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Entrevista: Luga
Por Eloyr Pacheco
03/04/2009

Luga (foto) é um sujeito simples, muito acessível e cortês. Trocar e-mails com ele é uma satisfação. Desenhista de produções dos anos 1980 (publicou, entre outras, na revista Almanaque do Terror, da Editora Vecchi) e editor do fanzine Aventura, mesmo depois de um AVC continua desenhando. E embora muito lentamente, como ele comenta sempre, num ritmo muito bom, bom o suficiente para deixar muitos jovens por aí no chinelo, como dizem. Nesta entrevista, concedida por e-mail, Luga fala de suas preferências, seu trabalho como quadrinhista e seus projetos. Uma lição, um exemplo. Confira.

Começo com a pergunta de sempre: como surgiu seu interesse por Histórias em Quadrinhos?

Meu interesse pelos Quadrinhos, eu acho que começou deste pequeno com uns 4 ou 5 anos. Eu ficava vendo figuras nos gibis de minha prima, depois pedia pra alguém ler para mim. Agora me envolver querendo desenhar HQ, isso aconteceu com uns 8 anos. O que me despertou para querer ser desenhista de Quadrinhos, foi o irmão mais velho de um amigo que fez um desenho meu. Aí eu pirei! Pois na minha cabeça quem desenhava as HQs, eram máquinas! Mas depois que este amigo me desenhou, eu passei a querer o “poder” que ele tinha, aí comecei a tentar copiar as histórias dos gibis. Daí pra diante, até os dias de hoje, continuo a tentar desenhar HQ.

É verdade! Quando a gente é pequeno fica difícil imaginar que exista pessoas por trás das HQs. Você descobriu os créditos das histórias e passou a procurar saber quem eram os produtores do que lia depois que viu esse desenho?

Na época nem imaginava o que eram os créditos das HQs! Mas já sabia que eram pessoas e não máquinas que desenhavam os gibis, pois o meu amigo podia desenhar, então eu também poderia. Só me lembro de haver lido os créditos nas revistas brasileiras. O Pererê, do Ziraldo, que gostava muito e as revistas da Editora Outubro, de Guerra e Terror. Nestas revistas brasileiras foi que me interessaram. Me lembro claramente, que copiei uma HQ de bang-bang inteira do Eugênio Colonnese. Este deslumbramento me fez procurar conhecer os desenhistas. 
 
Qual a sua formação? Você trabalha com o quê?

Eu sou autodidata! Minha formação são os desenhistas de Quadrinhos, que eu copiei e admirei por toda minha vida! Agora não trabalho mais! Desenho HQ por puro prazer, tenho feito as HQs do meu personagem Antônio Lobo, que faz este ano 25 anos de existência e faço alguns testes no Studio Rascunho do amigo Alzir [Alves], onde tenho aprendido muito.

E como andam os testes no Rascunho Studio, do Alzir Alves? Pode revelar para quais projetos você fez teste?

O Studio Rascunho tem uma equipe que tem diversos contratados trabalhando para o mercado americano, e vários desenhistas que não têm contratos, mas que fazem testes eventualmente. Eu não tenho contrato com o Rascunho, mas tenho uma fraterna amizade com o Alzir, que para mim vale mais que um contrato, se algum dia vir a trabalhar novamente nos Quadrinhos, quero que ele seja meu agente. Eu prezo muito seriedade e competência, e isso o Alzir e a equipe dele têm de sobra. Os testes que tenho feito são para mim, uma oportunidade de praticar e de aprender, principalmente de aprender. O primeiro teste que desenhei foi do Justiceiro! Neste teste aprendi muito mesmo e cometi muuiitos erros. O outro foi um bang-bang, este já estava dentro de uma das minhas especialidades, e me sai um pouco melhor, apesar de estar com uma gengivite violenta. Por fim desenhei uma página para um teste urgente, que tinha só dois dias para fazer. Não gostei do que fiz!  Não consigo mais desenhar depressa, pois após o meu AVC (derrame) me causou uma insensibilidade no meu lado direito todo, só sinto 40% do que toco, o que me faz desenhar mais lentamente que um desenhista sem esta deficiência. Na verdade estou acostumado a desenhar os temas que mais gosto, que são a guerra, bang-bang e alguns outros temas mais pessoais. Não acho que o desenhista seja uma máquina de desenhar, ele é um artista que deve contar as histórias que gosta e sente prazer em fazer.
 
Quais seus quadrinhistas preferidos?

Puxa são tantos! Vou citar alguns, mas são muitos: Hal Foster (desenhista do maravilhoso Príncipe Valente), Alex Raymond (com o Flash Gordon), Jean Giraud, o Moebius (que influenciou toda uma geração de desenhistas), Russ Heat, Chis Weston, Corben, Frank Robbins, Russ Manning, Crumb, o francês Gal, o argentino Barreiro Gimenez, o italiano Magno, Júlio Y. Shimamoto (o Mestre), Ignácio Justo, Colonnese, Mozart Couto, Watson Portela e os jovens Jack Herbert, Bené Nascimento, Allan Goldman. Estes são apenas alguns dos meus preferidos, tem muitos outros que admiro e se fosse citar não caberiam neste espaço da entrevista.

Não vejo aí nenhuma citação de produtores de super-heróis! Foi uma opção sua, ou você não gosta do gênero mesmo?!

Eu gosto de super-heróis! Mas não como estão sendo feitos hoje em dia, com roteiros estratosféricos, distantes totalmente da realidade. Os desenhistas de hoje estão cada vez melhores, mas os roteiros não consigo ler. Até os desenhistas brasileiros dos últimos tempos, foram muito influenciados pelos super-heróis, por isso nas HQBs de hoje em sua maioria, são dominados pelos supers, o que é compreensível. Mas é bom lembrar a todos que existem HQs de outras partes do mundo, com outras temáticas e trabalhos geniais. Precisamos desviar os olhos dos USA e darmos uma olhada no mundo e em nós mesmos.

Quais HQs definitivamente você lista para uma gibiteca básica?

A Batalha do Mar Salgado, do Hugo Pratt; Tenente Bluberry, Arzak e L’ehermetique Garage de Jerry Cornelius, do Jean Giraud; The Nam, desenhos do Michael Golden; Principe Valente, do Hal Foster; Flash Gordon, do Alex Raymond; Les armees du conquerant, de Dionet e Gal; toda a série do Tin Tin; Tarzan, de Russ Manning e do Burne Hogart; a série O Caminho do Oriente, de E. T. Coelho; a série Ás de Espadas, do Gimenez; Torpedo, de Jordi Bernet, e Sargento Rock, desenhado por Huss Heat ou Joe Kubert. Acho que chega, senão iria ficar aqui indefinitamente, citando HQs que gosto.

Que lista, hein?! Você tem essas publicações?

Tenho quase todas! Me desfiz de mais da metade do que tinha, mas guardei o que acho melhor. No meu orkut coloquei minha foto com algumas HQS que ainda tenho, isso para que as pessoas vejam que possuo realmente, senão poderiam ficar achando que sou um destes “intelectuais” que só dizem que leram, mas só leem comics. Mas ainda tem autores que li, mas não citei e outros que gostaria de ler, mas ainda não consegui.

No início dos anos 1980 você publicou o fanzine Aventura. Como foi esta empreitada?

Foi um grande prazer fazer o Aventura! E ainda é, pois o zine está parado, mais não morto. No início dos anos 80 eu e dois amigos que gostavam de HQs, decidimos mostrar nossos trabalhos e do pessoal que estivesse interessado em publicar. Foi uma época feliz e divertida e de muitas descobertas! Consegui imprimir os primeiros números em uma gráfica em que trabalhava. Era todo em preto e branco, pois na época já era muito. A venda era feita pelos correios, não deu lucro os primeiros, mas nos seguintes consegui vender toda a produção. Fiz amigos pelo Brasil todo, este acho que foi o grande lucro que o Aventura me deu. Se alguém tiver o numero 3 do Aventura de capa vermelha e preta, gostaria de comprar mesmo que seja uma cópia. Pois na nossa pressa em vender, não sobrou nem um para mim!

Você pensa em reimprimir o Aventura?

Apenas edições especiais! Tenho alguns planos.
 
Sua empreitada com o Aventura foi antes de trabalhar na Editora Vecchi?

Eu não trabalhei na Vecchi! Mais fiz HQs para as revistas de terror da época. Na Editora Vecchi publiquei nas revistas Almanaque do Terror e Histórias do Além, também tive uma arte publicada na Calafrio, da D´Arte. Aventura veio depois da Vecchi falir misteriosamente, no auge de vendas. Foi uma época de trabalho para quem estivesse querendo trabalhar com Quadrinhos, desenhistas e roteiristas.

E para quais revistas você produziu?

Minha primeira história saiu na Calafrio, o roteiro não era meu, depois saiu uma HQ minha, roteiro e desenho. Ainda ficaram HQ minhas na Vecchi, não sei se publicaram ou não, pois logo depois ao ir até lá me foi dito que a editora havia sido fechada e o equipamento passou para outras mãos. Mas, valeu muito como aprendizado.

Por onde anda seu personagem  Antônio Lôbo?

Aos 25 anos de idade, está na Internet e na minha prancheta! Agora estou desenhando uma HQ do Lôbo, Crânio [do Francinildo Sena] e Magno [do Alcivam]. Ele anda ainda por um Brasil destruído, com cidades fortalezas, rapinantes e colônias agrícolas.

Onde e quando deve ser publicado esse encontro?

Estou em fase final dos desenhos, mas como sou lento não posso determinar um prazo exato em que vou terminar. Depois ainda tem a arte-final e a colocação dos balões. Ainda falta um tempinho! Mas tenho postado no meu orkut alguns layouts. Quem estiver interessado em ver...

Falando no Lôbo, como ele surgiu?

No inicio dos anos 80, na mesma época em que comecei a publicar o Aventura, eu comecei a juntar material para criar um personagem meu. Foram dois anos aproximadamente, em que coletei material. Li muita coisa a respeito do tema e assisti todos os filmes da época que tivessem relação com o que eu buscava. Em 1984, achei que já estava pronto, então fiz o primeiro desenho do Antônio Lôbo. Daí por diante, o Lobo passou a ser meu personagem predileto e meu grande companheiro nas noites na prancheta. Tem momentos que eu acho que ele existe, pois mergulho em sua realidade, e percebo que o mundo que eu criei nos anos 80 está cada vez mais vivo, pois a realidade está muito mais cruel e louca nos dias de hoje. Sem querer ser profeta, vejo que a minha realidade está bastante próxima a ficção do Lobo. Que Deus nos proteja!
 
Como você vê o mercado nacional de Quadrinhos?

Não vejo! O que existe são pessoas batalhadoras e amantes dos Quadrinhos, que subterraneamente continuam como eu nos anos 80, como fiz com o Aventura. Com mais recursos, mas lutando com as mesmas armas que eu já lutei. De resto o que existe é uma filial do mercado americano no Brasil. Onde o brasileiro lê o que o americano lê, sem direito de escolha. Pois raramente, são publicados HQs brasileiras. Até nossos jovens desenhistas estão criando personagens que são muito parecidos com os estrangeiros. Também temos que levar em conta, que eles cresceram lendo HQs americanas, é normal que queiram fazer heróis parecidos com os da sua infância. Mas mercado nacional de superfície, com editoras produzindo HQB que chega até a banca? Isso eu não estou vendo!

O que você acha que falta para as editoras investirem no mercado nacional de Quadrinhos?

Querer ganhar dinheiro! Os americanos conseguem fazer isso com roteiros batidos e bons desenhistas brasileiros. O que falta para os brasileiros tomar coragem e fazer o mesmo? Precisam prova melhor que esta! Temos um mercado interno carente de outras HQs, outros temas, outras formas de se contar uma história. Tá passando da hora deles investirem nos brasileiros capazes, que estão querendo trabalhar. E tem muitos e bons! De uma olhada na Internet e vai se surpreender, quantos bons desenhistas brasileiros, que precisam só de uma oportunidade. O mundo está em meio a uma crise, a hora é de colocar novas idéias, ou velhas idéias que deram certo, para superarmos esta onda de pessimismo e negatividade. Agora para isso é preciso, visão e coragem....

E o que você acha do movimento nos fotologs e blogs, onde os desenhistas se entrincheiraram?

Eu acho que fomos empurrados para lá, e achamos nosso lugar! Veja como lá você encontra bons desenhistas com garra e talento, mostrando seus trabalhos. Existem dezenas de desenhistas iniciantes, que lá encontram ajuda e orientação para evoluir. É onde podem conseguir algum trabalho nos Quadrinhos. Este é o espaço que as editoras não tem mais para oferecer a toda esta legião que hoje freqüenta a Internet. É tudo mais rápido, instantâneo! Você pode saber e ter contato com todo o mundo, acho que é esse o futuro hoje! O meu espaço é o orkut, e me sinto muito bem lá. Bato papo com os amigos, troco idéias, vejo novos trabalhos, mostro os meus, estou em casa!

Quais são seus planos no momento?

Meus planos são os Quadrinhos! Desenhar, escrever, editar e tudo mais que eu possa fazer com esta arte fascinante. Dizem que a primeira profissão do mundo é a prostituição, mas não temos provas disso. Mas os primeiros desenhistas de Quadrinhos, estes sim, temos provas abundantes. Encontramos nas paredes das cavernas, são nossos primitivos ancestrais, os primeiros desenhistas! Nas cavernas encontram-se desenhos que contam seu dia-a-dia, feitos com maestria e precisão. Acho que trago dentro de mim, um pouco de nossos ancestrais, que é registrar minhas histórias que vejo no mundo e na minha imaginação nas “paredes da caverna” do meu tempo.

Obrigado, Luga, pela entrevista. Parabéns pelo seu trabalho e sua resistência que é um grande exemplo para todos nós.

Foi um grande prazer! Um forte e fraterno abraço a todos os leitores do Bigorna.

O Bigorna.net agradece a Luga pela entrevista concedida por e-mail e finalizada no dia 3 de abril de 2009

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