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Mega Zine – Todo Quadrinho: Parte 2
Por José Salles
15/01/2007

Além da marcante presença do Analista de Bagé, as páginas de Mega Zine recepcionaram outros memoráveis personagens dos Quadrinhos brazucas: Hector El Salvador, criado por Gilmar & Sílvio, mostra o lado ridículo da luta armada stalinista e apareceu nos números 1 e 5 – neste último com uma HQ hilariante chamada A Revolução Branca, onde Hector sem querer acaba dominando o tráfico de cocaína dos morros cariocas (alguém aí lembrou das Farcs colombianas?). Primeiramente ele proíbe a circulação da droga, trazendo desespero à população do Rio de Janeiro, mas aos poucos vai se convencendo de que a melhor forma de “revolução” seria distribuir o tal do pó branco para os “oprimidos”... Outro personagem notável a marcar presença nas páginas de Mega Zine foi o Glaucomix Pedólatra de Glauco Mattoso & Marcatti: o sujeito tarado por pés chulepentos teve duas participações na Mega, nos números 5 (Foi um Rio que pisou em minha língua) e 6 (O meio é a massagem) – referem-se a dois capítulos da adaptação quadrinhística do livro de Mattoso, Manual do Pedólatra Amador, lançadas posteriormente no antológico álbum de luxo (ou lixo?) As Aventuras de Glaucomix, o Pedólatra.

Rocky & Hudson, de Adão Iturrusgarai

Autor hoje reconhecido por todo o Brasil, despontou nas páginas de Mega Zine: Adão Iturrusgarai, e seus aloprados caubóis gays Rocky & Hudson. Revendo os traços de Adão nas HQs publicadas na Mega, é incrível perceber a evolução de seus desenhos. Aqui ainda muito inspirado por Henfil, desenhos toscos e cheios de movimento, diferente do traço mais vigoroso que apresenta nos dias de hoje. Seu bom humor é que esteve sempre afiado: além das estripulias boiolas de Rocky & Hudson (presença quase fixa na revista a partir do número 3), Adão brindou os leitores com outras hilariantes HQs. Logo no primeiro número veio com Cry-Cry, que pode ter duplo sentido e nacionalidade: em inglês, referente a uma criança que chora sem parar, capaz até de acabar com a seca do nordeste, e também em português, uma criança cri-cri. No número 2 Adão a(ssa)ssina O Casal Amador e suas ultra-exageradas perversões sadomasoquistas. Curioso também foi o inusitado Bronha Sutra, onde mostra dicas para uma boa punheta e também O Agente Laranja (estas duas últimas, publicadas no número 5).

Urbanóides, devaneios surrealistas, delirantes, antropomórficas metáforas de Lapí, fizeram tanto sucesso nas páginas da Mega (a partir do número 4) que acabaram virando estampa de camisa. As melhores HQs publicadas na trajetória da Mega Zine foram criadas pelo dupla de editores, Flávio Braga (roteiros) e Juska (desenhos). Estrearam no número 1 com Sob Medida, mostrando um homem de meia-idade curtindo a aposentadoria ao lado de uma mulher-robô – e veremos que nem mesmo esta condição vai livrar o personagem do ciúme. No segundo número, uma HQ que é um primor: Bodinho vai ao Paraíso – por trás de um pesadelo da classe-média (o assalto a residências) se escondem fantasias de uma dona-de-casa aparentemente recatada, mas sedenta de vingança. No número 3 a dupla Flávio/Juska volta arrebentando em Dulce, mostrando um insólito caso de necrofilia. Verinha Verão é a marcante HQ do quarto número da Mega, onde temos um burocrata estatal fascinado com a beleza de uma ninfetinha que ele descobre ser uma puta – mas o programa não vai ser tão agradável quanto ele pensa. Uma tarde quase surrealista nos subúrbios de classe-média baixa. A dupla de editores volta no número 7, com Os Dissolutos, um olhar irônico sobre o conflito de gerações.

A HQ de Flávio Braga & Juska publicada no número 8 (e que teria uma seqüência no número 9) da Mega Zine merece comentário à parte. Como devem ter reparado os leitores com mais de 35 anos, a circulação dos nove números da Mega abrangeu um período efervescente da política brasileira: a agonia da Nova República de José Sarney e o surgimento da candidatura de Fernando Collor de Mello, no rebuliço da primeira eleição presidencial após 1964 (Collor que venceria as eleições dois meses após o cancelamento da revista). O apoio quase descarado (“quase” pois nunca foi totalmente assumido) que a poderosa Rede Globo de televisão dava a Fernando Collor de Mello serviu de mote para a HQ Mídia Terminal, que conta uma história onde pessoas estavam se suicidando, quase todas com algo em comum: portavam doenças terminais e deixavam bilhetes de agradecimento a um tal Milton Bier, que ninguém sabe de quem se trata, mas cuja presença fantasmagórica põe em risco a eleição de um certo candidato apoiado por um poderoso grupo de mídia. O nome deste candidato? Janis Colorido. Ele é empurrado do alto de um edifício, mas estaria de volta no número 9 da Mega Zine em Deus é de Direita.

Ritz Hotel, de Guazelli

Janis se encontra no céu e consegue, através de suborno, uma audiência com Deus. Confesso que na época, durante as eleições de 1989, e até algum tempo depois, eu também fiquei revoltado com a atuação da Rede Globo na disputa eleitoral. Mas, passado já algum tempo, a roda da História girando, vocês bem se lembram quem foi o candidato derrotado por Fernando Collor de Mello, não lembram? Quem diria, Roberto Marinho tinha razão... Além das HQs de Flávio Braga e das tirinhas já comentadas, Juska ilustrou HQ escrita por Moacyr Scliar chamada Pausa (no #5). Esta HQ, chata e incompreensível (pelo menos assim me pareceu, qualquer coisa, desculpem minha ignorância) prova algo de que suspeito há muito tempo: é muito mais difícil escrever roteiro de HQ do que um livro. Outros autores abrilhantaram sobremaneira as páginas de Mega Zine, especialmente Guazelli, autor de memoráveis HQs. No primeiro número, Onk, Onk, Onk mostra uma rotina repleta de terrorismos urbanos. No número 2, temos uma pequena obra-prima deste autor chamada Ritz Hotel, HQ de cinco páginas, cada uma com um grandioso quadro, um melancólico poema sobre violência e solidão urbanas.

Chega o número 3 e temos de Guazelli uma HQ de traço ao mesmo tempo perturbador e debochado, intitulada Ciência para as creanças (é com “e”, mesmo), onde se explica como nascem os travestis. No 4º número há Patropi, uma claustrofóbica historieta noir sobre um matador de aluguel.

Continua...

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Homens em Guerra #7

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Combate #2 – Edição Especial

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