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Crise nos Infinitos Gibis – Parte 2 (Por que o cinema não salva os super-heróis?)
Por Gonçalo Junior
16/06/2006

Um dado que considero interessante de ser conhecido e que gostaria de obter junto à Marvel ou à DC Comics – ou mesmo da Panini brasileira – é o total de venda dos gibis no mês anterior e durante a exibição dos filmes que trazem adaptações de seus respectivos personagens produzidos nos últimos cinco anos. Refiro-me aos que mais fizeram sucesso e têm revista de linha, como Homem-Aranha, X-Men, Batman, etc. Com certeza, o número de exemplares comprados no período de apresentação de cada longa deve ter aumentado com alguma expressividade – 10%, 20%, 50%?

Intriga-me saber outra questão nesse aspecto: com a saída das produções de cartaz, as tiragens voltaram aos patamares anteriores ou se manteve o acréscimo de público que foi atrás dos gibis estimulado pelo cinema? Nada se noticiou nesse sentido e não acredito que o saldo final tenha sido positivo. Por um motivo que me parece óbvio: a criança, o adolescente, o jovem ou o adulto que foi às bancas à procura do que viu na tela, não o encontrou. Aonde quero chegar? A um tema que acredito ser importante discutir: se os filmes vindos dos Quadrinhos têm rendido milhões de espectadores mundo afora, não seria natural que parte dessas pessoas redescobrisse os gibis? Seria. Mas não foi o que aconteceu. Não me parece que a crise que afetou a indústria dos super-heróis na década de 1990 tenha a ver com especulação do mercado, a massificação de novas tecnologias e ou mau gerenciamento das empresas. Não me convenço também de que o setor está se recuperando.

O motivo é único. Está na crise de criatividade que afeta o mercado há pelo menos 15 anos. Num contra-senso, já ouvi até que Frank Miller e Alan Moore, com O Cavaleiro das Trevas, Elektra Assassina, V de Vingança e Watchmen, teriam “prejudicado” (isso mesmo!) ao estabelecer um patamar que desorientou artistas e os levou a uma busca incansável, muitas vezes pretensiosa, do ponto de vista literário de superação. Uma conseqüência que me vem à mente foi a medíocre minissérie Origem de Wolverine, que (pasmem!!!) chegou até a ganhar prêmio no Brasil. Se as editoras de super-heróis resolveram complicar, Hollywood seguiu pelo caminho oposto e buscou na simplicidade a fórmula para casar comics com modernas técnicas de efeitos visuais. Um bom exemplo foram os dois filmes do Homem-Aranha. Sam Raimi, um mestre da fantasia e um apaixonado por Quadrinhos – que adotou com maestria sua linguagem em Darkman, vingança sem rosto – foi atrás de Stan Lee e Steve Ditko para filmar as duas histórias. Ou seja, a melhor fase do Aranha, a que cativou o mundo e reinventou o conceito de super-herói. Qualquer editor com um mínimo de inteligência teria notado isso e reeditado essas primeiras histórias. Não foi feito. Medo de competir com o lixo que é produzido atualmente? Talvez. Seria uma briga injusta.

Na essência do Aranha, Lee e Ditko nada mais fizeram, em parte, que assimilar e modernizar para os Quadrinhos o gênero folhetim, uma tradição literária difundida pela imprensa francesa a partir da massificação da imprensa no século XIX. Estão ali todos os elementos dramáticos do romance, da aventura, do devaneio, das inseguranças e temores, dos desejos e das fantasias. Ao mesmo tempo, recorrem ao existencialismo dos escritores de origem francesa Jean-Paul Sartre e Albert Camus, tão em voga na época. A identificação do leitor com essas narrativas, conseqüentemente, é imediata e este acaba arrebatado, seduzido pela identificação exagerada com seus mais profundos sentimentos – em especial, a angústia que atormentava tipos como Hulk e Surfista Prateado. É o herói que sofre, é a mocinha que corre perigo, é o amor não correspondido, o medo da recusa, o drama da existência, a paixão avassaladora que leva a um combate ou deixa o trauma da morte. São sensações universais de fácil assimilação, que emocionam e divertem. Adicionava-se a isso clichês dos romances policiais, com boas doses de suspense, vilões que só se revelavam muito depois.

Escrevi na coluna anterior que a crise de criatividade e a dificuldade de renovação no universo dos super-heróis são as causas mais importantes para justificar as baixas vendas. Não tem a ver só com Internet, games, desenhos animados, DVD, RPG, etc. Não parece óbvio que todos esses entretenimentos "concorrentes" sejam muito próximos dos Quadrinhos e muitos deles até recorrem aos personagens do gênero para criar seus produtos? Felizmente, nem tudo está perdido e existem as editoras independentes, que passaram a oferecer boas alternativas nos últimos vinte anos, nem sempre com super-heróis. Por mais que tenha me esforçado no último fim de semana, não consegui trocar um Strangers in Paradise, de Terry Moore, por um Homem-Aranha, meu super-herói preferido, mas cujos personagens estão cada vez mais sombrios, bizarros, numa explícita proximidade grotesca dos mangás nos traços – caricaturais e de olhos grandes. Os desenhistas não expressam mais traços originais, pessoais – algo fundamental no passado – e as cores em tom escuro, combinadas com os roteiros não menos pretensiosos, que assassinaram a principal função de um gibi de herói: a diversão, o entretenimento.

No imprescindível DVD em que Kevin Smith entrevista Stan Lee – Mutantes, Monstros e Quadrinhos (Columbia) –, é possível compreender melhor o fenômeno. O criador e produtor diz, em determinado momento, que orientava seus subordinados – quando dirigia a Marvel – para que sempre considerassem que a série do gibi que estavam fazendo seria lido por alguém pela primeira vez. Por isso, as aventuras corriam em ritmo por demais lento, o que não quer dizer que era chato ou cansativo, mais próximo das telenovelas brasileiras ou dos seriados televisivos americanos – veja, por exemplo, o caso de Lost, que testa a paciência do telespectador com seu desenrolar lento, uma vez por semana. Mesmo assim, faz o maior sucesso. Ainda em Lost, os constantes flashbacks ainda reforçavam esse propósito, uma vez que adentra no passado de drama, sofrimento e dúvidas dos personagens. Também acontecia com os gibis antigamente. Se o leitor ficasse quatro ou cinco meses sem ler as histórias, ele ainda conseguia pegar o fio da meada. Até mesmo depois de um ano. E aquele consumidor de primeira viagem se encantava facilmente com os personagens e vibrava com as vitórias tanto do super quanto de seu alter-ego. Naquele tempo, os vilões eram poucos e tão fascinantes quando os mocinhos fantasiados.

O descompasso entre o mercado de Quadrinhos e as versões dos super-heróis no cinema leva muitas vezes a algumas idéias distorcidas. Ouço comentar outro dia que os Quadrinhos nunca tiveram um momento de tanta prosperidade, por causa dos filmes. Ora, o Homem-Aranha já vendeu perto de 200 mil exemplares na década de 1980. Hoje, não passa de 30 mil de tiragem, embora não sejam divulgados os números das vendas. Os velhos fãs de gibis tanto sonharam que, um dia, seus heróis e super-heróis impressionassem a todos na telona, com o máximo de convencimento e realismo. De repente, o milagre da revolução digital trouxe isso e nos permite ver o Homem-Aranha balançar pela cidade numa teia, melhor até que nos desenhos animados. Mas as aventuras dos nossos sonhos ficaram lá atrás. Estou sendo ranzinza com os super-heróis? Não creio. Busco aqui apenas provocar uma reflexão sobre porque só alguns milhares de abnegados lêem essas porcarias da Marvel e da DC no Brasil. Estas observações nada têm a ver com nostalgia ou saudosismo. Simplesmente existe um problema de mercado que precisa ser debatido, pois, em longo prazo, podem se tornar danosas ou catastróficas para a sobrevivência dos Quadrinhos – como tentarei mostrar aqui em breve.

Nem tudo, porém, é lamento. Ainda é possível sim ler bons gibis sem precisar recorrer aos sebos. Para quem quer curtir Histórias em Quadrinhos com toda a sua simplicidade e magia e ter uma idéia sobre como os comics seduziam milhões de leitores nas décadas de 1930 e 1940, a dica é correr e comprar O Fantasma - Sempre aos domingos, da Opera Graphica. E preste atenção na aventura A volta das Piratas do Céu. Para mim, trata-se de uma das melhores tramas dos comics realizadas em todos os tempos.

E o papo continua...

A seguir: Os males que causam as panelinhas nos quadrinhos

 Do mesmo Colunista:

Crise nos Infinitos Gibis - Parte 1 (O Mangá e o mito da nova tecnologia)

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