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Entrevista: Waldomiro Vergueiro
Por Eloyr Pacheco
03/07/2005

Quando procuramos contatar o Prof. Waldomiro Vergueiro para esta entrevista, ele estava na Espanha. Estudando. Como sempre. A Prof. Ângela Rama, co-organizadora do livro Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula, a quem agradecemos imensamente, nos ajudou a localizá-lo via Internet. E-mail, uma das maravilhas que a modernidade nos oferece. 

Mesmo longe das nossas paragens, Waldomiro cedeu um pouco do seu tempo para nos brindar com seu conhecimento. Aproveite!

Eloyr Pacheco - A EC - Entertainment Comics, famosa por títulos como The Haunt of Fear, Weird Fantasy, Tales from the Crypt e Mad, é sucessora da EC - Educational Comics, mencionada em Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula como exemplo de editora que publicava quadrinhos religiosos e de fundo moral? Há alguma "lição de moral" nessa história?

Waldomiro Vergueiro - Na realidade, as duas editoras existiram simultaneamente. Não houve uma, digamos assim, sucessão entre elas. A Educational Comics foi fundada pelo pai de William Gaines, que faleceu em um acidente automobilístico. Quando assumiu a editora, além de continuar com as publicações religiosas, Bill [Gaines] também decidiu iniciar uma outra linha de publicações, abordando um gênero que começava a fazer sucesso. Para aproveitar a sigla EC, utilizou o nome Entertainment Comics. Em seu livro, The Comics Code, a autora Amy Kiste Nyberg relata um curioso caso em que Bill responde duas vezes a uma carta de um leitor, como se estivesse dirigindo duas editoras diferentes, evidenciando que as atividades de ambas continuaram durante um tempo a ocorrer paralelamente. No entanto, independente disso, acho que existe muito mais uma lição comercial que uma lição de moral a ser retirada da questão. Gaines era um empresário de visão, que viu a oportunidade de desenvolver quadrinhos em uma linha - e com um nível de qualidade -, que respondia ao interesse e exigência dos leitores de seu tempo.

O Código de Ética criado nos Estados Unidos é considerado um retrocesso, uma "camisa de força" que impôs restrições à criatividade e aos temas que poderiam ser explorados. O senhor compartilha dessa visão? E no Brasil, que panorama temos após a adoção de um código de ética semelhante ao americano?

O Código de Ética realmente representou um freio à criatividade dos autores e editores de quadrinhos nos Estados Unidos. Com ele, os temas ficaram muito restritos e a forma de abordá-los também. No Brasil, apesar dos nossos editores aprovarem um código semelhante, os itens desse código foram expressos de maneira muito mais ampla e os próprios editores parece que não deram tanta importância a ele, talvez em virtude das próprias características da sociedade brasileira, muito menos vigilante em relação aos quadrinhos do que a sociedade norte-americana. Não acho que o código afetou tanto a produção nacional. Nossa produção foi muito mais afetada pelo fluxo de material que vinha do exterior e pelas condições de produção no país para fazer face a esse fluxo.

Hoje a produção de Histórias em Quadrinhos é feita de forma industrial, com cada artista produzindo uma etapa até se chegar ao resultado final. Poderíamos dizer que "HQ de autor" é arte e a "HQ industrial" não?

Eu não colocaria as coisas de forma tão simplista. O fascinante das histórias em quadrinhos é que podemos encontrar produções de alta qualidade mesmo em quadrinhos produzidos dentro de um modelo industrial. Tudo vai depender da qualidade de cada artista individual, do trabalho do editor e do nível de exigência do público. Separar as duas formas de produção de forma estanque pode representar o estabelecimento do preconceito contra o que as Histórias em Quadrinhos têm de mais representativo, que é a sua característica de produto de consumo massivo. Mesmo os chamados "quadrinhos de autor" buscam um público que deve ser cativado e deverão se adaptar às exigências desse público. Além disso, nos quadrinhos industriais, muitas vezes a interferência dos editores aprimora o produto quadrinhístico, ao invés de torná-lo pior.

O que o senhor acha da publicação de mangás no Brasil no sentido oriental de leitura, ou seja, da direita para a esquerda? Isso, que pode ser um fator de desconforto para os leitores mais velhos, pode ser um transtorno para os leitores mais jovens?

Pode representar um fator de desconforto, sim. Alguns puristas acham que o produto final traduzido deve ter a maior semelhança possível à publicação original em mangá, incluindo a forma de leitura. Eu tenho algumas restrições quanto a isso. Como leitor ocidental que desconhece a escrita japonesa, não consigo entender, por exemplo, as onomatopéias que são apresentadas em caracteres japoneses e acho que a tradução colocada abaixo delas em algumas edições absolutamente não passa a mesma força que uma onomatopéia (bem) traduzida e adaptada passaria. O mesmo pode ser aplicado ao formato de leitura, que poderia ser revertido para o Ocidental sem prejudicar o entendimento da mensagem e tornando a leitura mais fácil para o leitor brasileiro. O que prejudica ou dificulta essa iniciativa, no entanto, é que isto implicaria na remontagem das páginas, o que dá muito mais trabalho e encarece o processo de produção. Mas ela é perfeitamente possível.

Ao que o senhor atribui o sucesso e a longevidade de Conan (Espada e Magia); Tex (Western) e Spawn (Super-Herói), sendo gêneros tão distintos?

Há vários fatores. Nos dois primeiros casos, talvez a razão esteja ligada basicamente ao prazer que as histórias de aventura transmitem aos leitores. Isto é algo que pode ser comprovado desde as histórias de folhetim, no século 18. As histórias de Conan e Tex mantêm o mesmo ritmo do folhetim, apresentando uma sucessão de perigos e situações de interesse que prendem o leitor da primeira à última página, numa relação prazerosa - e eu diria também catártica - de leitura. São histórias que em geral visam ao simples entretenimento, sem grandes pretensões literárias - ainda que muitas delas apresentem aspectos destacados nesse sentido.

Quanto ao caso de Spawn, acho que seu sucesso está ligado muito mais ao inusitado de sua construção, incorporando elementos do mundo dos super-heróis, das histórias de terror, da literatura gótica, dos romances policiais e de espionagem, etc. Trata-se de uma obra que responde aos anseios de um público jovem desejoso de temas mais complexos. Além disso, a obra também se beneficia de um trabalho de marketing e divulgação bem elaborado e uma relação com outros elementos do mundo de entretenimento - desenhos animados, filmes, cards, jogos de computador, etc -, que apenas ajuda a aumentar sua popularidade.

Fora esses elementos citados acima, acho que também podemos creditar o sucesso dos personagens citados a suas próprias características intrínsecas: todos eles são personagens fortes, másculos, que têm uma visão bastante simples sobre o mundo e a solução de problemas, que cria uma relação direta com o leitor, fazendo com que este seja atraído e cativado de uma forma bastante eficiente.

O Bigorna agradece ao Prof. Waldomiro Vergueiro pela entrevista (concedida em 18 de novembro de 2004).

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Editora Contexto

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Resenha de Como usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula

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