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Spektro, A Revista do Terror #20
Por José Salles
29/08/2007

Lançada no ano de 1977, Spektro, A Revista do Terror da Editora Vecchi, teve boa sobrevida nas bancas (até os primeiros anos da década seguinte) e ficou marcada na História e na memória de uma extensa legião de fãs de Histórias em Quadrinhos. E mais, a lembrança da Spektro está indissoluvelmente associada às HQs brasileiras, tão fabulosos foram os autores nacionais que acabaram dominando totalmente as páginas desta publicação. Em seus primeiros números, Spektro já publicava autores patrícios, mas em restrito número de páginas – a maioria delas era reservada às HQs da Charlton Comics, que tinham viés mais para a ficção-científica do que ao terror propriamente dito. A despeito dos notáveis quadrinhistas estadunidenses que apareceram nas páginas de Spektro (Steve Ditko, John Byrne, Mike Zeck, entre outros), foram os autores brasileiros que, por óbvia identificação com o público, ganharam aquele espaço com muito suor e talento. Neste número 20 de Spektro, do qual estaremos falando mais detalhadamente neste artigo, todas as HQs publicadas são de quadrinhistas brasileiros. Esse fenômeno que ocorreu em Spektro, com os artistas brasileiros substituindo artistas estrangeiros ao longo da publicação, na verdade já ocorrera em outros títulos de terror lançados pela Vecchi, como por exemplo Pesadelo, Sobrenatural e Histórias do Além. Tudo muito bem planejado pelo editor responsável Otacílio D’Assunção, o Ota, que promovia até mesmo enquete entre os leitores das revistas.
 
Desde seu lançamento, Spektro chamava a atenção de seus leitores pelo formato brochura, e o generoso número de páginas que regozijavam os fanáticos & admiradores das HQs de terror (Spektro manteve média de 160 a 200 páginas por número). Uma publicação editorial deste porte, num país economicamente instável como o nosso, obrigou Spektro a ter uma periodicidade igualmente instável (chegava nas bancas a cada dois, ou três meses – provavelmente deve ter ocorrido alguns poucos atrasos maiores). O preço na capa mudava a cada número. Estávamos começando a entrar numa inflação galopante jamais vista na economia brasileira. Confiro em minha coleção particular: o mais antigo número de Spektro que possuo é o de número 2, lançado em agosto de 1977. Preço da capa: Cr$ 12,00 (doze cruzeiros). E o número 20 (fevereiro de 1981) teve preço da capa de 70 cruzeiros. Detalhe: a partir do número 19, Spektro teve menos páginas e formato 2 cm menor – foram obrigados a seguir o lamentável padrão editorial da época, que hoje poderíamos chamar “formatinhozinho”, pois era ainda menor do que o famigerado formatinho.
 
Em 2002, Spektro virou estrela de filme: na divertida produção do catarinense Petter Baiestorf, Raiva, a coleção completa da Revista do Terror é objeto de cobiça de malandros de toda espécie. Bom saber que alguém como Baiestorf seja fã incondicional da Spektro. Teremos boas chances de ver, no futuro, adaptações cinematográficas de algumas destas HQs que tanto nos impressionaram. Passemos, então a comentar mais detalhadamente a 20ª edição dos livros em Quadrinhos Spektro. Como já foi dito, totalmente dominada pelos quadrinhistas brasileiros – e quão formidáveis quadrinhistas! Tem que ser muito bom mesmo pra conseguir desbancar monstros sagrados como os citados norte-americanos. Neste número 20, os artistas de Spektro já tinham status de superestrelas entre o público leitor, que exigia a presença de Julio Shimamoto, Flavio Colin, Elmano Silva, Watson Portela, Balieiro, Zenival e tantos outros. E mais que isso, certos personagens já ameaçavam se tornar presença marcante na revista – e alguns de fato se tornaram, criações formidáveis na História dos Quadrinhos brasileiros e para sempre marcadas na memória de seus afortunados leitores. Afortunados, mesmo, os leitores de antanho, pois os jovens fãs de Quadrinhos dos dias de hoje, mesmo que revirem todas as prateleiras de todas as bancas do país, ou que vasculhem a Internet de cabo a rabo, não encontrarão nada parecido com a Spektro.
 
O editorial do 20o número de Spektro, lido nos dias de hoje, é uma excelente fonte de informações para quem se aventurar na historiografia do mercado editorial brasileiro de HQs. Além da tradicional & breve descrição do conteúdo das histórias que compõe este número 20, percebe-se uma certa rixa (estética e mercadológica) entre a Editora Vecchi e a editora curitibana Grafipar, que por esta mesma época lançava vários títulos nas bancas em publicações feitas totalmente por autores brasileiros. Ao explicar a seus leitores os motivos do atraso da seqüência da série Paralelas, do pernambucano Watson Portela, os editores da Spektro dizem que “Watson recebeu uma proposta indecorosa de nossos concorrentes sexomaníacos e se mandou de mala e cuia para Curitiba”. Não é citado o nome da editora de “sexomaníacos”, mas tá na cara que se está falando da Grafipar(1). A propósito, neste mesmo texto uma outra editora é esnobada: comemorando a adesão de outro notável quadrinhista, E.C. Nickel, os editores da Vecchi dizem que este autor já havia publicado em “outras editoras menores”. Ora essa, Nickel teve suas brilhantes HQs publicadas em “n” gibis & revistas da Press Editorial, que deixou um tremendo legado ao Quadrinho brasileiro. Está certo que a Vecchi, graças aos Gasparzinhos e Brasinhas faturava muito mais do que a Press; por outro lado, temos notícias de que houve constantes atrasos nos salários dos artistas colaboradores. Mas enfim, deixemos as picuinhas de lado, e voltemos ao que interessa. E o que interessa é o legado da Spektro, esta publicação gigantesca, que exigiu de seus criadores e mantenedores energia & disposição inconcebíveis – certa vez li entrevista com o diretor de redação da Spektro, Otacílio “Ota” d’Assunção, dizendo que chegavam a produzir quinhentas páginas por mês nos estúdios da Vecchi.
 
Falemos então dos marcantes personagens que aparecem nas páginas deste número 20 de Spektro, momentos de intensa inspiração de seus autores. O Trio Diabólico, de Elmano Silva (t.c.c. Mano), é quem começa as emoções da revista, apresentando seus personagens de filme B vivendo aventuras macabras no sertão nordestino. Um estilo barroco de mostrar HQs sobrenaturais, inspiradas na mitologia folclórica nordestina. Como resistir a incrível criatividade dos quadrinhistas brasileiros? Mano escreve & ilustra Cilada para a Besta-Fera, uma HQ interligada por outras publicadas originalmente em Spektro #15 e 18. Por isso a página de abertura é dedicada a um resumo do que acontecera anteriormente(2). Desta feita, o Trio vai dar uma lição mortal em outro “coronel” mandão e seus jagunços sádicos, provocando uma carnificina onde não faltarão cabeças decepadas. O visual da Besta-Fera parece um híbrido de Lobisomem e Curupira – não tem os pés invertidos mas o peito liso, bem como a cabeça. E o tal menino que ganha o patuá protetor, serviria de mote para Mano criar outro personagem antológico a marcar presença em Spektro: Silas Verdugo, o Homem do Patuá(3). O Espectro, personagem clássico de Cláudio Almeida, que já havia tido longa HQ publicada no número 17, reaparece neste 20º número numa história chamada Pacto Diabólico, escrita por Almeida e ilustrada por Orestes de Oliveira Filho. Aqui é narrada a origem do Espectro: é Mário Garcia, um honestíssimo Promotor de Justiça que ganha ajuda do próprio Satanás para escapar da morte e vingar-se dos que curraram e mataram sua esposa. O tinhoso descola até mesmo um uniforme para Mário – uniforme preto com desenho de esqueleto, que depois foi copiado nas fotonovelas do Killing (que também foi publicado pela Vecchi, oito números com capa desenhado por Mano).

Jesuíno Boamorte, de Júlio Emílio Braz e Zenival Ferraz

 
Coriolano o Cangaceiro & Trovoada, servo de Satã, de E.C. Cunha e Antonino Balieiro, já tiveram HQ publicada no número 15 de Spektro(4), e aqui retornam promovendo uma carnificina surrealista, capaz de deixar pasmados os jovens fãs de Garth Ennis. Nesta aventura, chamada O Olho de Gato, Coriolano e Trovoada vão medir forças com Nhô Venâncio, um místico a serviço do bem. Se estes personagens estavam todos reaparecendo em Spektro, um outro estava fazendo seu estréia nas páginas da revista: Jesuíno Boamorte (escrito por Júlio Emílio Braz e ilustrado por Zenival Ferraz), protagonista de aventura fantástica passada no Pernambuco colonial. Estamos no ano de 1648 em plena dominação holandesa, e um atrevido rebelde brasileiro está para ser enforcado. Seu nome: Jesuíno Boamorte (um sobrenome pouco incomum em Portugal, até nos dias de hoje). Porém, graças ao sacrifício de uma velha de rosto todo deformado, que se deixou ser ceifada pelo demônio para reviver Jesuíno (e o demônio aqui tem o aspecto dos centauros, meio homem, meio eqüino), ele será revivido com poderes sobrenaturais. Jesuíno vai ter a chance da implacável e dilacerante vingança contra seus algozes. Jesuíno Boamorte teve muito boa aceitação entre os leitores, reaparecendo em outras aventuras publicadas nos números 22, 23, 24 e 26 da coleção.
 
Como era de praxe nas edições de Spektro, uma galeria de mestres dos Quadrinhos também fez parte desta 20ª edição. Julio Shimamoto faz troça de si mesmo em A História que Shimamoto Nunca se Atreveu a Contar! – é o próprio artista quem aparece como personagem nesta HQ escrita por Ubirajara Leal (Shimamoto assina com pseudônimo H. Yoshinobu), um artista tão angustiado com os problemas mundanos (em especial com as exigências do mercado de Quadrinhos) que faz reviver um espírito de samurai – sorte de nosso Shima que seu protetor estava atento (um negro enorme que, por mostrar movimentos de capoeirista, faz relembrar Meia-Lua, antológico personagem que Shimamoto publicou na revistinha Kiai, da Grafipar). Dois demônios, motivo suficiente para quebrarem o pau e mais uma chance para Shimamoto brindar seus leitores com cenas de lutas, violência física transformada em beleza gráfica de raríssimo talento. Uma outra HQ ilustrada por Shimamoto aparece neste 20º número de Spektro: A Arena da Perdição, escrita por Juska Galvão, história absurdamente sangrenta e bem-humorada, mostra o espírito maligno do imperador romano Nero buscando vingança contra cineastas e roteiristas que estariam denegrindo seu nome. Flavio Colin ilustra Os Estranhos Hóspedes do Hotel Nicanor,. Escrita por Juska Galvão, tem humor e sangreira desenfreada, monstros abomináveis dando uma lição numa dupla de vigaristas – HQ na medida para o estilo de Colin, com personagens que voltariam a aparecer na revista.
 
Os outros dois artistas que marcaram presença neste Spektro #20 já foram rapidamente citados neste artigo: Eloir Carlos Nickel (que estreava nas páginas da revista) e Watson Portela. Nickel assina & desenha A Noite do Lobisomem, violentíssima HQ com o consagrado personagem de horror, um círculo macabro que parece inspirado nos Quadrinhos da Cripta do Terror da EC Comics; já Watson brinda seus leitores com uma HQ da memorável série Paralelas, onde os leitores puderam se deslumbrar com as diversas & deliciosas influências deste artista, que vai dos filmes B de ficção-científica aos Quadrinhos de Guido Crepax. Aventura, sensualidade, surrealismo, em deleites visuais que até hoje são venenerados pelos fãs. Posteriormente, a série Paralelas ganhou quatro edições em formatão que são peças indispensáveis aos fãs de Watson Portela e dos Quadrinhos. Foi também publicado um álbum de luxo com a saga. Não nos esqueçamos de outra marca registrada de Spektro, presentes nesta edição: os cartuns de humor negro (que tanto agradavam aos leitores, que chegou a ter edição especial). Neste número, aparecem artistas conhecidos do udigrudi: Al, Canini, Vilmar e Luscar.

(1) não gostaria de me estender com este assunto agora, senão em outro artigo mais específico; por hora, deixo apenas registrado que não concordo com a opinião dos editores da Vecchi a respeito da Grafipar. Afinal, esta editora publicou gibis de vários estilos (alguns com mais ou menos carga erótica), e merece consideração e respeito dos fãs das Histórias em Quadrinhos.

(2) Sinhá Preta teve sua origem contada no #11 de Spektro. Já no número 15, em O Filho de Satã, Mano conta a origem da Besta-Fera, nascido por desejo de vingança contra um despótico “coronel” da região. Sinhá Preta tem pacto com o demônio e consegue dominar a Besta-Fera. No 18º número de Spektro é a vez de conhecerem o terceiro integrante do Trio Diabólico – o menino a quem é dado um patuá que protege seu corpo de qualquer arma mortífera. O Trio Diabólico ainda voltou a aparecer em outras publicações ainda na primeira metade dos anos 1980: O Almanaque de Terror (da própria Editora Vecchi) e também na revista Medo (da Press Editorial).

(3) Silas Verdugo apareceu nos números 21, 22 e 24 de Spektro. Anos depois do cancelamento da Revista do Terror, Silas retornou num gibi da Ediouro, no sexto número da Coleção Assombração. Elmano já finalizou álbum com HQ inédita com este personagem, contando sua origem. Vamos torcer para algum editor se tocar e publicar esse álbum com o respeito que merece.

(4) Na HQ Orgia de Sangue (escrita por Gustavo Augusto e ilustrada por Balieiro), publicada no 15º número de Spektro, é narrado como se dá o encontro entre Coriolano e o capeta: este último, agradecido pelo fato do cangaceiro ter lhe enviado tantas almas, não só salva Coriolano da morte como lhe concede um servo (Trovoada) para ajudar na matança desenfreada. Antonino Homobono, ilustrador das HQs da dupla macabra, trabalhou também com os personagens brasileiros do faroeste, Chet e Chacal Tony Carson.

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