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Por Carlos Patati 03/04/2011
Um dos exemplos mais clamorosos é toda a sequência de tiras e páginas dominicais que conta a saga dos casamento do Fantasma-que-anda com Diana Palmer, assinada pelo Barry, mas executada, lápis e nanquim, em 1977, por Le Blanc. O qual fez desse modo por solidariedade com o colega espremido pelos prazos. Já estava acostumado a não assinar: na primeira fase de sua vida norte-americana, não assinou nem o que fez com Will Eisner, nem o que produziu em Flash Gordon, sob a concepção gráfica de Dan Barry, não da de Alex Raymond, que teria sabido acompanhar do mesmo jeito; mas era desenhista, não editor, se adequando àquilo que perceberam como correto naquele momento.
Le Blanc chegou ao Brasil em 1947, casado com uma brasileira, e rápido se firmou como um dos principais ilustradores no mercado, tendo “de saída” se tornado o ilustrador da obra infantil de Monteiro Lobato. Durante décadas seus desenhos foram o padrão, tendo dado a cara de todos os personagens do Sítio por anos e anos, antes deles chegarem na TV Globo. O único livro de Lobato que não ilustrou foi “Os Doze Trabalhos de Hércules”, sabe-se lá por que cargas d'água. Em 1950, a Ebal, que então era a principal editora brasileira de quadrinhos, lançou as Edições Maravilhosas adaptando para quadrinhos títulos importantes da literatura brasileira. A edição de adaptações literárias já vinha do fim dos anos quarenta, quando a própria Ebal e suas imitadoras publicaram no Brasil as adaptações da literatura norte-americana e européia que nos EUA então grassavam, e cujo principal título era o “Classics Illustrated”. Não que esses quadrinhos fossem grande sucesso comercial; aqui, como nos EUA, o assunto era legitimar seus editores, levantar algum prestígio para os quadrinhos, que eram publicações altamente suspeitas. Tanto nos EUA, como aqui, por importação da postura. Quando a Ebal quis mostrar ao grande público que fazia parte do ambiente cultural nacional, que quadrinhos eram dignos de compra e leitura, deu-se conta de que não publicava adaptações da literatura brasileira; de que não poderia, naquele momento nacionalista, prestar atenção a “O último dos moicanos”, sem se interessar pelo “Guarani”! Então empreendeu a tarefa de criar edições especiais da sua “revista de luxo” adaptando nossa literatura; uma revista alinhada com a “Série Sagrada” e a “Grandes figuras da Nossa História”, na tarefa de angarias respeitabilidade para a editora.
A revista teve várias edições, e muitos desenhistas, como Manoel Victor Filho, Nico Rosso, Ramón Llampayas, Aylton Thomaz, Gil Coimbra, José Geraldo, Gutemberg Monteiro (que depois teve longa carreira internacional, também) e outros. Mas é claro que os melhores títulos tanto do romantismo como do realismo brasileiros caíram nas mãos de Le Blanc, que com os anos se aperfeiçoou na sua realização. Ao “Guarani”, se seguiram “Iracema” e “Ubirajara” (a fase indigenista e aventureira da obra de José de Alencar), e mais tarde “O Tronco do Ipê” , de um momento menos aguerrido de nosso principal romântico (pena que Álvares de Azevedo não teve vida mais longa.). Sua colaboração dom a Ebal, freqüente e ininterrupta, prosseguiu com alguns dos principais títulos da obra do realista José Lins do Rego, com “Menino de Engenho”, “Doidinho”, “Banguê” e “Cangaceiros”. Isso sem falar em exemplos específicos de livros de diversos outros autores, como “A Muralha” (Dinah Silveira de Queiroz) “A Amazônia Misteriosa”, (Gastão Cruls), “Sinhá Moça” (Maria Dezonne Pacheco Fernandes), “Cascalho” (Herberto Sales) e outros.
Isto não quer dizer que Le Blanc não tenha realizado trabalhos assinados, também no mercado externo. Podemos citar “Morena Flor” série publicada não só no Brasil como na Argentina e em diversos países de fala espanhola, e a engraçadíssima “Intellectual Amos”, ainda dos anos 40 e 50. “Morena Flor” é uma série magistral, do ponto de vista do traço, mas limitada, quanto aos argumentos aventurescos que apresenta. A outra é mais bem sucedida. As HQs são bem escritas, e muito bem desenhadas, sendo hoje um clássico da HQ infantil americana. Amos é um precursor hilariante, do excelente personagem de Alan Moore e Kevin Nowlan, “Jack B.Quick”, que saiu na infelizmente defunta “Tomorrow Stories”. A premissa é a mesma: um gênio mirim, de modo sempre engraçado, traz para os leitores informações científicas contemporâneas ao autor. “Intellectual Amos”, ainda nos anos 40, já fala no mosquito da dengue (e de diversas outras doenças!). A diferença não é só do repertório muito mais sofisticado hoje à disposição de um homem de leitura, como Moore, mas da criatividade e ousadia deste ao desenvolver os episódios e combinar os assuntos. O modo como faz piada e o detalhismo do traço de Nowlan fazem com que a série nitidamente seja mais adulta que a de Le Blanc, talvez de propósito. Mas as sementes estão nesse trabalho pioneiro do desenhista haitiano, que teve carreira mais longa e produtiva de que a de muitos célebres. Pelo outro lado, quando o camarada se torna referência, vira até personagem. No começo dos anos 70, a revista da Turma Titã mostrou um episódio em que os jovens americanos se aliaram a um herói russo no combate a um sofisticadíssimo ladrão de jóias francês, que dá o maior trabalho à turma. O nome do ladrão de casaca? André Le Blanc! Sim, a vida dá muita volta, que o diga esse gigante do traço, muito injustamente esquecido entre nós! |
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