Um Power Point faz toda a diferença. Quando antes toda e qualquer palestra ilustrada era regada a folhas e folhas intermináveis de transparências, isso para exibir imagens a platéias às vezes impacientes, um data show, filhote das tecnologias, vem muito a calhar. E esse foi o salvador da Pátria para um de meus maiores prazeres - ministrar palestras sobre História das HQs.
 
A ligação de quadrinhos e História é óbvia, salta aos olhos. Das cavernas de Lascaux e Altamira, com desenhos rupestres ilustrando caçadas, passando pelo desenvolvimento da Imprensa por Johannes Guttenberg, na Alemanha renascentista (a Imprensa foi o invento que se tornou o verdadeiro divisor de águas da História humana) e chegando até às análises psicológicas (verdadeiros atiçadores do horrendo Código de Ética e da censura da Guerra Fria nos quadrinhos, no cinema e na TV) feitas pela cabeça do Dr. Frederick Wertham, também alemão, em seu livro A Sedução dos Inocentes, tudo está alinhavado. A aventura humana contada pelas imagens e pelos textos em seqüência é quase um bebê.
 
Nosso ítalo-brasileiro Angelo Agostini, pelos idos de 1860, concebeu seu Nhõ Quim e as aventuras por uma terra brasilis (praticamente) trinta anos antes da publicação de Hogan´s Alley, criadouro e quintal-mor do Yellow Kid de Richard Fenton Outcault. É preciso que se diga. Outra coisa legal de lembrar é a influência de publicações americanas e francesas (e de personagens carismáticos como a empregada Becassine) na origem de O Tico-Tico (dentro da redação de O Malho, e isso a professora e pesquisadora Maria Cristina Merlo está mais do que habilitada para destrinchar, mestra que é no assunto).
 
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 Sobrinhos do Capitão  | 
Que 
Max und Moritz, de 
Busch, deu origem aos 
Sobrinhos do Capitão, (os personagens alemães imigrantes) de 
Dirks, é tão verdadeiro quanto 
Chiquinho e Jagunço, em 
O Tico-Tico, vieram diretamente da fonte do mesmo Outcault do 
Yellow Kid. 
Buster Brown, o garoto traquinas das classes altas, sempre foi conhecido entre nós como Chiquinho. O cão Tige virou Jagunço, e a eles ainda foi acrescido, no Brasil, um “negrinho de recados” das mansões ricas, o Benjamin. Lembremos o alto teor racista daquele instante histórico, início do século XX (nada que a novela 
O Cravo e a Rosa, de 
Walcyr Carrasco, não tivesse mostrado com toda propriedade). Não haveria mesmo espaço para um 
Hogan´s Alley brasileiro nos quadrinhos, não em 
O Tico-Tico, embora 
Aloysio Azevedo o tivesse descrito em  seu romance 
O Cortiço. 
Outra coisa interessante é ver o trabalho pantagruélico desses artistas máximos dos quadrinhos que são 
René Goscinny e 
Albert Uderzo na concepção de todo o universo de 
Asterix. Ou de artistas como 
Hal Foster, que deixou 
Tarzan, que ilustrava para livros de 
Edgar Rice Burroughs, para vender a 
William Randolph Hearst e para a King Features a magnífica obra-prima que é 
O Príncipe Valente. E que pesquisa, meu amigo! Não só os figurinos e cenários, como também (e principalmente) o 
modus vivendi daquele pessoal da Idade Média. Perfeito para professores darem aquela palhinha a seus alunos sobre esse período histórico.  
Impossível falar de 
Manara em 
Bórgia, trabalho colossal, sem olharmos para figuras e figurinos da Renascença italiana, o que já nos dá uma amostra da pesquisa do grande quadrinhista. Uma rápida corrida no 
Google já nos ajuda, e muito. Mesmo as deliciosas tolices de 
Pafúncio & Marocas (
Bringing Up Father), de 
George McManus, mostram como pensavam e viviam os habitantes da classe chamada “
nouveau riche”, em princípios do século XX, nos Estados Unidos. Divertido também é ver como os preconceitos sociais persistem, se atentarmos para os personagens de 
Blondie, criados por 
Chic Young, (ela pobre e ele rico, porém o rapaz foi deserdado pela família por ter casado com uma moça não pertencente ao 
upper class), e que vão viver, portanto, as agruras da classe média. 
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 Little Nemo in Slumberland  | 
Mesmo a obra-prima de 
Winsor McCay, 
Little Nemo in Slumberland, com os sonhos que só 
Freud poderia explicar e o menininho sempre caindo da cama em todo quadrinho final, nos dá mostra perfeita da "
art nouveau" da Era vitoriana. Um mundo que se transformou por completo depois das Guerras Mundiais, de 
Betty Boop e seu erotismo nos anos 1920, ou com outro exemplo, 
Terry e os Piratas, do grande 
"Michelangelo do 
chiaroescuro" Milton Caniff, durante os anos 1940.  
Enfim, podemos aqui traçar inúmeros paralelos (
Bolinha e Luluzinha, de 
Marge, misturados num liquidificador a 
Peanuts, de 
Schulz, desembocando na 
Turma da Mônica, de 
Mauricio de Sousa) e momentos de ação/reação (
Turma do Pererê, de 
Ziraldo, sendo publicada até abril de 1964 e o movimento militar iniciado no final de março daquele ano), coisas que enfim só podem enriquecer uma aula e nutrir infinitas discussões sobre classes sociais, períodos históricos, modos de vida, maneiras de pensar e ver o mundo. Os quadrinhos estão aí, pra quem quiser revirar a História. E vice-versa.