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Bob Esponja: a absorção e disseminação da criatividade na animação
Por Gazy Andraus
18/08/2006

A saga humana reflete uma evolução cerebral e mental que levou toda a espécie humana a estratificar suas expressões, sejam elas artísticas, religiosas e/ou científicas. Mas é sabido que é através das expressões que se formata a ponte comunicacional mantenedora dos aspectos culturais que vigoram no orbe terrestre, em todas as suas diversidades. A tecnologia desenvolvida foi capaz de dar novos caminhos às formas de comunicação gráficas: e aqui aportamos nos desenhos animados, um “reavivamento”, de certa forma, das Histórias em Quadrinhos, numa forma de torná-las aparentemente vivas, encontrando ecos hibridizados nos computadores e nas redes interconectadas da Internet.

Em princípio, porém, o que mais se deve levar em conta é o fator criatividade: quem ainda não se encanta com a simplicidade técnica de muitos desenhos animados da Hanna-Barbera e outras produtoras similares (principalmente quando o que pesa é o fator roteiro e diálogos, já que as animações eram “semi” animadas)? Jambo e Ruivão, Bibo Pai e Bóbi Filho, O Urso do Cabelo-Duro, Herculóides e muitos outros (dos japoneses ficaram em memória Fantomas e Super-Dínamo) que se pontuam exatamente devido a características de extrema criatividade por parte de seus produtores. Na atualidade, podem-se destacar algumas pérolas, como O Mundo de Bob (as desventuras de um menino, cujo sobrenome “Generic” alude a qualquer família que possua a espontaneidade criativa de um menino de 5 anos de idade), e também o desenho animado Bob Esponja.

É a respeito deste último que se quer discorrer aqui. Primeiro para celebrar a ainda existente criatividade nas autorias dos desenhos animados (senão na maioria, ao menos em alguns como este em específico), e segundo porque, como em qualquer forma de expressão humana artística, seus roteiros também podem servir como metáfora de conceitos da vida. A começar pelo personagem: Bob é uma esponja que vive no mar, embora possua a mesma forma das esponjas industriais (a esponja do mar é uma quase planta que se regenera com facilidade, mas em vez de preso ao solo marinho, estado natural das várias espécies existentes, Bob “caminha”, pois é uma esponja quadrada e amarela). Na história da humanidade, as esponjas naturais serviram de “colher”, tanto para as crianças tomarem líquidos como também para saciar a sede dos soldados romanos, embora atualmente as industrializadas tenham substituído quase que totalmente as naturais. Assim, sintomaticamente, Bob é uma metáfora da civilização e sua industrialização, em oposição à natureza e seus “produtos” e matérias-primas. Ainda, no caso de Bob, sua personalidade poderia representar o próprio estado da esponja: absorver (e se usada fora da água, devolver). Bob tem um caráter idôneo, pueril e puro (ambas as designações quase sempre querem dizer a mesma coisa).

Ele trabalha junto com a Lula Molusco e Patrick, uma estrela do mar não muito inteligente, como empregados de um bar-restaurante pertencente ao senhor Sr. Sirigueijo. Em todas as aventuras, o que mais se destaca são as cores e formas utilizadas dos desenhos e cenários, quase sempre muito variadas e criativas, possuindo um surrealismo inerente, ótimo como empatia à criatividade infantil e seu desenvolvimento. Mas o principal (além da personalidade alegre e bem humorada de Bob) são os detalhes nos roteiros e as histórias, muito criativas e até, como se disse, servindo de metáforas. Em um dos episódios, um encontro casual com um antigo amigo de infância faz com que Lula Molusco minta ao lhe dizer ser dono de um restaurante de alto nível. Para confirmar, Lula Molusco tenta fazer de Bob Esponja um garçom fino, que principia a estudar em livros para aprender a função. Como as informações para tal são em demasia e o tempo curto, além de sua memória começar a traí-lo, ele passa a seguir as indicações de Lula Molusco, “esvaziando” sua mente de todo o conhecimento pregresso sobre tudo, a fim de inserir as novas informações angariadas nas leituras.

Assim, após o esforço, e esvaziando sua mente Bob obtém (absorve?) acesso a todas os informes de como se tornar um excelente atendente de um restaurante de cinco estrelas. O único porém é que ele não mais possui as informações que seu “cérebro” aglutinara antes (ou então as trancafiou em algum reduto temporariamente em sua mente, num local em que a psicologia dá o nome de inconsciente). O próprio restaurante tem toda sua decoração transformada com extrema rapidez pelo funcionário metamorfoseado, assustando a todos, principalmente seu patrão. Tudo vai bem, até o momento de servir o guia e os turistas, quando um dos fregueses “quebra” o mecanismo da mente de Bob ao querer saber como se chama. Como Bob havia esvaziado os conteúdos anteriores em sua mente e não mais sabia seu próprio nome, ao se esforçar para lembrar, acaba por restituir sua memória antiga, trazendo panes em suas ações e perdendo conseqüentemente as faculdades novas, revelando à lula convidada a verdade por detrás de tudo.

Alguns pontos a se considerar: é claro que aqui estamos falando de seres marinhos antropomorfizados, na melhor tradição dos desenhos animados (inclusive Walt Disney). Segundo: é devido a isso que aceitamos que Bob possua uma mente e que a estrutura dentro do oceano seja mimetizada de nossa própria estrutura civilizada. Porém, os pontos de relevância aqui se fundamentam em outros parâmetros: as mensagens oriundas desses roteiros, coadunadas com a estética criativa dos desenhos, fazem das Histórias em Quadrinhos e animações excelentes veículos de desenvolvimento e manutenção da psique infantil (e adulta). É de se salientar que a imagem tem um poder indelével na conformação mental humana, e que os Quadrinhos e desenhos animados são tão necessários quanto é a escrita ao aprendizado pueril, principalmente quando esta é fonética e não ideográfica. Pesquisas científicas comprovam que algumas regiões do cérebro são acionadas distintamente dependendo do foco do aprendizado. Por exemplo: o cérebro chinês e japonês lê a escrita ideográfica respondendo principalmente no lado direito, estritamente associado às emoções e intuições, enquanto que os leitores ocidentais e árabes têm suas respostas na leitura de fonemas no hemisfério esquerdo, que está ligado ao racional e científico. Talvez isto não represente muito, considerando que também se descobriu que o cérebro não opera apenas regionalmente, mas em realidade é um todo conectado (holográfico). Porém, não se pode desprezar também tais distinções, que podem imbricar em modalidades de pensamento e respostas individuais diferenciadas entre tais culturas.

Enfim, à criança principalmente, a imaginação e inventividade são tremendamente importantes, e os desenhos (animados e em Quadrinhos) são excelentes formadores e mantenedores de seu progresso mental e cerebral. Não se pode relegar as imagens em relação à escrita (principalmente nas culturas fonetizadas), ainda mais na formação infantil. O mundo em que vivemos é totalmente imagístico, e é bem possível que a valorização extremada da escrita fonética científica privilegiou algumas modalidades mentais em que se destacou prioritariamente um fazer racionalizado, relegando em segunda instância noções como emoção e intuição. Talvez um maior cuidado com outros pontos na educação escolar (e até universitária) pudesse trazer novas maneiras de repensar as sociedades, ou interferissem na formatação mental dos seres humanos. Para tal é mister reapropriar-se das expressões artísticas e comunicacionais não exclusivamente racionalizadas, como o cinema, músicas, desenhos e Histórias em Quadrinhos, que não seriam apenas bem-vindos educacionalmente, como igualmente necessários a uma manutenção mental humana salutar.

Para finalizar, quer-se pontuar mais alguns itens do desenho de Bob Esponja relacionando este episódio à metaforizarão da vida. Filosofias orientais, como o taoísmo, trazem implícitas que a mente humana é dual: ela pode ser estritamente racional e abarcar conhecimentos infindos, mas também pode se tornar clara, “vazia” de todos os conceitos, abarcando conhecimentos além dos experimentados. Estaria aqui uma premissa interessante do instante em que Bob consegue “travar” seu racional e trazer faculdades que ele jamais havia experimentado como passíveis de serem por ele realizadas como se já as conhecesse tecnicamente (incursões científicas também apontam para os conhecimentos que advêm de estados alterados de percepção). Assim, Bob obteve uma proeza pouco conhecida e conseguida: transformar o chaveamento de sua psique de um padrão natural racional para outro nível, incorporando um conhecimento que aflorou instantaneamente como que por “milagre” (um insight advindo instantaneamente após um tremendo esforço racionalizado). Mas o custo foi perder seu ego anterior (e qualquer um, pois nesse estado novo ele não parecia ter um ego pessoal, visto que vivia apenas pela sua “profissão” como uma abelha vive pela sua rainha e colméia).

Como se vê, a criatividade e imaginação do autor desses desenhos pode abrir chaves e portas que, aparentemente desvinculadas de lógica e contendo apenas momentos “mágicos” e surreais, aludem a algo muito maior, se pesquisados à luz da ciência racionalizada, que pode através destes mesmos representantes expressados (os desenhos animados, no caso) ampliar e melhorar seus conceitos científicos e aplicações técnicas. E, como se disse, tais imagens desenhadas se tornam extremamente prazerosas a uma manutenção mental salutar dos adultos, e necessárias como mecanismos informacionais de desenvolvimento mental no que concerne à criatividade das crianças.

E viva os desenhos (animados ou não)!

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