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Entrevista: David Lloyd, de V de Vingança
06/04/2006

O desenhista inglês David Lloyd ficou conhecido por ilustrar a graphic novel – escrita por Alan Moore - V de Vingança, cuja adaptação para o cinema estréia nesta sexta-feira (dia 7) nos cinemas brasileiros. Lloyd também desenhou HQs para títulos como John Constantine – Hellblazer, Global Frequency e War: Histórias de Guerra, além de criar sua própria graphic novel, Kickback, publicada pela editora francesa Editions Carabas.

Nesta entrevista*, cedida com exclusividade pela Warner Bros. para o Bigorna.net, Lloyd fala sobre seu trabalho na HQ V de Vingança e faz comentários sobre o longa-metragem escrito e produzido pelos Irmãos Wachowski (trilogia Matrix), dirigido por James McTeigue e estrelado por Hugo Weaving, Natalie Portman, Stephen Rea e John Hurt

Qual é a sua opinião sobre a adaptação da graphic novel?

Eu achei ótima. Eles condensaram o básico da história. Todas as cenas principais estão iguais. Eles mantiveram o espírito, a integridade da coisa, e as mensagens que são importantes estão presentes.  Acho que eles fizeram um ótimo trabalho. Demorou um pouco para eu me sentir à vontade com as modificações que Larry e Andy fizeram. Eles mudaram alguns personagens, mas realmente seria impossível fazer jus a algo tão grande quanto a história original. Nós tínhamos muitos personagens, uma sociedade multifacetada. Na essência era um regime opressivo, mas era bem mais complicado que isso, e não haveria espaço para eles colocarem tudo. As decisões que eles tomaram para adaptar a história foram certas, porque eles abreviaram da forma correta. Eles pintaram o “quadro” com pinceladas grossas; não tinham tempo para trabalhar as nuances que nós adicionamos nas misturas. Então eles tinham a trama principal do V e da Evey, e como ele a persuade a se sentir como ele, entender como ele se sente, do único jeito que ele pode fazer, de forma bem insensível. Essa é na verdade a trama principal. De um modo, Evey representa a sociedade em si. Então você tem todas as peças chaves da história, e eu acho que isso era o que eles podiam fazer, dentro do contexto que eles planejavam fazer.

O que você achou visualmente da adaptação?

Visualmente, eles mantiveram o que eu fiz. Usaram um monte de coisa como storyboards. Meu trabalho é bem cinematográfico. Eu acho que foi planejado dessa forma. Então, parece ter sido fácil para eles fazer desse jeito. Eu sei que Owen Paterson, o desenhista de produção, teve muito cuidado para que tudo ficasse do jeito que era pra ser. E Adrian Biddle, o fotógrafo, que infelizmente não está mais conosco, fez um ótimo serviço. Então, de um ponto de vista artístico, eu não posso discordar, ficou bonito. Outra coisa que eu gostaria de falar: pra mim é como uma grande pintura ganhando vida. Há uma cena em particular entre Hugo Weaving e Natalie Portman, aquela da transformação, quando ela sai da cadeia. Quando eu a desenhei, eu queria fazer exatamente daquele jeito, e eles fizeram certo. Quando eu vi na tela aqueles atores interpretando o que eu tinha desenhado, foi fantástico. Do ponto de vista visual, eles realmente fizeram um ótimo trabalho.

Quando V de Vingança foi escrito, e por que a história ainda é relevante?

Começou em 1981. Eu entendo o que você quer dizer sobre a sua relevância. Quando começamos a fazê-la, Margaret Thatcher estava no poder há pouco tempo. Ela assumiu em 1979, e era uma conservadora radical. Com o passar dos anos ela foi se tornando mais radical ainda. Nós tínhamos greves de mineiros e coisas do tipo. E muitos dos comentários que fizemos em V eram críticas disfarçadas, sobre esse conservacionismo radical, assim como todo conteúdo sobre ditaduras e estados autoritários. Mas eu acho que na verdade é um mito. Parece um lugar mitológico, e pode ser relacionado a qualquer ditadura do passado, presente ou futuro. É algo que devemos prevenir, porque é fácil para o povo votar em pessoas que parecem estar oferecendo algo aparentemente atrativo, mas que acaba se tornando venenoso no final das contas.

Por que V explode o parlamento e o Big Ben?

Bem, nós fizemos isso porque eles são símbolos. Os prédios não são importantes, e sim o que eles simbolizam. Na graphic novel, V explode o parlamento logo no começo da história, por ele ser o maior símbolo do poder. Mas eles são símbolos. Eles são só prédios. E as pessoas devem se dar conta que a coisa mais importante são elas mesmas, não o governo. É por isso que V explode os símbolos, para dizer “Veja, você é a pessoa importante. O governo é só a estrutura que você constrói. A estrutura não é algo para se venerar. É algo que você faz. Você é o governo”.
 
Você se sente mais à vontade como artista gráfico para fazer qualquer declaração, diferente das pessoas no meio cinematográfico?

Com certeza. Para começo de conversa, nós não atingimos a audiência. É por isso que eu estou tão feliz com esse filme, porque eles tiveram coragem. É bravo no que diz, é bem radical. Ele preserva a mensagem original. Eu tenho trabalhado na industria de quadrinhos há um bom tempo, e nós temos uma audiência bem limitada. Ela vem crescendo atualmente, fico feliz em dizer. Mas podemos fazer quase tudo o que quisermos. Fico feliz por fazer isso. E, como eu disse, acho ótimo você ter um filme hollywoodiano que não está dando pra trás, e que faz o trabalho que o original fez.

Alguém vai reimprimir a graphic novel, para ser relançada junto com o filme?

A DC está lançando uma edição especial de capa dura, o que é bem legal. Isso me deu a oportunidade de ajeitar as cores, que nem sempre estiveram corretas. E está sendo lançada junto com um grande filme, o que é legal de se ver. Eu gostaria que as pessoas que foram ver o filme comprassem a graphic novel. (nota do tradutor: neste mês, a Panini está relançando no Brasil V de Vingança - que já havia saído pela Globo e pela Via Lettera - em edição única colorida)

A máscara usada no filme é a máscara que você desenhou?

Na verdade é bem parecida. A máscara original já é uma deturpação por si só. Eu não sei se vocês sabem algo sobre Guy Fawkes, mas trata-se de uma figura histórica, um vilão estabelecido que queimamos a imagem todo 5 de novembro. É um feriado inglês. Antigamente as crianças faziam bonecos que queimávamos em fogueiras, com fogos de artifício. A comemoração da execução de alguém que ia destruir nossa adorada monarquia. É sobre isso a coisa toda. Nessa época, quando eu ia comprar fogos de artifício, você podia comprar máscaras de papel ou de papel machê de Guy Fawkes. Mas quando criamos V, não haviam máscaras nas lojas. Eu não conseguia encontrar em lugar nenhum. Então eu tive que inventar essa face. O interessante sobre as máscaras de Guy Fawkes, e eu acho que isso tem algo a ver com o bigode e o cavanhaque, embora elas sejam bem brutas, têm um sorriso. Então, quando eles fizeram essa máscara eu pensei “Bem, é assim que se parece”. Esse sorriso estranho fazia parte. Mas a máscara do filme é bem parecida com a da história.

Por que você escolheu aquele estilo para V de Vingança?

Eu escolhi o estilo deliberadamente. Foi uma escolha simples, porque se você é um artista desenhando algo, você escolhe um estilo que se encaixe no assunto. V era sobre um futuro frio e rígido então eu escolhi um estilo de arte frio e rígido.  Era a coisa certa a fazer, simples assim. Se você está fazendo uma história, digamos, que se passa no velho oeste, eu teria escolhido um estilo diferente para contar a história. É isso que você faz como artista. Você escolhe as ferramentas e o estilo correto para o assunto.

Depois de ter visto a versão para cinema, há alguma coisa que você gostaria de mudar?

Não, não na versão pro cinema, porque a cor está maravilhosa. Não é brilhante, eu acho que a impressão original de V era um pouco brilhante demais. Era assim que se imprimiam quadrinhos na época. Hoje em dia é diferente, com as cores por computador. As coisas estão mais simples. É mais fácil manter as cores do jeito que você quer. Mas, quando V foi produzido, a colorização e o processo de impressão eram meio primitivos. Se você quisesse um amarelo claro, não haveria nenhuma garantia que você o conseguiria. Por causa do jeito que eles colocavam tinta nas máquinas, você iria ter amarelo forte em quase todas as impressões, até que começasse a faltar tinta, ai você conseguia a cor que queria (risos). Então, era meio insano, mas era como as coisas funcionavam. Mas agora a tecnologia evoluiu, e eu posso resolver isso.

Como foi ver Hugo e Natalie trazendo esses personagens à vida?

Foi realmente fascinante para mim. Isso foi o que mais me impressionou. Ver uma pintura, literalmente uma pintura ganhar vida enquanto eles faziam a cena. É bem difícil descrever o quanto foi interessante e cativante, ver isso sentado em um cinema e tal. 

Você teve alguma participação na escolha das pinturas roubadas por V?

No original, o motivo pelo qual V colecionava tudo aquilo era para tirar dos ditadores tudo aquilo que eles não queriam que o público visse. V resgatava tudo aquilo. É o que ele tem na galeria das sombras. Ele tem tudo que os ditadores não queriam que o povo visse. Mas a pinturas em si, às vezes eu as escolhia por achar que elas pareceriam decadentes para os ditadores. Eu acho que eles colocaram as Três Graças na galeria das sombras. Mas no geral era basicamente uma mistura de cenas que acho que peguei de livros. Direto de livros de pinturas que achei apropriadas lá
 
Não tem uma pintura do Met lá?

Bem (risos), é algo mitológico. É um universo alternativo, é verdade. Talvez nessa Inglaterra, nessa época, não era o Met (Museu Metropolitano), era a Galeria Nacional ou algo assim. Eu não sei. Quem sabe…

Você sabe se Hugo Weaving ficou com a máscara do V?

Isso é interessante. Eu não sei. Hugo Weaving estava bem confortável com a máscara. Na verdade quando falaram que ele teria que usá-la, ele disse “Bem, sem problemas”. Eu acho que isso vem de seu tempo de teatro. Ele já usou máscaras, e conhece o teatro japonês onde eles usam máscaras com costume. Eu acho que ele estava bem confortável com ela. Eu sei que ela era feita de fibra de vidro e que ele suava bastante com ela. Eu não sei se ele ficou com ela. É interessante. Obviamente será um item de colecionador no futuro. E você pode comprá-las agora também, não é?

* A tradução da entrevista foi feita pelo ilustrador e quadrinhista André Freitas, um dos diretores do estúdio Yes Cabrita.

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