se inspirou nos foguetes mirabolantes de decolagem vertical de Flash Gordon para desenvolver os foguetes de verdade. E que analisavam suas HQs para tentar criar na vida real as armas exibidas nos quadrinhos, como raios laser e afins. Enfim, uma ficção tão científica, que se afastou da ficção e se aproximou da realidade. Tudo graças a imaginação visionária (e quem sabe, mediúnica) de Raymond!

Com tudo isso, lógico que Flash Gordon transformou-se num sucesso, sobretudo pela beleza do estilo de seu estilo, cujos desenhos - limpos e claros - pareciam ter se inspirado nas pinturas de Michelangelo. E, se em Flash Gordon a eterna luta entre o bem e o mal se manifesta de maneira simplória, com uma história que não era lá essas coisas, a concepção plástica da mesma compensava tudo.

Pouco tempo depois, à beira do esgotamento, Raymond largou Agente Secreto X-9 e Jim das Selvas para se dedicar exclusivamente à sua cria mais famosa, Flash Gordon. Enquanto isso, nuvens negras de guerra se acumulavam nos céus da Europa. A catástrofe estava por chegar, e nem desenhistas de histórias em quadrinhos estavam imunes a ela.

Do Planeta Mongo para as ruas de Nova Iorque

A eterna luta entre o bem, representado pelo musculoso e apolíneo Flash, e o mal, encarnado no sombrio e detestável imperador Ming, não estava alheia ao momento histórico. Não era pura casualidade que as feições do imperador Ming fossem orientais numa época em que os japoneses invadiam a Manchúria. Nem que Mongo com todo seu aparelho repressor lembrasse a claque nazi-fascista que, ao outro lado do Atlântico, iniciava a conquista de Europa.

É importante dizer que, enquanto os políticos norte-americanos pregavam uma neutralidade imbecil, os desenhistas em quadrinhos já tinham assumido uma posição beligerante. Isso fica mais que evidente quando vemos o material que era publicado então. Os heróis desenhados por Milton Caniff derrotavam as hordas japonesas e o agente X-9 desmantelava redes de espiões alemães na mesma época em que Tarzan, O Fantasma e O Capitão César, entre outros, enfrentavam nas tiras de jornal o perigo totalitário que nos anos vindouros colocaria o mundo em xeque.

Quando os Estados Unidos, apavorados pelos acontecimentos de Pearl Harbor, entraram na guerra os desenhistas de histórias em quadrinhos já estavam preparados para fazer sua contribuição. Enquanto a maior parte desse aporte se refletiu nas tiras para jornal, alguns desenhistas foram para o campo de batalha, Raymond entre eles. A bordo do porta-aviões USS Gilbert Islands, e com a patente de capitão, testemunhou as batalhas de Okinawa e Bornéu.

Em 1946, já de volta do horror da guerra, Raymond inicia uma nova tira, Rip Kirby. No Brasil, Rip Kirby foi batizado como Nick Holmes, numa tentativa de associá-lo a Sherlock Holmes, o mais famoso detetive da literatura. Kirby (ou Nick Holmes), como Raymond, é um ex-oficial da Marinha que se torna detetive particular. Suas aventuras, tendo como pano de fundo a alta burguesia nova-iorquina, nostálgica por um mundo aristocrático que não existe mais, mostram uma evolução incrível na construção psicológica das personagens. Não é mais o ponto de vista simplório das histórias de Flash Gordon. Em Rip Kirby, Raymond deixa claro que o crime é, muitas vezes, produto de um sistema econômico injusto e excludente. E, como na novela noir, muitas vezes a podridão está instalada nas classes sociais mais abastadas.

Na elaboração das tiras de Rip Kirby, Raymond desenvolveu um método de trabalho que envolve fotografia, modelos vivos, uma pesquisa exaustiva de ambientes, vestuário e costumes. Raymond - que já fora ilustrador de revistas como Collièrs Weekly, Blue Book, Esquire e Look - em Rip Kirby estava desenhando melhor que nunca! Ele mesmo chegou a declarar: "Estou sinceramente convencido de que a arte dos quadrinhos é uma forma de arte autônoma. Reflete sua época e a vida em geral com maior realismo, e, graças à sua natureza essencialmente criativa, é artisticamente mais válida do que a mera ilustração. O ilustrador trabalha com máquina fotográfica e modelos; o artista dos quadrinhos começa com uma folha de papel em branco e inventa sozinho uma história inteira - é escritor, diretor de cinema, editor e desenhista ao mesmo tempo". Brilhante frase, não?!Concordo plenamente com esse gênio!

O crítico americano Kenneth Rexroth declarou que todas as histórias de aventuras podem ser reduzidas a dois protótipos: A Ilíada e a Odisséia. Desse ponto de vista o Flash Gordon seria o Aquiles das HQ enquanto Rip Kirby viria ser Ulisses. Rip Kirby ficou melhor ainda quando à equipe de Raymond se juntou Fredd Dickinson, ex-repórter policial. Os roteiros adquiriram um realismo e ritmo que não tinham até então.
Raymond ainda estava enveredando pelo caminho do sucesso quando morreu tragicamente enquanto experimentava um automóvel do amigo, o também quadrinista Stan Drake. Tinha apenas 47 anos e muito ainda para fazer no campo dos quadrinhos. Uma morte besta que tirou precocemente Raymond da vida para coloca-lo definitivamente na História!

Após a morte de Raymond, Rip Kirby continuou sendo feita pelo desenhista John Prentice. E, coisa estranha, o trabalho de Prentice era tão idêntico ao de Raymond que os conhecedores não sabem dizer onde termina o trabalho de um e começa o do outro.

Costuma-se dizer que criadores e artistas atingem o ápice da criatividade aos cinqüenta anos, quando talento e experiência se equilibram. Se isso é verdade, Raymond, o criador das fabulosas páginas de Flash Gordon, ainda estava apenas começando! De qualquer forma, Alex Raymond tornou-se um dos maiores gigantes da História das HQs e um dos artistas mais influentes de todos os tempos. Praticamente impossível encontrar um artista dos quadrinhos que não se ajoelhe frente a magnitude e perenidade da obra de Raymond. Já seu personagem maior, Flash Gordon, também, entrou definitivamente para a cultura pop da Humanidade, tendo se transformado em seriados de TV, filmes para cinema, desenhos animados e toda sorte de merchandising, além de Quadrinhos, claro. Entre os excelentes artistas que desenharam Flash Gordon após a morte de Raymond estão nomes históricos como Gil Kane, Dan Barry,e o mais importante de todos, o extraordinário Al Willianson (veja aqui), que era tão apaixonado pela obra de Raymond que se tornou seu mais fiel discípulo estético, tendo alcançado com sua obra o mesmo grau de virtuosismo e exuberância de seu Mestre máximo. Aliás esta é a melhor definição para  Alex Raymond: o Mestre máximo dos Quadrinhos mundiais e seus muitos universos!

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