Lucianno Mazza delineia a dependência no palco
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Os atores Luciana Ramanzini e Clóvis Torres em Parasita |
A primeira impressão quando se vê o cenário branco de
Parasita - texto de
Gabriela Mellão sob direção de
Lucianno Maza - é que diante do aparente asséptico da cena, outras camadas vão sendo imediatamente costuradas pela platéia. No centro da solidão branca, com paredes de níveis diferentes entre si e luzes verticais massacrantes, estão um homem e uma moça. Como descreve o próprio diretor, o carioca Lucianno Maza, os personagens vão desenhando sensações de vazios, abandonos, irrealidades e imaginações. O texto de Gabriela permite mil leituras. Maza tece a dele, tirando de seus intérpretes,
Clóvis Torres e
Luciana Ramanzini, dezenas de possibilidades. Vamos aos fatos.
Parasita conta basicamente uma idéia – uma mulher bonita e jovem está entrevada numa cadeira de rodas enquanto um homem velho a remete a diferentes visões, aspirações, desejos e dependência. Os aspectos dele mudam à revelia dela.
Em conversa com o diretor, observei que o amor que os consome é o próprio parasita do título. Esta pode ser uma leitura. Os personagens se parasitam entre si, desde a moça que relembra ou delira sobre um jovem que vem cortejá-la porque os seus desejos assim o querem, ou um idoso que a despeja num mar de angústias ainda maiores, uma vez que a relação não se consome. Os atores estão em tour de force, essa é a verdade. Maza extrai de seus atores a sensibilidade necessária para atordoar o público, fazê-lo viajar com os personagens que são personagens de si próprios, ou que assim o desejariam ser. A intenção de Gabriela, ao que parece, é discorrer sobre o delírio em que a mente se despeja dilaceradamente, sem freios, quando se está só. A solidão tem razões que a própria razão desconhece, parafraseando Shakespeare. Mas a tragédia aqui é outra: os personagens se desconhecem, brincam e se desdobram para escapar à indisfarçável culpa de não se deixar aproximar e de negar o contato, desejando-o. Em resumo, refletem a tragédia do medo, da incomunicabilidade, tão atual quanto moderna.
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Clóvis Torres e Luciana Ramanzini |
Disso o diretor tira proveito e seu elenco estabelece um jogo cênico com giros e volteios de cadeira de rodas, de imagens incompletas, de chãos que não absorvem a dor. De um fardo chamado angústia, metier do também dramaturgo Maza. Gabriela Mellão e Lucianno Maza já haviam trabalhado juntos, anteriormente. Nas
Satyrianas 2008, uma primeira versão sintetizada da peça havia sido apresentada. Maza começou trajetória como dramaturgo. Passou à direção, para complementar esse controle do fazer cênico. Lucianno veio do Rio de Janeiro com fama consolidada, formou-se na vida (como ele gosta de dizer) e chegou em São Paulo há quase três anos, batalhando com sucesso por sua dramaturgia. Tem dirigido seus próprios textos, mostrando todo o seu esforço pessoal numa programação que ele mesmo estabeleceu, em abril de 2009, no
Teatro NExT, quando suas peças foram lidas em quatro terças-feiras. Começou a causar burburinho. Recentemente, teve peça lida no projeto
Letras Em Cena, do
MASP (é a segunda vez que texto dele sobe ao Grande Auditório do museu), na última vez sob direção de Bárbara Bruno, com Emilio di Biasi e Magali Biff no elenco. Aliás, o projeto
Letras Em Cena tem como um de seus coordenadores exatamente o ator Clóvis Torres, que também é dramaturgo (é dele o tocante e sensível
O Convite de Casamento, há pouco tempo exibido no
Teatro Augusta, do qual também é produtor). A atriz e diretora Luciana Ramanzini, por sua vez, tem formação de teatro físico e mímica. O corpo de Luciana amplifica suas formas distorcidas no breu imagético e sensorial do branco.
Gabriela Mellão, a autora, faz parte da Redação da revista Bravo!, da Editora Abril, onde escreve sobre Teatro. Recentemente ela levou matéria de capa sobre dramaturgos, enfocando os novos talentos do moderno teatro brasileiro. Ela é um dos nomes que apontam para uma Dramaturgia com universalidade, ao lado de tantos outros nomes de sua geração, como o próprio Lucianno Maza (autor de peças como Restos e A Memória dos Meninos, entre tantas outras), Eduardo Ruiz, Silvia Gomez, André Fusko, João Fábio Cabral ou Paulo Santoro. É de Gabriela a peça A História Dela, sob direção de Lucianno Maza. No caso específico de Parasita, da mesma forma como a platéia é dependente do texto de Gabriela para a apreensão (mais do que simplesmente compreensão) daqueles interiores humanos em embate, assim como os atores estão inseridos na dependência controlada da mise-en-scene do diretor, de seu figurino (de Anne Cerrutti), da cadeira de rodas, do jogo com cenário e iluminação (ambos do próprio Maza), os personagens de Parasita travam em cena essa dependência entre si, angustiada, nervosa, pulsante. Trunfo de direção e texto. A peça está em cartaz no SESC Consolação, no Espaço Beta, do terceiro andar, esperando para enclausurar ainda mais sua platéia nesse jogo desesperado pela destruição do vazio horrendo da solidão humana. O intento tem cor, e é branca.
Serviço
PARASITA, de Gabriela Mellão
Direção: Lucianno Maza
Elenco: Clóvis Torres e Luciana Ramanzini
Quando: quintas e sextas, 21h, até 11 de setembro
Onde: Espaço Beta, 3º Andar, SESC Consolação
R. Dr. Vila Nova, 245 - Centro - São Paulo-SP
(fotos: divulgação)