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Os Dez Melhores Quadrinhos para Key Imaguire Jr.
Por Marcio Baraldi
07/03/2011

CANSEI DE TUDO!!! Minha depressão e paranóia alcançaram níveis insuportáveis! Nem a Playboy da Nicole Bahls alegra meu espírito mais! Tranquei a porta da redação, comprei veneno de rato e vou tomá-lo numa tragada só e encerrar esta minha conturbada passagem pela Terra. Adeus, mundo cruel e ingrato! Deixo como herança um punhado de carnês atrasados das Casas Bahia e um Cd do Restart que o jornaleiro me deu de troco porque não tinha cinco centavos pra me dar.

Essa vida já me maltratou demais. Como diria uma filósofa das novas gerações: "Puta falta de sacanagem!". Já ia virar o vidrinho pela guela quando subitamente a porta escancarou-se misteriosamente! "M-mas .. eu tranquei a porta! Como alguém abriu-a dessa forma?" balbuciei na semi penumbra dos aposentos. Eis que entra um pequeno senhor oriental. Era o Mestre Key Imaguire Jr., especialista em Quadrinhos e professor da Universidade do Paraná, que possui chave até no nome! Com seu semblante calmo ele disse: "Não se desespere, ó gafanhoto! Trago minha lista dos Dez Gibis Mais Importantes e uma palavra de esperança para seu atormentado coração!".

"Pois diga lá, ó honorável Mestre!" choraminguei. "VAI TOMAAAAAAAAAAR  NO C*********!!! E DEIXA DE FRESCURA, SEU ABAITOLADO!!!". Disse isso e foi embora. E, puxa, não é que a minha depressão passou na hora?!? É tão bom se sentir querido pelas pessoas!...

Os Dez Melhores Quadrinhos de Todos os Tempos
Por Key Imaguire Junior

1 – Príncipe Valente - Harold Foster
Esta grande saga canadense em duas mil primorosas pranchas ainda é das melhores histórias já contadas em quadrinhos! Não só pelas enaltecidas qualidades gráficas e iconográficas, mas também pela narrativa coerente, pelo heroísmo sem farsas na construção dos personagens. Eles são príncipes, reis, piratas, mercadores, soldados, cavaleiros andantes, eremitas, escudeiros, artesãos, taverneiros, todos com credibilidade e humanidade, sem maniqueísmo.

O leitor cavalga com a turma do Rei Artur de Camelot até Jerusalém através de uma Europa Medieval historicamente complexa, meio mística e mágica; ou navega nos drakars vikings dos fiords gelados da Escandinávia até a Terra Nova em continente americano; tudo num cenário romântico, heróico e pré-capitalista – dá pra ser melhor que isso?!

2 – Romeu Brown - Peter O'donell e Jim Holdaway
O titular é uma espécie de Charlie Brown adulto e britânico, se é que dá pra entender isso. Contracena com criaturas tão deslumbrantemente gostosas quanto exibicionistas, sempre tropeçando nos pretextos mais inusitados para se despir.  E aí é que está a graça erótica da coisa.

O cenário é a Inglaterra – da qual as histórias escapam para outros cantos da Europa – e os personagens são do tipo que ao topar com uma beldade despida, não conseguem mais que arregalar os olhos e abrir a boca, talvez até um gesto de pudor (!) cavalheiresco cobrindo os olhos com a mão. Hilário, né?!

Mas são histórias movimentadas, interessantes. Note-se que o desenhista fez também as aventuras de Modesty Blaise. Em princípio, uma personagem mais adequada aos lances eróticos, mas o gibi ficou bem sem graça, chato mesmo.

3 – Vagabond - Takehiro Inoue
Mangá, pra mim, é sinônimo de história de samurais! E tenho uma grande preferência pelo irascível Musashi, ainda que aprecie o Lobo Solitário, o Crying Freeman e outros. Menos pelo suposto realismo - que, cá entre nós, tem uma importância relativa nos gibis – do que pelo tratamento cinematograficamente violento mas não gratuito, articulado com lugar, época e costumes.

A dinâmica das histórias – ou da história, visto ser uma única – e dos personagens é dada por sua construção inquietante, como é o caso de Inshum e do próprio Musashi – dos quais se esperam ações surpreendentes ainda que contidas num código filosófico, comportando interpretações individuais. E nessa história, o que cada personagem faz – da honra, da vida, da psicologia do adversário - é a tensão que se acumula nos duelos, podendo determinar o vencedor.

4 – Inodoro Pereyra - Fontanarrosa
“Inodoro”, em bom argentinês, é vaso sanitário. O personagem é um gaúcho campestre, negação dos atributos heróicos de Martin Fierro, similares e derivados. O autor reconhece que da vida dos gaúchos nada sabe, estudou um pouco apenas para fazer a historinha.

Já numa das primeiras aventuras, ele encontra o Antonio das Mortes do Glauber Rocha, que o convida a vir para o Brasil matar cangaceiros. Recusa-se a abandonar seus pagos, “e além do mais, sei lá que tipo de bicho são esses tais cangaceiros!”

Desenho leve, quase caligráfico, de poucos e bons traços, enquadramentos cinematográficos, contracena com figuras as mais inverossímeis, que vão  procurá-lo no “rancho de adobe à vista” perdido na imensidão dos Pampas. O único resquício de sensatez na história é o cão Mendieta, com o qual o personagem tem diálogos portentosos.

5 – Turma do Pererê - Ziraldo
Essa história, que deve estar para fazer cinqüenta anos, ainda é a grande obra-prima do quadrinho brasileiro! Para quem chora por Monteiro Lobato, cujos livros foram sepultados pelo “politicamente correto”, Ziraldo criou o equivalente nos quadrinhos: um punhado de personagens simpáticos, de bom caráter e bem construídos, num cenário idílico, muito bem enraizado na cultura brasileira: ninguém mais conseguiu essa proeza! Nem mesmo o próprio autor, que abandonou sua criação em favor das aventuras urbanas do Menino Maluquinho. Que, tendo embora suas qualidades de contemporaneidade, não chega nem perto do charme lobatiano do Pererê e sua turma. Ô Ziraldo, 50 anos não são brincadeira, cara! É meio século! Tá mais do que na hora de continuar – até o fim, pô! – a publicação dos álbuns da turminha da Mata do Fundão!

6 – Corto Maltese - Hugo Pratt
Não dá pra entender a escassa fortuna das histórias do Hugo Pratt na Ilha de Santa Cruz. Algumas de suas melhores criações – a extraordinária “Fabula em Veneza”, a monumental “Wheeling” (aventuras na época da colonização do Canadá), o “Sgt.Kirk” (soldado sulista aventurando depois de terminada a Guerra de Secessão) – são praticamente desconhecidas por aqui, mas o que é que nós não desconhecemos?!
Escolhi o Corto Maltese pra incluir a obra excepcional do Hugo, acredito que seja a única encontrável no fundo das prateleiras das Comic Shops, submersa em toneladas multicoloridas de DCs e Marvels.

7 – Valentina, Bianca, Anita, etc - Guido Crepax
O coleguinha milanês não foi apenas o criador de algumas das criaturas mais deslumbrantes da História da Arte: ele fez dos quadrinhos a arte seqüencial do século XX! Suas narrativas incorporam uma erudição que nenhum outro autor alcançou, seja no grafismo de traço inconfundível, seja nas decantadas decoupagens cinematográficas que contam longas histórias sem necessidade de texto ou quase sem ele – ver “A lanterna mágica”. Recursos para que o leitor identifique à primeira vista o que é sonho e o que não é, e outros lances que talvez não tenham sido inventados por ele, mas nas suas narrativas, se integram em níveis inéditos de virtuosismo, com honras.

Suas personagens são o supra-sumo da elegância, da modernidade e da sensualidade, as situações são inusitadas e mágicas. O cara pode contar – e desenhar – sexo explícito sem vulgaridade alguma, dando ao erotismo quadrinistico seqüencia de tesão e beleza com um  refinamento que ele é o único a atingir!

8 – Aventuras de Giuseppe Bergmann - Milo Manara
Em comum com o Crepax, o Manara só tem a nacionalidade! As personagens do arquiteto milanês são artistas: Valentina é fotógrafa, o quê, em Milão, não é pouco! E namora um crítico de arte. Suas aventuras são pontilhadas de referências psicanalíticas, literárias, políticas, artísticas, aí compreendidas as artes plásticas, o design, as antiguidades, os quadrinhos clássicos.

Já as do Manara são só sensuais mesmo, sem intelectualismos, mesmo quando ele usa uma peça clássica como “O asno de ouro”. Uma bela coleção de loiras, morenas e ruivas meio burrinhas. Todo mundo é safado e, com semelhantes criaturas, não há como evitar...

Mas não foi sempre assim, Manara já desenhou “Scimiotto” (aventuras do macaco Wukong, atualmente saindo no Brasil em versão chinesa) e, acho que o melhor dessa fase é “As aventuras de Giuseppe Bergman”. E tem muito mais, como a decantada parceria com o cineasta Fellini (“Passeio a Tulum”) que não é à altura dos dois talentos envolvidos.

Não estou bem certo quanto à cronologia da grande produção manariana, mas me parece que foi depois dos “Click” que ele aprendeu a destilar o erotismo e apresentá-lo ao leitor em estado puro. Como todo destilado, é bom e descontrai, mas deve ser degustado com cautela.

9 – O Edifício - Will Eisner
Eu agora vou esnobar, humilhar, escrachar e pisar na nuca de todos os quadrinhófilos do planeta! Num belo final de tarde na bela Montréal, no Canada, eu fazia a pé o trajeto entre a ilha de Notre-Dame e o hotel em que estávamos hospedados. Com ele: é, com o Will Eisner em carne, osso e simpatia!

Comentávamos alguns gigantescos arranha-céus que estavam surgindo na cidade nessa época (1988). Elogiei os projetos – fruto de uma legislação urbanística que toma mais em conta a cidade e seus moradores que os interesses dos imobiliaristas, acreditem se quiserem!  Lá pelas tantas, ele comentou:

Will – É, veja, eu sou um arquiteto frustrado...
Eu – Notei que no “Edifício”, você faz dele mais do que cenário, é um personagem...
Will – Mas não é só isso: desde os títulos do “Spirit”, em todas as minhas histórias e graphic novels, eu amo desenhar arquitetura: perspectivas, fachadas, detalhes, becos, ângulos das cidades... eu me realizo muito com isso. Fico indignado quando se trata uma construção com desprezo: acabou, não serve mais, agora é derrubar e fazer outra coisa... uma eutanásia cultural, eu diria!
Eu – Você conhece Ouro Preto?

Ele abanou a cabeça pesarosamente, dando a entender que nunca ouvira falar. De volta aqui à república das Bananas, mandei-lhe um livro de fotos da cidade mineira. Ele respondeu com um cartum no qual o Spirit agradece pelo livro e, na carta anexa, conta que passou  horas viajando nas fotos.

10 – Júlia Kendall - Giancarlo Berardi
Sim, a criminóloga de Garden City.  Publicada no Brasil na forma mais simples possível, é uma das HQ mais bem escritas que conheço. Como história policial, está quilômetros à frente do segundo colocado, tão longe que não enxergo quem é. Os desenhistas têm sido eficientes e competentes, como devem ser numa história de aventuras.

A presença discreta nas bancas não revela o conteúdo desenvolvido com maestria, não dá pra largar o gibi no meio nem pra ir jantar fora. Não há nada que não contribua para envolver, para contar, para interessar. Todas as personagens e situações vividas por Júlia são, mais do que verossímeis, realistas e plausíveis. E pontilhadas de efeitos dramáticos que ajudam a construir a tensão devida ao tema.

Não é minha praia – de policial já chega viver numa cidade brasileira – mas a Júlia põe no bolsinho do jeans – ou de qualquer de suas roupas elegantes e bem talhadas – todo o gênero policial até aqui, pelo menos nos quadrinhos! Embora o Tenente Webb tenha o dedo leve no gatilho, o Berardi raramente recorre a tiroteios, tiras truculentos, bandidões sinistros e perseguições em carros fazendo curva sobre duas rodas.

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