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Conde Lopo, um gótico no Século 19
Por Laudo Ferreira Junior
25/06/2007

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Atualmente um filão que tem sido bastante explorado pelas editoras que publicam Quadrinhos nacionais são as adaptações literárias de clássicos da nossa literatura, assim como grandes momentos da História do Brasil. Há um grande número de trabalhos que já foram publicados e alguns que estão em produção e que com certeza logo estarão nas livrarias e bancas especializadas do país. Para citar alguns, o cartunista Spacca talvez tenha sido o que deu o pontapé inicial nesta coisa toda com seu excelente Santô e os pais da aviação, para um pouco mais adiante lançar Debret em Viagem histórica e quadrinhesca ao Brasil.

Desde então, muita coisa veio: André Diniz lançou pela editora Conrad Chalaça com desenhos do Antonio Éder, e recentemente lançou Chico Rei e Ponha-se na Rua, este último com desenhos do cartunista Tibúrcio, contando a hilária vinda da Família Real ao Brasil, onde muitos moradores do Rio tiveram que deixar suas casas para que as mesmas servissem de moradia para a família real e sua troupe; os irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá adaptaram O Alienista de Machado de Assis; o grande cartunista Bira, juntamente com o roteirista Índigo, adaptou Memórias de um Sargento de Milícias de Manuel Antônio de Almeida; e Marcatti, com excelente traço e estilo, adaptou A Relíquia de Eça de Queiroz. Enfim, muita coisa e que me desculpem alguns outros autores/desenhistas que eventualmente eu tenha me esquecido de citar. Um detalhe que é comum em todos estes trabalhos citados e não citados é que existe aí uma liberdade do artista trabalhar dentro de sua proposta gráfica, dentro de seu estilo de desenho. Ponto marcante (claro tirando os textos clássicos) e fundamental que traz a todas essa publicações uma qualidade exemplar. Um trabalho  publicado de forma independente que junta literatura clássica, História do Brasil, lendas brasileiras, poesia e algumas outras coisas é Aventuras do Conde Lopo de Marcos T.R. Almeida. A revista já está em sua quarta edição e é um dos trabalhos mais inusitados e autênticos que se tem por aí.

Álvares de Azevedo, autor do Conde Lopo original

Marcos, que é escritor, artista plástico e professor de História, se baseou na obra Conde Lopo do escritor Álvares de Azevedo, escrita na segunda metade do século 19. Trata-se de uma narrativa extensa contada em versos e uma das menos conhecida do autor; Noites na Taverna é sua obra mais popular. Faz parte do movimento literário romantismo, do qual teve outros grandes autores como Castro Alves e Fagundes Varella como contemporâneos, todos alunos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco aqui em São Paulo. O romantismo, movimento bem paulistano da época, teve fortes influências do autor inglês Lorde Byron, o próprio Conde Lopo é aprofundado no estilo byroniano, ou seja, um dândy, na busca de poesia, viver a vida intensamente, com arte, sexo, tudo dentro de um estilo extremamente gótico, aliás, os caras eram góticos muito, muito tempo antes da coisa toda virar moda no século 20. Um detalhe curioso foi que quando vi o primeiro número desta revista, ao folheá-la, tive um desconforto ao ver os desenhos de Marcos: simples, primários e deficientes em inúmeros aspectos. Claro que o repúdio é a primeira reação, porém caindo na leitura do texto, pude perceber o quanto rica é sua narrativa, inteiramente embebedada nos textos de Álvares de Azevedo e seu Conde Lopo original, conseqüentemente influenciada pelo estilo byroniano. Porém, Marcos acrescentava em seus roteiros o seu lado professor de História, com narrativas dando cenários da época em que viveu o Conde Lopo, fatos históricos, mitos e lendas brasileiras, um estilo mais atual do gótico, um grande caldeirão de coisas, como o próprio Conde Lopo que, como um canibal que é, devora tudo e todos para criar o seu estilo de ser.

Cemitério do Araçá em São Paulo, cenário da nova HQ do personagem - clique na imagem para ampliá-la

Mas quem é esse personagem? Conde Lopo é um jovem nobre paulista, que mora em um castelo na velha serra do mar. Amargurado por um amor que não deu certo, vive seus dias embebedando-se. Uma pessoa da noite, como um vampiro. Um dionisíaco, filho de Baco. Vinho, poesia e sexo. Mas ao contrário do que é muito comum em pessoas assim, onde se espera uma postura autodestrutiva, Lopo quer viver e muito, pois a vida para si é prazer. Ateu convicto, zomba da igreja. A leitura de suas histórias por vezes choca, por vezes incomoda, por vezes leva ao prazer, mas é difícil o leitor que se aprofundar em sua leitura sair ileso. Esta talvez seja a intenção de Lopo ao nos convidar para seu mundo. Daí também você não relevar o traço deficiente de Marcos, as falhas às vezes acabam servindo como um caminho a mais para trilhar este estranho mundo que este homem habita. Marcos, que além de lançar o quarto número de sua revista, prepara para a editora SM O horror do Lobisomem, contando causos com este folclórico monstro. Casos contados na pequena cidade de Cesário Lange, próximo de Itu, interior de São Paulo.
            
Em tempos em que estamos vendo grandes clássicos de nossa literatura ganharem vida nos traços de grandes feras do desenho, As aventuras do Conde Lopo, mesmo que sendo publicada por uma editora pequena com baixa tiragem, mostra o quanto rico pode ser todo este universo e suas combinações como História e literatura gerando personagens interessantes, ricos e dando um pouco mais de autenticidade à nossa HQ.

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