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Entrevista: Sebastião Seabra
Por Eloyr Pacheco
27/02/2009

Merecidamente, Sebastião Seabra acaba ser reconhecido Mestre do Quadrinho Nacional na 25ª edição do Prêmio Angelo Agostini (saiba mais aqui). Autodidata e extremamente profissional, ele trabalhou para editoras como Grafipar e Noblet; teve como colega de trabalho o editor Franco de Rosa, e publicou Quadrinhos eróticos na COMMU. Nesta entrevista, corajosamente, Seabra confessa que odeia dar aulas; não poupa a falta de editores no meio independente, e admite gostar das publicações de Marvel e DC. Ele ainda comenta sobre a publicação do Vingador Mascarado na revista independente Tempestade Cerebral. Confira.

Essa é de praxe: como surgiu seu interesse por revistas de Histórias em Quadrinhos?

Bom... Lembro-me que já rabiscava mesmo antes de aprender a ler... Mas desconhecia totalmente HQs... Até que num belo dia meu irmão mais velho entra em casa e joga o número um da revista Tio Patinhas na mesa da sala. Meus olhinhos ávidos acompanharam o vôo rasante da revista até o tampo da mesa. Foi amor a primeira vista.

E aí, depois dessa Tio Patinhas, você passou a ler de tudo?

Sim, em seguida comprei com minha mesada mensal o gibi colorido do Fantasma, editado pela Rio Gráfica. Na época, meados de 1967, nesse gibi eram publicadas as histórias feitas originalmente para aquele formato, pela editora americana Gold Key. Os desenhos eram duros, mas profissionais. Mais tarde conheci os feras Ray Moore e Phil Davis (em Mandrake). Comprava também o Sargento Rock, não pelas histórias de guerra, que acho um saco, mas por causa dos desenhos extraordinários do Joe Kubert. Um terceiro gibi que eu me lembro de comprar com freqüência era o Zorro, também editado pela Ebal (The Lone Ranger). Gostava demais. Esse ranger era o herói por excelência: reto, digno, intrépido. Ambos, ele e o Fantasma, eram meus heróis de infância. Mandrake também, sempre elegante. Aliás, acho que comecei a ler Fantasma e Mandrake por que meus pais também liam. Nessa década essas revistas tinham tiragens invejáveis. Todo mundo lia. Eu também era fã dos desenhos John Flanders, que desenhava o Zorro. Era da escola clássica de Alex Raymond.

Quais os desenhistas que mais o influenciaram?

Neal Adams, Steve Ditko, Jack Kirby, Gene Colan, Wallace Wood, Alex Raymond, Milton Caniff... Seria pretensão demais dizer que me influenciaram – são todos geniais – mas é onde eu ia beber. Tentei aprender com todos eles, mas existem muitos outros. Gerações e mais gerações de talentos.

Só bebeu água boa, hein?! (risos)

Sim, hahaha... Olha, vou continuar a lista, e sabe por quê? Porque quando eu lia entrevistas com desenhista e havia essa pergunta, eu ficava fascinado em saber do gosto e das influências do cara, portanto anota mais esses... Jim Steranko, Jim Holdaway, Al Willamson, Al Foster, Roy Crane, Al Capp… etcétera. Com todos eles eu aprendi um pouco ou muito. E sou muito grato a todos. Todos esses artistas geniais e outros que agora me fogem o nome me  causaram muitas emoções e seguem emocionando.

Você é autodidata?

Totalmente. Não me orgulho disso. É um longo e tortuoso trajeto. Pra você ter uma leve idéia, ensino em seis meses um aluno meu a ter um belo traço de arte-final e a saber certos conceitos que só conheci em anos... Perdi muito tempo descobrindo a roda.

Concordo contigo: descobrir a roda é sempre um problemão! E como foi que você se desenvolveu artisticamente?

Em Araraquara, bem antes da alfabetização e do contato com os Quadrinhos eu já rabiscava... Com os gibis vieram as primeiras cópias. Quando me mudei pra São Paulo, em 1969, veio o contato com mais Quadrinhos (editoras EDREL, Miname Keize, Saber) e mais cópias. Em 1970 fujo de casa e corro como louco pra pegar o finalzinho da primeira exposição de Quadrinhos internacional, no MASP. Chego lá no exato último dia e as portas estão trancadas. Vejo pelas frestas painéis gigantes com ampliações fantásticas dos melhores desenhistas do mundo todo. Fascinado pelos bastidores das HQS, coisa rara de se ler naquela época, salvo heróicas matérias de gente de peso como Álvaro de Moya e Sérgio Augusto – entre outros, eu aprendi muita coisa. Uma delas, que eu jamais seria um autor de HQ se não estudasse anatomia humana. Nas minhas andanças pelo centro de Sampa (onde eu morava) dou de cara com uma bela edição de Desenho e Anatomia, de Victor Perard, edição de bolso pirata de um dos melhores livros de anatomia que eu conheço. Comprei. Debrucei-me sobre ele e faço isso até hoje, mais de trinta e cinco anos depois... Freqüentei também por alguns meses aulas livres de modelo vivo na Pinacoteca do Estado. Fundamental pra quem quer dominar a figura humana.

Seu primeiro personagem foi o Capitão Caatinga?

Sim, em tiras diárias para o jornal Notícias Populares, de 1974 a 1978... Teve mais de mil tiras. Mas na verdade era criação do Franco de Rosa. Apenas participei, escrevendo e desenhando.

Fazer tiras não é nada fácil. Como era o sistema de trabalho de vocês?

Na primeira HQ o Franco desenhou uma parte, eu outra. Nas seguintes ele fazia uma HQ durante alguns meses, eu fazia outra.  Enquanto um de nós se ocupava da tira do Capitão, o outro seguia fazendo uma tira de humor para o mesmo jornal... Mais tarde faríamos também uma página de novela em Quadrinhos, bem ao gosto do jornal.

Como foi sua carreira até passar a publicar na Europa?

Do Notícias Populares pulei para meu primeiro é único emprego de oito meses numa gráfica que fazia cartões de natal e de namorados, paralelo a isso comecei a escrever e desenhar o gibi do Zorro para a EBAL, do Rio de Janeiro. Em seguida pintaram os Quadrinhos da Grafipar, ilustração e capas para literatura de cordel, depois a Press, depois a Nova Sampa, Noblet, Vidente, D’Arte, livros didáticos, publicidade, editando uma página sobre HQ em jornais da minha terra e fazendo charge política e caricaturas, ai o Júlio Emílio Brás me telefona dizendo que contatou um maluco (Piet du Lombaerd, da COMMU) que estava disposto a comprar tudo o que a gente tivesse de Quadrinhos eróticos. Depois passamos a fazer de encomenda pra ele.

Zorro? Eu não sabia que você havia desenhado este título! Era o “Lone Ranger”?

Não, era o Zorro capa espada, o Don Diego de La Vega, imortalizado na pele do ator Guy Williams e nos desenhos e Alex Toth. Bingo! Taí outro desenhista maravilhoso que me influenciou sobremaneira. Tanto que recentemente, desenhando a adaptação de Memórias de Brás Cubas, para a Escala Educacional, eu inconscientemente devo ter feito a cara do Brás Cubas parecida com a do Zorro, produzido pela Disney e desenhada pelo genial Toth. À exemplo do Capitão Caatinga, aqui também eu escrevia e desenhava uma edição, o Franco de Rosa escrevia e desenhava uma outra.

Como foi a sua fase na Grafipar. Você foi um dos desenhistas que mudou para Curitiba?

Não. Foi apenas o Franco de São Paulo, O Gustavo Machado, o Itamar e o Bonini do Rio, e o Watson Portela, de Recife. Eu fui apenas visitar umas duas vezes.

Como foi trabalhar para editoras Européias?

Foi bacana. Na verdade a gente trabalhava para uma agência em Antuérpia, na Bélgica, a COMMU, que revendia nossas HQS para vários países europeus. A gente propunha um álbum. Ele aprovava, a gente fazia, enviava pra ele e recebia em seguida. Pra gente que estava acostumado com maus pagamentos e com eventuais calotes, trabalhar pra fora e ganhar bem era uma puta novidade. Pena que o famigerado plano Collor (bleaaargh!) acabou com tudo isso, transformando do dia pra noite o dólar em papel sem valor. O gringo não entedia que a grana que ele pagava pra gente já não era interessante e o grupo se dissolveu... (o “grupo” eram o Júlio Emilio Brás (hoje conceituado escritor infanto-juvenil), o Mozart Couto, o Rodval Matias, Ataíde Brás, Neide Harue e mais outros artistas do Rio, de quem não me recordo os nomes...)
Voltamos a lesma lerda de sempre, trabalhando para o mercado paulista.

Lembro desse período político com muito desgosto! Argh! Mas você havia mantido um pé aqui no Brasil ou teve de começar a caçar trampo tudo de novo?

Perdi contatos. Tive de começar tudo novamente. Foi bem ruim.

Você publicou livros sobre Anatomia Humana para a Editora Europa, e faz suas próprias apostilas sobre desenhos... Como é a venda desse material no Brasil?

Prezado Eloyr, essa pergunta não procede. Não publiquei livro de anatomia para a Editora Europa. Vou responder a segunda parte da pergunta: As apostilas de desenho são uma sequencia natural do Curso de Desenho que desenvolvi e leciono (lecionava) em Araraquara, na minha terra natal. Quando comecei – há quatro anos atrás – a publicar num fotolog, o pessoal descobriu que eu lecionava e me pediam coisas... Passei a editar as apostilas pra eles, e não parei mais. A venda é extremamente modesta. Faço tudo praticamente artesanal. Impressão caseira, dobro coloco em envelopes e levo pro correio. Toma-me muito tempo, mas é bem agradável.

Prezado Seabra, errei o santo, mas acertei o milagre: “...para a Editora Escala”! (risos)

OK. Em 1999 o estúdio do Carlos Man, um cara cheio de boas idéias visuais e práticas, bolou pra Escala de fazer um encarte de aulas de desenho para alguma revista. Pediram-me pra fazer 16 páginas. Fiz. Gostaram e me pediram pra ampliar pra 32 páginas... Resolveram publicar uma edição toda. Vendeu bem pra burro. Estava criado um novo filão editorial, que, lamentavelmente, a própria editora queimou, publicando títulos inadequados e mal produzidos. Falta de investimento e de visão editorial dá nisso. O interessante é que qualquer leitor, qualquer garoto sabe disso, exceto o todo poderoso dona da editora.

Você gosta de dar aulas? Quem são seus alunos?

Eu odeio. Tanto que parei de lecionar. Eu já havia parado há anos. Tinha mais de 70 alunos mensais. Lecionava a tarde e a noite, mas minha produção de HQ foi diminuindo, quase parando, ai vi que lecionar era mau negócio para meu trabalho de criação. Parei, mas um pequeno grupo de alunos não me deixava. Montei uma turma única aos sábados que durou até meados de 2008, quando a parei de uma vez. O aluno é um ser chato, incompetente e incômodo. Os ruins são ruins a vida toda, os bons superam você e são arrogantes, pretensiosos e chatos justamente por causa disso, hahahaha... E caem no mercado achando que sabem tudo e quebram a cara justamente por causa disso. Mas minha maior frustração é ter de ensinar coisas que eles já deveriam saber, tipo utilizar régua e esquadro. De uns anos pra cá a disciplina “artes” no ensino fundamental virou piada de mau gosto. Não existe aula. Nos fotologs há vários alunos meus (ex-alunos): Roberto Ribeiro, Caio, Alan Farias, Eluan Roberto, Max, etc... E há muitos outros com sites na net. Como pode ver, fiz bastante “estrago”, criando profissionais para um mercado sem trabalho, kkkkk........... Não quero mais ser (i)responsável por isso.

Como foi criado o Vingador Mascarado?

Bom, estávamos em pleno ano Batman, aquela euforia do primeiro filme do Tim Burton, ai o nosso caro amigo Tony Fernandez me telefona conta que abriu uma editora, que estava editando Quadrinhos e queria uma HQ com um personagem meu. Respondi modestamente que não tinha nada, ele retrucou, alegando que todo desenhista tinha um herói na gaveta. Em seguida falou “me faz um Batman”, (risos), ai eu fiz. Dias depois enviei o Vingador Mascarado pra ele. A ironia é que fiz meio que de deboche. O nome era padrão para designar super-heróis em aventuras de rádio novelas. Peguei o nome num artigo sobre Quadrinhos do Sérgio Augusto. Mas... Claro, mesclei com pitadas de realidade (a capa dele prende ele algum lugar e ele quase se dá mal) introduzindo na história fragmentos de um acontecimento trágico anos antes lá em São Paulo. Só que na minha HQ sai tudo bem. Nosso poder supremo em mudar acontecimentos. Existe uma segunda HQ de 30 páginas, talvez em poder do Tony, onde descrevo a origem do Vingador. Somente anos depois dessa publicação depois saiu outra HQ dele. Foi numa revistinha sobre HQ editada pelo Franco de Rosa. Após isso saiu uma terceira aventura na mesma revista, e só. O Vingador apareceria ainda em algumas HQS eróticas, como convidado, que eu cometia para a editora Noblet. Voltei a escrever e desenhar HQs dele há poucos anos, também motivado pelo carinho dos fãs da Internet que eu pasmo descobri conheciam e gostavam do Vingador Mascarado. Foi ai que desenhei e publiquei duas novas histórias numa apostila/fanzine que editei. Tenho mais algumas aventuras dele, mas todas incompletas. Só me animo a acabar esses trabalhos quando tenho algum mísero tempo de folga, ou quando há encomendas de alguma editora.

Onde ele já havia sido publicado antes de sair na revista independente Tempestade Cerebral?

Bom, como já contei, a primeira HQ dele saiu no Almanaque Phenix Superação, número dois, do Tony Fernandes, da Phenix Editorial, em julho de 1991. A segunda aventura publicada saiu na revista Super Club número um, da Canaã (Escala), em maio de 1999... A terceira aventura saiu publicada no número dois dessa mesma revista. Depois disso ele o Vingador apareceu em algumas HQs eróticas que publiquei em Sexyman, da Editota Noblet, e recentemente, numa apostila/fanzine que editei.

Como foi voltar a publicá-lo na Tempestade Cerebral? A que se deve essa volta?

O nosso extremamente simpático e competente amigo, o autor de Quadrinhos editor independente Alex Mir me contata através do MSN (rs) e me solicita uma das HQS que publiquei na apostila/fanzine. Ai já viu né, ninguém diz não para o Mir. Você já viu o tamanho dele? (nesse comentário eu estou parafraseando outro, bem humorado do Dark Marcos, [risos]...)

Sim, eu conheço o Alex Mir pessoalmente! Ele é grande mesmo! (risos) E o Vingador ganhou uma capa do Luke Ross, ficou sensacional!

Sim, fiquei muito surpreso com isso. São os bons contatos que o Alex tem. Foi uma alegria e tanto ver a capa do Vingador desenhada pelo Luciano Queiroz. A primeira vez que vi os desenhos do Luciano foi na editora Vidente, em 1992. Ele havia deixado lá umas três páginas de teste a lápis azul, pra Marvel, e todo mundo estava babando e admirando – inclusive um garoto e tímido (e super talentoso) chamado Rogério Cruz.

Você tem acompanhado o atual movimento independente de Quadrinhos? O que acha do que está rolando?

Acho o óbvio, que falta a figura do diretor de arte, do editor, pra fazer certas atrocidades serem refeitas ou, definitivamente, não serem publicadas. Não convém cutucar a paciência (curta) do leitor, tampouco contar com a piedade dele. Se os leitores de Quadrinhos da Marvel e DC (olhem nos chats) são cruéis, grosseiros e mal criados com os bons Quadrinhos (e superbem pagos e produzidos) do mercado americano, imagine o que fariam com os nossos mal acabados e tímidos Quadrinhos nacionais? Falta profissionalismo. Tem gente que ainda não está pronto pra ser publicado e ponto final. Até nós que publicamos há anos sofremos a interferência (correta) duma editoria de arte. Há pouco tempo fiz umas ilustrações para o Franco de Rosa e ele me devolveu parte delas para serem refeitas. Explicando-me pacientemente o porquê de cada revisão e onde errei. Isso é um trabalho ingrato (você vira o vilão da história), mas tem de ser feito, caso contrário sua publicação fica medíocre e certamente não venderá. Quase sempre não vemos nossos próprios erros. É natural.

E o que você acompanha do mercado mainstream?

Quase tudo, e ao contrário dos “puristas” chatos, nacionalistas radicais e outros “istas” eu babo com tudo, tenho um prazer imenso com cada publicação, seja Marvel ou DC, ou Quadrinho europeu. Admiro demais nossos colegas desenhistas. É uma arte ingrata (só quem faz sabe disso) e, por melhor que eles ganhem, trabalham muito duro e muito. Fico realmente muito puto quando ouço bobagens a respeito de artistas que admiro. Essa gente crítica é muito chata e, geralmente. Muito incompetente.

Viver de Quadrinhos no Brasil é muito difícil: você vende apostilas, dá aula... O que mais faz para sobreviver?

É praticamente impossível, já que o mercado é quase inexistente. Até o ano de 2008 eu lecionava, fazia charge política e caricaturas para jornais, trabalhava para praticamente todas as agencias de publicidade da minha cidade, etc... Mas parei com tudo isso e voltei a fazer o que eu fazia no começo da minha carreira: escrever e desenhar HQs. Estou trabalhando para vários editores independentes, fazendo tiras ou páginas de Quadrinhos; fazendo Quadrinhos para editoras paulistas e sigo editando minhas apostilas. Só.

Obrigado, Seabra. E parabéns por você ter sido reconhecido Mestre do Quadrinho Nacional nesta edição do Angelo Agostini!

Obrigado Eloyr. Também gostei muito das perguntas e do modo como você conduziu a entrevista. Quanto ao Angelo Agostini, tive orgasmos múltiplos lá. Subi três vezes ao palco: pra receber o meu Angelo Agostini e pra receber o Angelo Agostini do Deodato e o do Emir Ribeiro, esses nossos dois amigos e artistas extraordinários. Realmente foi uma grande honra. Grande abraço e parabéns pelo seu trabalho magnífico com as HQs em todos esse anos.

O Bigorna.net agradece a Sebastião Seabra pela entrevista concedida por e-mail e finalizada no dia 21 de fevereiro de 2009

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