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Teatro: o talento dos Les Commediens Tropicales revisita Augusto dos Anjos em curta temporada (SP)
Por Ruy Jobim Neto
26/10/2007

Les Commediens Tropicales

Espaços inusitados, um poeta-personagem famoso da Literatura. Um grupo premiado de atores, duas diretoras sob a missão de provocar cenicamente. Um texto homônimo e uma autora brasileira que está entre as mais prolíficas da atualidade - estes são os ingredientes para o espetáculo A Última Quimera, produção mais que talentosa da Cia. Les Commediens Tropicales, os mesmos que colocaram nos palcos recentemente a premiada Chalaça – a Peça, sob a direção de Márcio Aurélio. Do livro de Ana Miranda (autora consagrada de O Boca do Inferno e Desmundo), é a biografia do poeta Augusto dos Anjos em A Última Quimera (publicada pela Companhia das Letras) que vem à tona. Para cumprir a missão de explicar, confundir, encantar e atordoar a platéia presente, foram convocadas as diretoras Verônica Fabrini e Georgette Fadel (Prêmio Shell de Melhor Atriz por Gota D'Água – Um Breviário e diretora de Biedermann e os Incendiários e Do Que Orlando me Disse, entre outros). Juntas, elas têm a missão de provocar. E provocaram primeiro o grupo de atores, a partir do texto final de Carlos Canhameiro. O resultado coletivo final, no espaço cênico, é essa imperdível montagem da Companhia.
           
No espaço cênico, considerado um ringue para os embates poéticos entre Olavo Bilac (chamado O Príncipe dos Poetas) e Augusto dos Anjos, autor de um único livro em vida (Eu), encontram-se os incansáveis Commediens, Companhia formada por ex-alunos de Artes Cênicas da Unicamp: Daniel Gonzalez, Débora Monteiro, Michele Navarro, Paula Mirhan, Weber Fonseca e o próprio Carlos Canhameiro, que deu a forma final ao texto de Ana Miranda. Juntos, eles já montaram uma série de trabalhos importantes com enorme sucesso de público, crítica e uma enxurrada de prêmios Brasil afora - A Lição (de Eugene Ionesco), Entre Quatro Paredes (de Jean-Paul Sartre), Pedido de Casamento (de Anton Tchekov), Terror e Miséria no III Reich (de Bertolt Brecht), Galvez - Imperador do Acre (de Márcio Souza), A Mais Forte (de August Strindberg) e a dupla de obras máximas de Tennessee Williams, Um Bonde Chamado Desejo e À Margem da Vida. Experiência e talento não é o que falta a eles, como se pode ver. Para quem assiste a A Última Quimera, fica a certeza absoluta de que está diante de um trabalho maior, maduro, consciente de seu fazer teatral. Uma discussão, assim, é colocada à baila para o espectador, à medida que se destrincha biográfica e poeticamente o personagem de Augusto dos Anjos, entre as infindáveis correrias, videografias, velas, caixões, cartas e imagens poderosas – qual é, afinal, a contribuição do artista no processo histórico? Discussão e questionamento mais do que prementes, convenhamos. E assim, este estudo-ensaio-espetáculo se constrói, nutre-se e nos faz experimentar a finitude, o prazer da poesia, o sabor da morte, do teatro em si.

Paula Mirhan em cena de A Última Quimera

A Cia. concede ao público uma chave, e a possibilidade de podermos abrir portas juntos é total, basta estarmos abertos. Mesmo porque, em termos de representação histórica o livro (e a montagem, portanto) enfocam a construção de todo um Brasil novo, ainda republicano e (evidentemente) muito anterior à Semana de Arte Moderna - é o Brasil da Revolta da Chibata (de João Cândido), do retorno dos soldados da insólita Guerra de Canudos, da construção da Avenida Central, da gripe espanhola, de Oswaldo Cruz. Um Brasil extinto se abre com pesados ferrolhos diante de nossos olhos, como num caleidoscópio, como numa porta. O poeta-personagem enfocado pelos Les Commediens em A Última Quimera, por sua vez, tem dimensões que beiram a tragédia. Augusto (de Carvalho Rodrigues) dos Anjos, paraibano nascido em 1884 falecido em 1914 em Minas Gerais, foi identificado muitas vezes como simbolista ou parnasiano, mas muitos críticos, como o poeta Ferreira Gullar, concordam em situá-lo como pré-moderno. É conhecido como um dos poetas mais estranhos do seu tempo, e até hoje sua obra é admirada (e detestada) tanto por leigos como por críticos literários. O que Ana Miranda faz em seu livro é partir dos próprios versos (como experimentou anteriormente em O Boca do Inferno) e das cartas do poeta à sua mãe para recompor a atmosfera de sua obra e o itinerário de sua vida, mostrando poeticamente as inquietações metafísicas que o consumiam. Ao mesmo tempo, traça um painel dos costumes e principais acontecimentos da passagem do século XIX para o século XX. Na montagem dos Commediens, é confrontada a trajetória de Augusto dos Anjos com a de Olavo Bilac, que por sinal obteve o tão desejado reconhecimento em vida. Augusto, ao contrário, morreu miserável e esquecido, tendo deixado como herança à sua família apenas alguns exemplares encalhados de seu único livro, Eu.  
 

Weber Fonseca em cena
de A Última Quimera

Ao final de uma das apresentações, ainda no SESC, tive a oportunidade de conversar com duas atrizes do elenco. Enquanto Mariza Junqueira (que substituía Michele Navarro, que estava de licença maternidade, à época) lembrava as possibilidades estéticas que os fizeram escolher A Última Quimera, de Ana Miranda, em vez de O Boca do Inferno (que estava originalmente nos planos da Cia.), e de como foi o intenso processo criativo com as duas diretoras – aqui chamadas de provocadoras -, Paula Mirhan, atriz  premiada por sua divertida atuação em Chalaça, mencionou a procura de espaços cênicos (em geral enormes e inusitados) para que o espetáculo pudesse ganhar toda a dimensão estética que a platéia recebe. Paula é cantora profissional e também solta a voz em A Última Quimera, em certo momento da encenação. Vale a pena ver e ouvir. Portanto, A Última Quimera se encontra à disposição daqueles que desejam ser provocados, no Teatro Sérgio Cardoso, no Espaço Marcenaria (Rua Rui Barbosa, 153, na Bela Vista). O espetáculo reestreou no dia 12 de outubro, depois de uma breve passagem pelo espaço da Unidade Provisória do SESC, na Av. Paulista. A temporada, assim, estende-se até 16 de dezembro, às sextas e sábados (às 21h30) e aos domingos, às 19h. Para quem quiser uma palhinha deste magnífico trabalho, é só dar uma espiada no blog do espetáculo, ou, ainda melhor, sentir a potência da Cia. Les Commediens Tropicales nesta sua atordoante investida poética, clicando no You Tube

Serviço
A Última Quimera, produção da Cia. Grupo Les Commediens Tropicales
Inspirado no romance homônimo de Ana Miranda
Adaptação: Cia. Les Commediens Tropicales
Texto Final: Carlos Canhameiro
Elenco: Carlos Canhameiro, Daniel Gonzalez, Débora Monteiro, Michele Navarro, Paula Mirhan e Weber Fonseca
Provocação: Georgette Fadel e Verônica Fabrini
Música e Sonoplastia: Allen Ferraudo
Cenógrafo: Zé Valdir
Iluminação: Marcio Aurélio
Figurinos: Bia Szvat e Isa Giuntini
Produção: Carlos Canhameiro
Assistente de Produção: Larissa Biasoli
Recomendação de faixa etária: 16 anos
Duração: 90 minutos

Teatro Sérgio Cardoso
Espaço Marcenaria (50 lugares)
R: Rui Barbosa, 153 – Bela Vista (São Paulo)
Informações: (11) 3288-0136
Ingressos: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia)
Horário da bilheteria
Vendas antecipadas: quarta a domingo, das 15h às 19h
Espetáculo do dia: até as 21h
c/c: Visa e Mastercard
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