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O astronauta de touquinha
Por Gian Danton
07/02/2011

História em quadrinhos de ficção não é documentário. Ou seja: uma HQ não precisa ser realista, ela apenas precisa convencer o leitor de sua realidade. Isso passa muito pela caracterização visual dos personagens. Por exemplo, os cientistas não costumam ser carecas, os malvados não costumam ser feios. Mas um bom desenhista constantemente recorre a esse tipo de generalização para que o leitor identifique, logo de cara, a função ou a personalidade dos personagens. Basta olhar para Ming e Flash Gordon e perceber quem é o vilão e quem é o herói.

Marcos Rey, um dos grandes roteiristas brasileiros de cinema e TV lembra a figura de Sherlock Holmes, cuja caracterização, com cachimbo, lente de aumento e sobretudo xadrez, o identifica imediatamente.

Claro que hoje as HQs hoje não trabalham tanto com clichês, mas mesmo assim, desenhistas e roteiristas utilizam objetos, roupas e até expressões ou gestos para caracterizar os personagens, já que os quadrinhos são uma mídia visual.

Nos primeiros capítulos da webcomics Exploradores do Desconhecido tínhamos um personagem que aparecia em poucos quadrinhos. Ele era um político avesso à tecnologia, que é contrário à Operação Salto Quântico e que acaba sendo convencido pelo Capitão a apoiar o projeto. No meu roteiro, coloquei que ele era alguém antiquado, temeroso de avanços tecnológicos. Na hora de ilustrar a sequência, o desenhsita Jean Okada decidiu colocá-lo de óculos. Toda a caracterização psicológica do personagem ficou explícita sem que precisassemos usar uma palavra. Bastava bater o olho e o leitor percebia que aquele político era contrário às inovações (até porque seu óculos era do tipo antigo).

Quando divulgava a série no Orkut, ainda no ano de 2008, encontrei um suposto crítico de quadrinhos que implicou com o político de óculos e com o fato dos Exploradores não usarem touquinha. De fato, nas missões na NASA os astronautas usam uma touquinha e, por conta disso, esse suposto crítico achava que também os Exploradores deveriam usar touquinha.

- Mas em Jornada nas Estrelas eles não usam touquinha. - argumentei.
- Jornada nas estrelas é uma m*... ! - respondeu ele. Em história de ficção científica, todo mundo tem que usar touquinha!
- Mas em Guerra nas Estrelas eles não usam touquinha. - retruquei.
- Jornada nas estrelas é uma m*... ! - respondeu ele. Em história de ficção científica, todo mundo tem que usar touquinha!
- Mas no filme Contato, baseado na obra do cientista Carl Sagan, eles não usam touquinha. - expliquei.
- Contato é uma m*... ! - respondeu ele. Em história de ficção científica, todo mundo tem que usar touquinha!
- Mas em Esquadrão Atari eles não usam touquinha. - lembrei.
- Esquadrão Atari é uma m*... ! - respondeu ele. Em história de ficção científica, todo mundo tem que usar touquinha!

Como o palavrão é o argumento dos que estão errados, ele saiu batendo o pezinho e prometendo que ia mostrar como se fazia:
- Vou escrever um livro em que os astronautas usam touquinha e que os políticos não usam óculos. Vai ser um sucesso porque todo mundo quer ler histórias com astronautas de touquinha!

Pois é... dizem até que ele escreveu tal livro com o astronauta de touquinha... quanto ao sucesso...
A grande lição é: história em quadrinho não é documentário. Embora os astronautas da NASA usem touquinhas durante as missões, a maioria das pessoas pensa neles sem a tal touquinha pela simples razão de que, normalmente, quando aparecem em público, estão sem touquinha.

Assim, para o leitor normal, um astronauta de touquinha é menos verossímil que um astronauta sem touquinha. E nos quadrinhos a verossilhança é mais importante do que o realismo.

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