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Teatro: Crítica da peça Doce Outono (SP)
Por Ruy Jobim Neto
18/09/2009

Um Outono agridoce continua no Satyros 1

Roberta Uhller e Celso Melez em cena de Doce Outono

Que o Teatro é a arte da relação entre personagens colocadas em um palco, disso nós sabemos. Ralph Maizza leva essa premissa às raias da filigrana. E a palavra se aplica muito bem às três cenas que compõem o belo Doce Outono, com texto e direção de Maizza, uma vez que filigrana é isso mesmo - um trabalho artesanal feito de fios muito finos, tênues até, podemos dizer. Mas feitos com apuro e consistência. São seis atores, três histórias, gênero drama. O espetáculo estreou em agosto no Satyros 1, na Praça Roosevelt, 214, e agora continua, só que em novos dias e horários. Maizza, dramaturgo e diretor, não abre concessão alguma ao seu público.

Aliás, seu grupo, o Teatro da Curva (que já tem seis anos de estrada por esses palcos) traz consigo alguma crueza jovem, uma crueza saudável, bastante criativa. Ela tem sido representada em outros trabalhos, tanto com textos próprios como em dramaturgias de Mario Bortolotto, Álvares de Azevedo ou Voltaire. Doce Outono é o segundo espetáculo do grupo em 2009 - a outra montagem da Curva foi Born to Be Wild, texto de Jarbas Capusso Filho. A primeira cena, O Filho Próspero, traz a contenção de Didio Perini e Fernando Soffiatti (os dois estão muito bem, por sinal). Dois irmãos se reencontram. O público engole em seco, aguarda notícias de um pai à beira da morte, espera pra ouvir da dupla o porquê de tanta distância. Um é um artista que não abriu mão de suas escolhas profissionais. O outro é um executivo cheio de ambições e financeiramente estável. Há um tema musical que perpassa em início e final da cena, mas a sensação de engolir em seco permanece. Aos poucos, tudo se delineia, mas sempre com a contenção da timidez em qualquer reencontro doloroso.

Outro canto do palco é usado para que Celso Melez e Roberta Uhller estabeleçam novo jogo. Agora a cena, Traição? é travada entre marido e mulher, misturando paixão e ódio, desejo e culpa, dor e compaixão. Muitos sentimentos perpassam e se confundem quando a esposa, delicada e transgressoramente construída pelo talento de Roberta, acaba por demonstrar uma doença psicológica, diríamos emocional. Melez caminha no sentido de entender a esposa ou ajudá-la de forma radical. A dor perpassa. Quem trai quem? A cena dispara entre extremos, da entrega do casal até à percepção de que aquilo tudo guarda relação de semelhança com Betty Blue (famoso filme de Jean-Jacques Beineix, dos anos 80, com Jean-Hughes Anglade e Béatrice Dalle). A referência ao filme faz sentido, com exceção das cenas de nu do filme de Beineix. A nudez aqui é outra. Os atores guardam essa nudez de sentimentos na pele de seus personagens com precisão, delicadeza e violência.

As atrizes Mariana Blanski e Flávia Tápias em Doce Outono

A cena final de Doce Outono (leve ironia do autor e diretor, para uma estação cuja natureza fala da decadência, ainda que suave) se chama ironicamente Mundo, Doce Mundo. No palco, estão Flávia Tápias e Mariana Blanski, duas atrizes bem jovens desta atual safra. Sem revelar quase nada, a peça, que acontece quase que às escuras, parcamente iluminada – de propósito -, mostra duas moças à beira de um grande evento. Ficamos sabendo apenas no final o que aconteceu, qual a decisão que elas tomaram. Sem revelar nada, há uma cena emblemática de uma das garotas, pronta para colocar uma máscara, ela, como boa menina, encontra um ursinho de pelúcia no chão e o guarda delicadamente no bolso da jaqueta. O final é mais do que irônico, tanto quando o título.

Para o diretor, a estação em que acontecem as três cenas (em lugares e tempos totalmente indecifráveis, o trunfo da montagem) representa o fim de um ciclo, em que decisões duras – ou não – têm que ser tomadas. Nada é por acaso, nem mesmo o outono. Quanto ao público, ele completa os silêncios vários que Maizza proporciona com seu elenco. Prova de que a relação se coloca tão ativa quanto no palco. Em mais esta encenação jovem, dinâmica e limpa do Teatro da Curva, a platéia tem o seu lado também,  a sua contribuição solitária, no escuro do outono, compartilhando caminhos que poderiam muito bem ser os dela.

Serviço:
Doce Outono
Texto e Direção: Ralph Maizza
Elenco: Fernando Soffiatti, Didio Perini, Roberta Uhller, Celso Melez, Flávia Tápias e Mariana Blanski
Iluminação: Celso Melez
Trilha Sonora: Ralph Maizza
Produção: Celso Melez, Didio Perini e Ralph Maizza para o Teatro da Curva
Duração: 60 minutos
Gênero: Drama
Classificação Indicativa: 14 anos
(a peça estreou em 4 de agosto)
Temporada: em setembro, terças-feiras, às 21h e em outubro às quintas-feiras às 23h.
Espaço dos Satyros 1 (Praça Roosevelt, 214, Consolação)
Telefone.: (11) 3258-6345
Ingressos: a R$ 20,00 (meia R$ 10,00 e moradores da praça a R$ 5,00)

(fotos: divulgação)

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