|
Por Ota 24/01/2011 O ponto mais alto da Ebal foi a comemoração dos seus 25 anos de prosperidade. Não foi no jubileu exato: a grande festa ocorreu no dia 29 de maio de 1970, onze dias depois do verdadeiro aniversário. Uma grande festa que demorou cerca de dois meses para ser preparada e para a qual foram convidados não só os amigos, funcionários e fornecedores como até gente que não fazia parte do mundo real. Alguns já haviam morrido há muito e outros existiam só no mundo da fantasia. Mas foram os convidados de gala da grandiosa festa e imortalizados numa edição hoje rara, a Chamada Geral, que além de tudo isso ainda teve a primazia de me lançar como personagem de uma história em quadrinhos. É, por incrível que pareça, até eu estou nessa revista. Foi de Adolfo Aizen a iniciativa de me incluir na Chamada Geral, edição comemorativa dos 25 anos de fundação da editora, em maio de 1970, como personagem da HQ escrita por Pedro Anísio e desenhada por Eugênio Colonnese. O que provocou de início uma ciumeira entre os outros diretores, Naumim Aizen e Fernado Albagli, que achavam que ele estava me dando corda demais. Eu mesmo morri de vergonha. Quando soube que ia ser "homenageado" na edição achei que estava pagando o maior mico (termo que nem existia na época). Afinal, eu achava ridículo puxar o saco de D. Pedro II e dar uma de "repórter juvenil" e perguntar ao Batman quem ele gostaria de ser se não fosse super-herói e ouvir a resposta: "Pelé. Fez uma façanha que muito admiro, marcar mais de mil gols". A Chamada Geral foi o primeiro mega-cross-over jamais feito. Reunindo personagens de editoras americanas rivais (Marvel e DC) com personagens da História do Brasil, cowboys e até mesmo personagens de contos de fadas como Branca de Neve e os Sete Anões. E ainda por cima contracenando com o Ota, que servia de cicerone na visita à editora. Além de mim, o único outro funcionário homenageado foi Seu Benedito, chefe da gráfica. A trama é muito simples: em diversos pontos do tempo e do espaço, personagens diversos de ficção ou históricos recebiam uma convocação para ir a uma festa. A primeira metade dessa edição em formato gigante mostrava justamente todos esses personagens históricos ou fictícios sendo chamados: Flash Gordon, Mickey, d. Pedros I e II, Tom e Jerry, Mandrake, Popeye, Cinderela, Aquaman, Supermoça, Batman e Robin, Tarzan, Zorro e inúmeros outros recebiam uma convocação para suspender todas as atividades e ir a uma comemoração. A página central dupla colorida mostrava Superman e algumas naves espaciais desembarcando no prédio da editora, depois de uma mágica de Mandrake, que deu uma forcinha para garantir o transporte dos que não dispunham de naves espaciais ou podiam ir voando. O restante da edição mostrava a chegada deles na editora, sua visita e sua recepção por Adolfo Aizen e o resto da diretoria, que fazia um discurso explicando a causa da convocação, contava um pouco do histórico da editora e da empresa que a precedeu, e em seguida os visitantes faziam um tour pelas instalações da editora, ciceroneados por mim. A razão de personagens como Flash Gordon e Mandrake (então licenciados pela Rio Gráfica) aparecerem na edição era que eles haviam sido publicados pelo Suplemento Juvenil, cuja história também era narrada em flashback. Um cross-over desse porte era até então impensável, ainda mais que editoras rivais como Marvel e DC jamais permitiram isso, mas que eu saiba Aizen não chegou a pedir autorização a ninguém para misturar todos esses personagens. Mandou fazer na marra mesmo, embora na segunda capa relacionasse os detentores dos copyrights, frisando que a edição não era comercial. Para a empreitada convocou Pedro Anísio e Eugênio Colonnese. Pedro Anísio (ex-novelista de rádio, que era roteirista da revista Judoka, que também aparecia entre os personagens) assinava o roteiro, mas toda a concepção da história, incluindo a convocação, a página central colorida e a visita eram de Adolfo Aizen. Foi ele quem bolou tudo e decidiu exatamente quais personagens iriam aparecer. Essa edição foi distribuída de brinde às mais de 500 pessoas que participaram da festa, entre os 250 funcionários e convidados especiais que incluíam até autoridades. Ela também foi dada de presente a todos os visitantes que passaram pela editora desde então, até que a tiragem se esgotasse. Terminava com todos cantando parabéns para você e devorando um bolo de aniversário gigante. A última capa mostrava uma linda foto noturna colorida da editora e um bonequinho simbolizando o próprio Aizen falando: "e então, até 1995" (um ano distante para a época) - dando a entender que no cinquentenário da Ebal haveria outra festa mais imponente ainda. Infelizmente isso não ocorreu. Em 1995 o que restava da Ebal era uma massa falida. Nem a editora nem seu fundador sobreviveram à passagem para os anos 1990. A Ebal, ponto de referência dos quadrinhos nos anos 50, 60 e 70, ficou mal das pernas e sucumbiu. Seu pico foi em fins dos anos 60, quando os super-heróis Marvel (então conhecidos como Super-Heróis Shell, já que essa empresa patrocinava os desenhos exibidos na TV) se tornaram um sucesso da noite para o dia, motivando a expansão da linha de revistas, que passou a publicar também quase toda a linha DC, antes restrita a Superman, Batman e Superboy. Nessa época a Ebal lançou também o Judoka, super-herói brasileiro que durou cerca de quatro anos. As tiragens iam de 50 a 100 mil exemplares, números impensáveis para hoje. Quando fui trabalhar na Ebal, no início da década de 1970, a editora estava firme. A febre dos super-heróis já havia passado um pouquinho, mas eles ainda eram publicados, tendo o Homem-Aranha virado um dos carros-chefe ao lado de Superman, Batman, Tarzan e Zorro. A editora se consolidou no mercado nostálgico reeditando os álbuns de Flash Gordon e Príncipe Valente, comprados pelos antigos leitores do Suplemento Juvenil, que estavam com 40 ou 50 anos na época. Uma linha de livros para crianças vendia bem. Parecia que a editora não ia acabar nunca. Quando saí de lá em 1973 a Ebal ainda estava bombando. Saí porque senti que não tinha campo para me expandir, e a promessa de ser o "futuro diretor" era meio confusa. A Ebal pagava pouco e até os diretores ganhavam mal. Eu fazia frilas, já publicava minhas revistas e tiras em outros lugares, ganhava mais com meu trabalho de free-lancer do que o salário que recebia lá. Fui em busca de pastos mais verdes. Pouco depois recebi a proposta da Vecchi e lá fiquei mais oito anos, onde consolidei minha carreira. A derrota da Ebal começou mais ou menos nessa época, quando outras editoras que não publicavam quadrinhos, como Vecchi e Bloch entraram no mercado e as demais como a RGE reduziram o tamanho para formatinho e ficaram todas coloridas. A Ebal se recusou a fazer isso de início. Para piorar, perderam o seu carro-chefe, o Homem-Aranha, pois a Bloch fez à Marvel uma proposta melhor, que incluía publicar os demais personagens Marvel que já haviam sido cancelados. A DC ainda continuou com eles por mais uma década. Mas a Ebal não se renovou e esse momento marcou o seu declínio. Mesmo assim, sobreviveram à passagem para os anos 80. Trabalhei duas vezes na Ebal: uma de 1970 a 1973 e outra entre 1982 e 1984 quando, despedido da Vecchi, eles me acolheram de volta, desta vez para editar a revista Cinemin com Fernando Albagli e cuidar de umas poucas edições de quadrinhos que restavam, aproveitando raspas de material. Ainda participei de outra comemoração, a dos 50 anos do Suplemento Juvenil em 1984, mas esse foi o último momento de brilho. Na minha segunda passagem pela Ebal o número de funcionários já estava reduzido praticamente à metade. A rotativa que imprimia o miolo das revistas estava praticamente ociosa, e as máquinas de offset eram ocupadas rodando serviços gráficos para fora. Nessa época eles perderam também o licenciamento dos super-heróis DC. A Abril, que já tinha ficado com a Marvel depois que a Bloch desistiu, fez uma oferta e arrematou o pacote, privando a Ebal do único trunfo que ainda lhe restava. Agora eles só tinham Tarzan e Zorro, já em declínio, e reeditavam revistas antigas aproveitando fotolitos. Não fiquei muito tempo, pois quando a Record adquiriu os diretos da Mad e me chamou para dirigir a segunda série da revista, não dava para acumular os dois empregos e abri mão. Mantive a amizade com os Aizen e ia visitá-los de vez em quando - afinal a Record e a Ebal ficavam a pouca distância uma da outra - mas ficava deprimido cada vez que botava os pés lá e ia vendo todo aquele império minguando. Restavam os funcionários mais antigos, cada vez mais velhinhos, e o clima era de tristeza. Fiquei tão triste que parei de ir lá. Adolfo Aizen já havia morrido e a editora não tinha como se recuperar, pois sucumbira a um mercado editorial que se renovava a cada vez mais e eles não sabiam acompanhar. Acho que foi em 1993 que passei lá pela última vez. Dessa vez como cliente, mandando fazer o acabamento das revistas da Otacomix lá. A situação era cada vez mais deprimente. Eles já estavam com o crédito cortado pelos fornecedores de papel, não tinham mais o prédio anexo na rua ao lado, restavam cada vez menos funcionários e esses estavam cada vez mais velhinhos. O clima era de desânimo, beirando o desespero. Depois disso, a Ebal passou a ter sua massa semi-falida administrada por uma empresa e alugou todo seu prédio maior para uma escola, alugou alguns andares do outro para outras empresas, torrava os estoques e nem mesmo o Museu de Quadrinhos, seu orgulho máximo, eles tinham mais condições de conservar: acabou sendo doado à Biblioteca Nacional. A dívida maior era com o governo, em impostos atrasados que eles deixaram de pagar quando a situação foi apertando. Os Aizen foram perdendo seu patrimônio pessoal, composto de alguns imóveis, vendido para pagar dívidas. Poucos restam para contar essa história. Fernando Albagli morreu de câncer há alguns anos. Da Família Aizen, após a morte da viúva de Adolfo, D. Luba, restam os filhos ainda vivos. O que está em melhor situação é Mário Aizen, que por ter escolhido outra carreira e nunca ter participado da editora nem tinha participação na sociedade. Paulo Adolfo e Naumim estão pobres e reclusos. A Ebal é uma lembrança rica na memória das varias gerações que, em uma fase ou outra da editora, conviveram com suas maravilhosas e saudosas publicações, mas na vida real ela é hoje um mero esqueleto sem vida. E é com lagrimas nos olhos que encerro este artigo!... Esta série não acaba aqui. Falarei ainda das minhas passagens pela Vecchi, Rio Gráfica e Record com mais recordações. Leia a primeira parte do artigo aqui. |
Quem Somos |
Publicidade |
Fale Conosco
|