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O Sétimo Encontro Internacional de Quadrinhistas e Cartunistas na Coréia
Por Bira Dantas
17/10/2005

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Chegamos, eu e minha mulher, Cláudia, com um atraso de 6 horas ao aeroporto de Incheon. Sean Park, meu contato na WCC estava preocupado com nossa ausência depois da escala em Pequim. Sem querer, eu o assustei com um abraço apertado. Afinal, foram dois meses de contatos telefônicos e internéticos desde que fui convidado para esta viagem um tanto quanto insólita. Eu havia esquecido que orientais se cumprimentam curvando o tronco e apertando as mãos, mas tudo se resolveu com um bom papo em 40 minutos de carro por pontes que ligam a ilha ao continente, além de largas avenidas lotadas de carros sofisticadíssimos que buzinam estressados. Finalmente, estávamos dando entrada no Koryo Hotel, no centro da cidade. Aliás, muito parecida com São Paulo, exceto pelo colorido esfuziante, a limpeza e absoluta falta de pedintes, vendedores de balas, quinquilharias e lavadores de vidro de carro. Numa cidade com prédios tão coloridos e tanta gente com traços orientais eu me senti como Flash Gordon quando desembarcou no Planeta Mongo: "uma linda cidade que brilhava como enorme diamante, encravada no alto do planeta". Eu e Cláudia fomos a um bar para comer churrasquinho de carne bovina assada e servida com vários molhos apimentados e salada fresca, numa mesinha baixa. Falamos em inglês e pagamos com cartão, eles não aceitavam dólares...

Organização e Respeito ao Artista

Na Coréia há a Associação dos Cartunistas, a Sociedade de Cartum e Animação e o BCIC Centro de Informação do Cartum. A WCC (World Comics Conference) é uma conferência de discussão anual que começou em Tóquio (1996) e acontece cada ano em um país diferente. Já está em sua sétima edição. Fiz parte de uma exposição de 372 artistas de 26 países, com mais três brasileiros: Gisela Pizzatto, Giovanna Roggeri e Mario Mancuso. Os coreanos promovem inúmeros eventos ligados ao Cartum e aos Quadrinhos como o BICOF (Festival Internacional de Quadrinhos de Bucheon), onde fiz uma palestra sobre a história do Quadrinho Brasileiro e as expectativas futuras, o PISAF (Festival Internacional de Animação Estudantil). Além do BCIC e da Biblioteca do Cartum Kyuchanggak, ainda criaram o Museu do Cartum, que é o suprasumo do bom gosto e do respeito ao público e aos artistas. Que contraste com o boicote e fechamento do nosso MAG (Museu das Artes Gráficas) pela secretária de (des) cultura cláudia costin do (des) governo de São Paulo. De um lado do mundo a total falta de sensibilidade e de respeito por parte do governo alckmin, do outro, um sistema de cooperação entre profissionais, governo e sociedade com duas Universidades, duas Instituições Educacionais e 26 escolas voltadas ao estudo do cartum, dos quadrinhos e da animação.

     

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No dia seguinte foi a vez das apresentações dos conferencistas. Estávamos na mesa: Pang Bang Beon da China (falou da influência da comunicação de massa na vida da sociedade moderna e da importância de modernizar a produção de HQ - Histórias em Quadrinhos), Tateno Koichi do Japão (falou do sucesso do Cartum digital na internet), Go Gyung-Li da Coréia (falou de problemas e soluções da Indústria de HQ), Na Lah Zhen de Taiwan (evolução e futuro dos Quadrinhos) e eu, que falei da HQ brasileira e das nossas dificuldades no mercado de publicação.

Tínhamos uma intérprete e espécie de anjo da guarda, Tu-Yung, que traduzia para o inglês tudo o que os coreanos falavam e nos acompanhava por todos os lugares. Fomos apresentados a uma infinidade de cartunistas muito simpáticos que sempre nos presenteavam com seus livros e revistas. Minha revista catálogo BiraZine foi distribuída a todos os delegados do encontro (cerca de 140) e sempre que pude toquei minha gaita e ganhei alguns aplausos. Fui muito bem recebido e conheci alguns bons amigos como o coreano Shin Sung Sik (que soube que sua mulher estava grávida enquanto visitamos o Museu do Cartum) e Dongsoo Yui (que teve até um programa de humor na TV), o iugoslavo Zoran (sucedeu Moebius na série de álbuns com o franco-chileno Jodorowski), o birmanês Maung Wunna (lá eles têm problemas com energia elétrica, que acaba às 19h, e são obrigados a usar o computador só até esse horário), Baghal do Irã, Gathar do Quênia, Arnold das Filipinas, Sean Leahi da Austrália, Nix da Bélgica, Pran Kumar da Índia, Sugianto da Indonésia, Reggie Lee da Malásia e o incrível artista plástico mongol Tsolmonbat. Nestes meses a cidade se volta totalmente para os eventos que se desenrolam na Prefeitura e nos museus. São pais e filhos pedindo autógrafos e caricaturas dos artistas, comprando revistas na Feira de Quadrinhos, comendo sanduíches, espetinhos e pratos típicos (tudo grátis) ou se divertindo com brincadeiras típicas coreanas. É uma festa sem fim!

Depois da abertura fantástica com dançarinos que balançavam fitas com a cabeça e lindas percussionistas que, num balé preciso, tocavam grandes tambores, ouvimos os organizadores falarem de suas preocupações quanto ao futuro do Cartum e do Quadrinho no mundo. Depois fomos jantar na prefeitura, onde comemos carne de boi cozida com legumes, arroz grudento, sushi e acelga forrada com pimenta. Tudo regado à cerveja e Sojú, uma cachaça forte à base de arroz. A comida é extremamente apimentada e picante, mas quase sem gordura, mesmo quando preparam costela. Espetinho de escorpião é folclore. A carne de cachorro é comida apenas uma vez ao ano, numa data especial, portanto não a experimentamos. Comprada em açougue e preparada cuidadosamente, é um costume que os jovens não apreciam tanto e deve acabar extinto, para alegria dos caninos...

O Museu dos Quadrinhos da Coréia

Este museu foi montado dentro do Estádio de Esportes de Bucheon e é um exemplo do respeito que a cidade tem por HQ e Cartum. É tão incrível como o palácio real Changdeokgung (1405) e seus jardins que aquarelam uma já multicor e moderna cidade de outdoors, bandeiras e placas luminosas. Fundado em 2001 e mantido pelo Ministério da Cultura e Turismo e pelo Centro de Informação do Cartum, o Museu tem um acervo de originais e reproduções de cartuns e quadrinhos desde 1909. O curador e também cartunista Yong-Cheol Lee nos propiciou uma visita vip. O resto dos delegados estava visitando uma cidade feita de maquetes de pontos turísticos de todo o mundo. Este domingo era o último dia de evento para nós, que viajaríamos para Paris no alvorecer do dia seguinte.

     

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O primeiro cartunista coreano foi Lee Do Young e tinha seus trabalhos publicados no jornal junto com Dae Han e Min Bo. Desde que o Japão invadiu a Coréia em 1905, eles foram duramente censurados e a falta de liberdade de imprensa influenciou toda a produção do primeiro período chamado Obscuro (1930/1945). Depois da invasão, veio a Era Influente dos Quadrinhos (1946/1950), a Era Infantil (1960), a dos Temas Adultos (1970), os Pequenos Romances (1980) e a Grande Era (de 1990 até agora). Entre as raridades do acervo do Museu há o original em duas cores (preto e vermelho) da primeira revista em quadrinhos feita por Kim Yong Hwan (1953) e dos primeiros quadrinhos de Ficção Científica (1961), todos copiados para serem lidos e pesquisados. O museu é muito moderno e bonito. Tem vitrines enormes para exposição dos originais, displays criativos, bonecos em tamanho natural para tirarmos fotos, terminais de computador com dados históricos e quadrinhos interativos, sala de audiovisual com telas imensas de TV que projetam animações antigas, uma sala de leitura com mais de 2.000 revistas e uma lojinha que vende livros, revistas e souvenirs. Este é um país que preza a sua memória artística e respeita profundamente os cartunistas e quadrinhistas.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer a WCC pelo honroso convite e pela calorosa acolhida, ao artista gráfico Ricardo Cruzeiro que diagramou o BiraZine, ao Sinergia SP-CUT e a Graphos Editoração que financiaram a impressão dos 3 mil exemplares da revista (que tão bem impressionou a todos por lá), ao jornal Cometa Itabirano e ao site Bigorna, que publicarão a íntegra deste artigo.

Abaixo, trecho do discurso de Bira Dantas proferido durante a WCC (World Comics Conference).

A Situação do Quadrinho Nacional

Há cerca de 20 anos, os cursos de desenho no Brasil ainda não eram tão difundidos como são hoje. Sem cursos, o único caminho para o aprendizado de cartum, caricatura ou Histórias em Quadrinhos era através da leitura e de estágios em estúdios que produziam HQs (como elas são conhecidas) aqui no Brasil. Os grandes estúdios de hoje, como o do Mauricio de Sousa, ainda eram pequenos. O sonho de toda criança com talento artístico era crescer e virar um desenhista de HQs, mas o jeito de aprender era copiando as revistas estrangeiras (Capitão América, Batman, Superman, Flash Gordon, Asterix, Li'l Abner, entre
outras) publicadas aqui.

Eu, assim como outros desenhistas, comecei a desenhar copiando cartuns e quadrinhos dos suplementos infantis dos jornais. Depois fui aprimorar meu traço no estúdio Ely Barbosa. Mas basicamente a característica do aprendizado nesta época é autodidata. Nos últimos 5 anos as escolas de desenho, Histórias em Quadrinhos, mangá, cartum e caricatura têm se multiplicado. É grande o número de escolas que surgiram e os Salões de Humor; só no Brasil temos mais de 10 - têm sido um grande incentivo para os jovens artistas. O trabalho de charges e tiras em quadrinhos em jornais também tem ajudado a difundir a arte. Os sindicatos de trabalhadores que mantém a produção de jornais e revistas também é um vantajoso mercado de trabalho, além das editoras de livros infantis, didáticos e para-didáticos. Na década de 1980 e 1990 editoras brasileiras como EBAL, RGE, Bloch e Abril produziam HQs de personagens de fora como Mickey, Pateta, Flintstones, Scooby Doo. Mas sem assinatura dos profissionais. Também proliferaram revistas (Chiclete com Banana, Níquel Náusea, Piratas do Tietê, Tralha, Fráuzio), na linha underground.

Quadrinho Brasileiro Hoje

Não só várias escolas especializadas na nossa área surgiram como escolas de cursos normais têm convidado desenhistas para darem palestras ou participarem de mesas-redondas. Isso demonstra o interesse das instituições educativas, assim como cursos especializados em nossa área. O mercado norte-americano/Marvel e DC e europeu têm aberto suas portas para brasileiros.

O Futuro dos Comics

O advento do computador e da internet têm sido um facilitador na vida do desenhista. Vários profissionais trabalham com laptops e scanners produzindo mais e melhores desenhos. Alguns sites dispuseram HQs virtuais para download. O problema principal ainda é a falta de pagamento, já que na mídia internet ainda se alega falta de verba para pagamento dos nossos trabalhos e se proponha a publicação das HQs em troca de visibilidade e propaganda. Espero que em breve estas desculpas se tornem coisa do passado e as editoras disputem profissionais de diversas áreas.

Livros e Revistas Expostos

Enciclopédia dos Quadrinhos - L&PM (Goida)
Restolhada - Opera Graphica (Marcatti)
No Reino do Terror - Opera Graphica (R.F. Luchetti)
Volúpia - Opera Graphica (Júlio Shimamoto)
Shazam! - Perspectiva (Álvaro de Moya)
Anos 50, 50 anos depois - Opera Graphica (Álvaro de Moya)

Fotos: Cláudia Carezzato e Regie Lee

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