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Entrevista: Franco de Rosa
Por Marcio Baraldi
12/06/2009

A Opera Graphica acabou porque cumprimos nossa meta original!

Ele nasceu para o trabalho! E coletivo ainda por cima! Esse é o resumo do espírito de Franco de Rosa, um dos nomes mais sólidos e importantes do mercado de Quadrinho brasileiro. Nos últimos 35 anos, ele esteve envolvido na maioria esmagadora dos projetos de criação, produção e desenvolvimento da HQ Nacional. Desde os anos 1970 vem participando ativamente de editoras, fundando outras, incentivando novos artistas e resgatando veteranos, aglutinando profissionais em torno de projetos viáveis, que geraram muitos empregos e muitos capítulos da história da HQB. Enfim, mais que um desenhista e roteirista talentoso, Franco rapidamente se destacou como uma liderança natural da categoria e um realizador de sonhos coletivos. Sua última empreitada foi fundar, ao lado do empresário Carlos Mann, a Opera Graphica, editora que construiu uma meteórica e incomparável trajetória ao longo dos últimos dez anos. Trajetória que se encerrou definitivamente na semana passada, com o lançamento de seu último e derradeiro livro, Fantasma - Biografia Oficial, de Marco Aurélio Luchetti. De todos os projetos de Franco, a Opera foi, sem dúvida, o mais arrebatador. Em exata uma década de atuação, a editora lançou mais de 400 obras, entre gibis vanguardistas, álbuns caprichados e livros luxuosos, dos mais diversos autores e gêneros da HQ. Nenhuma editora fez tanto pelo Quadrinho nacional em tão pouco tempo quanto a Opera Graphica. Nenhuma acreditou tanto em novos autores e resgatou esquecidos veteranos como ela. Nenhuma concedeu aos artistas nacionais tantas oportunidades de publicar com alta qualidade e dignidade. Nenhuma cresceu tão rápido e de forma tão organizada. Nenhuma foi tao polêmica! Então, sendo assim, por que seus donos resolveram encerrar abruptamente uma empresa que estava em seu auge profissional??? Por que Franco e seu sócio Carlos, resolveram tirar do mercado justamente a editora que mais fez por esse mercado??? Muito se falou pelos blogs da vida, muito se especulou, mas agora o público terá finalmente o resumo dessa ópera pelas palavras do próprio Franco que, de quebra, ainda deu uma geral em sua longa e intensa carreira. Aproveitem bem esta, que segundo o próprio entrevistado, foi a entrevista que mais esforços lhe exigiu para ser respondida. Mas valeu o esforço, pois as respostas realmente valeram a pena. Com vocês, com toda franqueza, Mestre Franco!

Pra começo de conversa, eu digo, sem medo de errar, que a Opera Graphica foi a editora que mais acreditou e investiu no Quadrinho nacional nos últimos dez anos. Você concorda ou estou exagerando? Como diria Sinhôzinho Malta: "Tô certo ou tô errado (risos)?!?".

Na verdade nosso projeto inicial era de só publicar Quadrinho nacional. E publicar álbuns e livros só de vez em quando. Mas como surgiu a possibilidade de publicar a DC e King Features, acabamos mudando o rumo da editora. Comercialmente a linha Vertigo e os clássicos foram muito bem. Mas nós pudemos editar os Quadrinhos brasileiros que ninguém acreditava. E um certo Baraldão tornou-se nosso big hit! Um artista que sabe que o artista brasileiro tem que superar os gringos. Tem que bater a falta e correr para cabecear na área pra fazer o gol. Você, Colonnese, Primaggio, Zalla, Saidenberg, Marcatti, Shimamoto, Colin... atuaram como puderam para divulgar seus álbuns. Quem teve as obras lançadas e ficou lá no seu canto aguardando os dólares dos royalties tá esperando até hoje. Porque as obras não aconteceram. O povo esquece do lançamento no dia seguinte.

JAL, Luis Chilson e Franco em 1979: "Quando fazíamos a revista Klik"

Vamos voltar no tempo e dar uma retrospectiva na tua carreira. Você começou profissionalmente desenhando o que, quando e pra onde?

Ih... aí vai longe. Comecei fazendo um fanzine em 1971. O primeiro fanzine a se auto identificar como fanzine, segundo o livro O Que é Fanzine do Henrique Magalhães. Em 1974 comecei a publicar tiras em jornais. E fiz isso até 1987, com interrupções. Trabalhei com desenho de propaganda. Desenhei o Praça Atrapalhado, para a editora Saber, cheguei a fazer uma capa do Fantasma, na época, mas ficou muito ruim e não foi publicada. Mas as duas capas que fiz do Zé, o Soldado Raso (Recruta Zero), saíram. Fiz a Klik pra Ebal, o Zorro Capa e Espada e muitos Quadrinhos eróticos pra Grafipar, de Curitiba. Nos anos 80 fiz muita ilustração para o jornal Folha da Tarde e revistas. Também escrevi muitos artigos sobre Quadrinhos, virando colunista do assunto em 1987. Nos anos 90 desenhei pouco. Praticamente só livros didáticos. Mas escrevi muitos roteiros. Como faço até hoje. Mesmo que seja pra gaveta.

Você participou praticamente de todas as editoras que publicaram HQ Nacional. Dá pra fazer uma árvore genealógica rápida de quais foram as principais para a história da HQB e o tamanho da contribuição de cada uma delas?

A partir de 1984 comecei a trabalhar como editor. Montei a Maciota com o Paulo Paiva. Editamos o Zorro, Humor Maciota e nosso best seller, Close - Quadrinhos Eróticos. Por 3 anos publicamos só Quadrinhos brasileiros. Muitos de ficção e terror. Mas também outros bacanas de humor, como Níquel Náusea, Chico Peste e Maciota. E revistas conceituais como Contatos Imediatos, Helldorado e Radar... que publicou um jovem iniciante de grande talento: Marcio Baraldi. Depois fui pra Sampa, onde continuei o gênero da Press e entrei no ramo de publicações infantis de passatempos. Que é a minha praia desde então. Já criei, desenhei e produzi mais de 2 mil edições diferentes deste segmento editorial. Passei pela Mythos editora, onde consegui, graças ao agente Wagner Augusto, os direitos do Tex. E pude trabalhar com os pilares do ramo editorial de super-heróis: Hélcio de Carvalho e Dorival Vitor Lopes. E agora faz dez anos que estou atuando com meu estúdio na Editora Escala.

Na sua opinião, qual foi a editora mais importante para a HQB em todos os tempos? Por quê?

Sei que você quer que eu diga que foi a Opera Graphica, pois nós realmente montamos um acervo de autores brasileiros que dá orgulho. Inclusive publicamos alguns títulos que, obrigatoriamente, deveriam ter sido lançados por instituições culturais. Ou mesmo órgãos oficiais. Coisas com grande valor histórico como nosso livro do Tico-Tico e o 50 Anos-Anos 50 do Álvaro de Moya. Mas, não tenho dúvida que foram a Continetal/Outubro e a Edrel de Minami Keizi, quem mais contribuíram para a formação do Quadrinho brasileiro. Elas só publicavam Quadrinhos brasileiros. E inovaram no conteúdo das revistas. A Continental começou a editar nos anos 50 e depois mudou de nome para Outubro. Mudando de dono, mas não de conceito, em meados dos anos 70, quando passou a se chamar Taika. A Edrel existiu de 1967 a 1973 e foi fechada pela censura. E a censura também conduziu a Taika para o encerramento. A Edrel tem um histórico diferente. Era uma editora gerada por filhos de japoneses. Possuía uma orientação de conteúdo diferenciada. Quando começou publicava gibis padronizados ao do mercado de seu tempo. Revistas com 32 páginas em PB e capas coloridas. Mas graças ao escritor e desenhista Claudio Seto,que levou à editora suas obras feitas em estilo mangá - isso em 1968. A Edrel passou a lançar gibis com 64, 96, 128 páginas, como eram os mangás naquela década, no Japão. E além das obras conterem narrativas em mangá, criadas pelo Seto, a Edrel lançava Histórias em Quadrinhos de conteúdo psicológico com visual de influência européia moderna criados por Paulo Fukue. Assim surgiram séries de alta qualidade nos enredos, como as ficções Pabeyma, de Nelson Cunha, e Fikom de Fernando Ikoma. E do mesmo Ikoma uma série chamada Playboy, uma tremenda paródia com crítica social e muito humor e aventura. Sendo que a Edrel em suas revistas de humor lançava cartuns de Ralf, Fab, Mikio, Crispin, Victor Ford, Luscar e Rau, uma geração de cartunistas, fritados pela censura. Só o Luscar continuou porque foi para o Pasquim, mas teve que se mudar para o Rio. A Edrel ficava em São Paulo e publicava uma revista chamada Garotas e Piadas. Um fenômeno também comercial, vendia mais de 100 mil cópias por mês. Tinha crônicas, entrevistas, artigos, Quadrinhos e muitos cartuns e piadas. Nenhuma editora foi tão longe com o Quadrinho nacional! Mas não podemos esquecer a Continental/ Outubro/ Taika dos anos 50/60/70, de Jayme Cortez e Miguel Penteado. Eles lançaram pelo menos 6 mil títulos diferentes de gibis. Desde o infantil Cacareco, inspirado em um rinoceronte famoso do zoológico paulistano, desenhado por Queirós, até a inovadora Naiara, Filha do Drácula, de Helena Fonseca e Nico Rosso. Teve a Grafipar nos anos 70/80, a Bloch e a Vecchi. Nos anos 60/70 teve a O Livreiro, a GEP e a Prelúdio. E ainda, nos anos 80 a Circo do Toninho Mendes com o grande escalão, Angeli, Laerte, Glauco, Luiz Gê, Paulo Caruso e outros feras. E na sequência, nos anos 90, a Sampa, que além de se associar com a Circo ainda bancou muitos gibis brasileiros. Até mesmo um da banda Ratos do Porão, feito pelo Marcatti. E muitas outras pirações editadas por este que vos fala, como a histórica Mulher Diaba de Flávio Colin e Tributo a John Lennon. Uma das melhores antologias de novos autores da época.

Traço infantil e traço mangá de Franco de Rosa

Você começou como roteirista e desenhista. Na sua opinião, qual o seu melhor trabalho em cada uma destas funções? Quais os trabalhos que você mais se orgulha de ter feito, o grande destaque de seu portifólio?

Gosto do Zorro! E muita coisa da Klik. Das tiras e das ilustrações da Folha da Tarde. Mas o que mais gosto mesmo são das histórias feitas para a Grafipar e Press. Meus Quadrinhos eróticos, que não são pornográficos. São obras para adultos que pretendo reunir em um livro este ano. São mais de 20 histórias curtas. As que mais gosto foram desenhadas por meus amigos Mozart Couto, Bonini, Seabra, Wanderley Felipe e Gustavo Machado. Em meu portifólio de artes só entram ilustrações. A maioria aquareladas.

Você se tornou mais conhecido como editor. Quando você decidiu assumir essa função, em que editora foi e por que optou por isso? O salário é melhor? Se for, me avisa que vou virar editor também (risos)!...

Virei editor, modéstia à parte, por força de minha liderança natural. Por querer empreender. Desde garoto eu junto os criadores de histórias, autores de personagens, repórteres, cartunistas, desenhistas, jornalistas, etc. Aos 12 anos formei o primeiro grupo de desenhistas para fazer um almanaque de Quadrinhos e histórias folclóricas. Aos 14 uni alguns moleques que escreviam para fazer um jornalzinho no ginásio. Aos quinze juntei colecionadores de gibis que sabiam escrever bem para fazer um fanzine de Quadrinhos. O tal que foi o primeiro do Brasil. Depois juntei desenhistas para levar tiras para os jornais. Mas só eu e o Seabra fizemos as tiras. No entanto, aos 19 anos eu já levava pra Ebal um projeto de revista completo com um elenco de quase 10 artistas. Sempre gostei de trabalhar em equipe. E gosto de conhecer o trabalho de outros artistas. Para mim não há nada no mundo mais gratificante que contatar um artista. Poder admirar seus esboços, sua opinião e experiências. Depois é só compartilhar os louros da evolução dos trabalhos, que vem naturalmente. Você, Baraldi, é um bom exemplo. Você mandava desenho pro planeta inteiro como um demente. E conseguir evoluir seu traço e conceito de humor como poucos no mundo.

Pôxa, tio, assim eu vou chorar (risos). Deixando a Opera de fora, quais foram os melhores gibis que você editou em outras editoras? Nessa fase de sua carreira, quais revistas você considera seu supra-sumo?

Gosto de todas as revistas da Press. E todas da Sampa. Mas a que sempre que pego na pilha e leio de novo é a Radar. Que, faz pouco tempo, descobri que mereceu uma análise bacana do José Salles, aqui no Bigorna. Pois o Salles, em 22 de junho de 2007, vinte anos depois (nossa, como o tempo passa) analisou a Radar e captou exatamente qual era a minha pretensão ao editar aquela revista. E ainda deu um título ótimo pra matéria: Radar, uma revista com jeito de fanzine. Acontece que eu realmente edito até hoje como se estivesse fazendo um fanzine. Eu gosto de ser informal, de quebrar padrões, de viver sem regras. E de priorizar os detalhes. Mas sinto até hoje que a Radar não tenha sido impressa com o papel que eu queria, o couchê de 115 gramas. Saiu em sulfite 75 gramas transparente. Terrível!

Como nasceu a Opera Graphica? Você acha que ela foi a melhor editora a qual você se dedicou até o momento? Fazendo um balanço desses dez anos que a Opera durou, quais foram os maiores erros e os maiores acertos de vocês?

A Opera Graphica nasceu porque eu e Carlos Mann queríamos publicar autores brasileiros e Quadrinhos. Nos conhecíamos fazia mais de 10 anos. Éramos produtores de editoras concorrentes, mas acabamos nos encontrando vendendo projetos de revistas para a editora Escala. E como a Escala não se interessava por Quadrinhos e nós dois tínhamos muitos quadrinhistas como colaboradores em comum, além dos amigos ligados a Quadrinhos, partir para a publicação de Quadrinhos foi inevitável. E lançar obras nacionais o caminho natural. Isso foi em 1999. Mas acho que não me dediquei o suficiente. A gente olha pra traz e vê que muita coisa poderia ter saído melhor. Sei que todos se surpreendem com a quantidade e a qualidade do que lançamos,mas eu acho que podia ter realizado uma coisa aqui e outra ali diferente. Hoje tanto eu quanto o Carlos abordamos muitos detalhes editoriais e gráficos de forma diferente. Apesar de estarmos encerrando a Opera Graphica, por termos cumprido nossa meta original, e "não porque falimos", como já publicaram por aí, eu e Carlos Mann continuamos trabalhando juntos, fazendo livros e revistas para terceiros. Fora do ramo dos Quadrinhos, como já fazíamos antes da Opera Graphica existir. Continuamos amigos como sempre. "Não brigamos", como também dizem por aí!

O Carlos Mann sempre teve um temperamento explosivo, mas ao mesmo tempo, é um sujeito extremamente generoso com todos, idealista e visionário. Qual a sua avaliação do Carlos como pessoa e profissional e como foi conviver com ele nesses dez anos? Você diria que aprendeu muito com ele?

O Carlos é uma das pessoas mais generosas que eu já conheci. Mas dizer que ele é "uma pessoa de bom coração" já causou tantos problemas para ele que eu me benzo (e estou fazendo isso agora de verdade, e com muita fé) para que não cause novos aborrecimentos pra ele a partir desta declaração. Ele não só valoriza os trabalhos das pessoas como tolera erros de quem nem merece perdão. Mas o Carlos possui a capacidade de, mesmo em um momento de muita emoção, fazer a pessoa identificar seu erro. Que é diferente de fazer admitir que errou. Porque aí a pessoa pode só dizer que errou, mas não se corrige. Trabalhar ao lado do Carlos é saber que está se fazendo um trabalho íntegro. Ele é muito inteligente e ágil, muito bem informado de tudo. É muito seguro e transmite segurança. Gosta do seu próprio trabalho. É muito ordeiro, prático e justo. Eu o admiro muito mais, no entanto por seu talento artístico. Além dele, só conheço o Elifas Andreato, que sem formação acadêmica alguma, realizam, cada qual na sua, naturalmente, obras de inestimável qualidade. O Carlos é extremamente cauteloso e sensível e não tem medo de investigar novas possibilidades. Gosta de saber da opinião dos outros. E, o que acho ainda mais louvável, mesmo quando está satisfeito com sua obra, se o cliente não gosta, não polemiza. É muito prático. Aprendi muito e mais um pouco com ele, até agora. E vou continuar aprendendo.

Eu pessoalmente gosto muito do Carlos. Consigo entendê-lo facilmente. Ele já berrou comigo zilhões de vezes e depois que se acalmava, me beijava o rosto e falava pra todo mundo: "Gente, eu adoro esse cara!" (gargalhadas). Eu o considero um gênio mal compreendido, e gênios nem sempre são fáceis de lidar, né?

É fácil de lidar com o Carlos. Basta ser íntegro e ser você mesmo. Ele me ensinou a não ver as pessoas como se elas apenas usassem viseiras na cara, focando apenas seu próprio trabalho ou ponto de vista. Ele até teorizou que a gente primeiro deve se colocar no lugar do outro. E assim sentir como a pessoa está chegando até você e quais são os problemas que ela enfrenta.Coisas que normalmente achamos que é bobagem, mas que, ao nos colocarmos no lugar do outro percebemos que uma barreira real precisa ser ultrapassada ali. Nos últimos 20 anos de convivência com o Carlos, no entanto, ainda me incomoda o fato dele não comer alface nem brócolis (risos)!

Traço juvenil de Franco de Rosa

Tem saído na imprensa mil especulacões sobre o fim da Opera. Já falaram em falência, em briga, só faltou falar em morte (risos). Afinal de contas, por que a Opera acabou, se ela estava num ritmo excelente de lançamentos?

Já antecipei alguns pontos desta questão nas respostas anteriores, mas vou tentar explanar mais: a Opera Graphica foi criada com o objetivo de publicar Quadrinhos brasileiros! E de fazermos lançamentos esparsos. Porém, nós passamos a editar obras estrangeiras e lançar periodicamente. Religiosamente mesmo. No sétimo ano nosso volume de produção era tão grande que nós dois não conseguíamos saborear nossos próprios produtos. Também nós dois passamos a nos realizar mais com os nossos trabalhos editoriais que não envolvem Quadrinhos. E, como é sabido, o ramos de Quadrinhos de arte não é altamente lucrativo. Daí que, se nós já publicamos muito mais do que planejamos originalmente, se nos realizamos mais hoje com os novos projetos editoriais para terceiros. Se os Quadrinhos nos conduzem a um maçante círculo vicioso, porque continuar? Encerrando o ciclo nós podemos ver a nossa história com começo, meio e fim. Nós só estamos concluindo um projeto. Resolvemos encerrar de uma forma prática. Concientemente. Num momento bom. Sem esperar crises. Aquilo que Geoge Lucas e Spielberg deveriam ter feito na trilogia Indiana Jones. O projeto estava concluido... foram continuar e deu no quarto episódio pifio...

Quantas obras a Opera lançou nestes dez anos e quais você considera as principais, o supra-sumo da editora?

Nós lançamos mais de 300 itens, muito mais do que a gente idealizou no começo. Queríamos ser um canal opcional, não uma empresa competitiva. Mas foram pouquíssimas as coisas eu não gostei de termos lançado. Gosto muito de Sandman - Capas na Areia, O Tico-Tico, Recruta Zero Ano Um , 50 Anos - Anos 50 do Moya e Calafrio 20 Anos. Todos, projetos idealizados pelo Carlos Mann. Mas fico orgulhoso de toda a linha Vertigo.

Como você e o Carlos dividiam as funções na editora? Cada um era responsável pelo que?

A gente sempre faz de tudo um pouco. Houve um tempo que eu administrava as publicações de banca e o Carlos as da gibiterias. Mas eu abusei do fato dele ter uma equipe maior em seu estúdio, e atuar em São Paulo. Assim o Carlos acabou tendo que produzir e administrar mais que eu.

A pergunta que eu mais queria fazer: de quem foi a maravilhosa e nobre idéia de resgatar os mestres da HQB que estavam esquecidos, como Colin, Malagola, Shimamoto, Zalla, Saidemberg e Collonese? Seja de quem foi, Deus que abençõe pelo gesto, já ganhou seu cantinho no céu (risos)!!!

Esse foi o motivo do nascimento da Opera Graphica Editora. O Carlos tinha comprado pessoalmente antes da editora existir os direitos do Julio Shimamoto de uma série de histórias para publicar em algum lugar. Esse "lote" se transformou na antologia Volúpia, nosso primeiro livro. Mas como os nossos amigos do estúdio comentaram, "vocês só lançarão reprises?"... nós ponderamos e, ao orçar a gráfica, constatamos que seria mais barato rodar dois livros ao invés de um só. Então resolvemos fazer outro. E oportunamente alguém indicou o Marcatti, com quem eu havia colaborado em uma revista independente fazia uns anos e ele tinha um trabalho novo, em estilo independente, e de certa forma também era um veterano sem lugar na mídia. Minha queda pelos grandes mestres é antiga. E Carlos já os contatara para desenharem as "graphic clips", revistas de rock e música pop, que ele produzia para a Escala, como o Colin. Mas bastou sair o primeiro livro e a divulgação de nosso interesse em Quadrinhos brasileiros que o mestres se manifestaram. E o que foi mais bacana, eles sempre participaram dos eventos ligados aos lançamentos. E sempre batalharam também na divulgação.

Afinal de contas, a Opera teve retorno financeiro de tantos álbuns nacionais que lançou ou só teve preju? Quais foram os best-sellers da editora, tanto nacionais como estrangeiros?

Os álbuns nacionais deram prejuízo em sua maioria. Mas com o volume e com as promoções acabam por se pagarem. E muitos sucessos acabam cobrindo os buracos de outros. Nossos best sellers foram seus livros, Baraldi, porque você é um fenômeno de popularidade na área alternativa e rockeira. Batman, 100 Balas, Neil Gaiman, Groo, Fantasma e Recruta Zero também vendem bem. A grande maioria tem venda mediana. As edições de desenho de Mozart Couto e Colonnese vão bem também, mas os Quadrinhos deles nem tanto. O Quadrinho de humor brasileiro parece ter um desempenho melhor que os outros gêneros mais sérios. O que foi dificil de aceitar e também transmitir para os autores nacionais veteranos, foi em relação às tiragens. Foi difícil, no início, eles aceitarem a nossa tiragem de apenas mil exemplares (2 mil no caso dos seus, Baraldi). Não conseguiam entender que atuamos em um mercado "elitizado". Eles são de um período em que qualquer gibi de terror se imprimia 70 mil cópias. Hoje creio que só a Turma da Mônica, que é o gibi mais popular do país, possua esta tiragem. Por isso que os 400 mil exemplares da Mônica Jovem estilo mangá causaram tanto alvoroço!

Você acha que a Opera teve o reconhecimento que merecia, tanto por parte do público, quanto da imprensa especializada e dos prêmios do ramo (Angelo Agostini, HQMIX e Bigorna)? Quantos prêmios a Opera ganhou nesses dez anos? Você os considera suficientes ou acha que merecia mais?

Capa do livro As Taradinhas dos Quadrinhos, de Franco de Rosa

Eu acho que a Opera Graphica foi muito bem divulgada pela grande mídia. A mídia especializada também nos deu muita força. Eu gostaria de ter recebido mais prêmios, mas sinceramente só os relativos as obras brasileiras me comovem e motivam. Porque receber prêmio por editar obras lançadas no exterior e consagradas é meio sem graça. É legal ser premiado por um Príncipe Valente, porque na verdade estamos preservando um clássico e cultuando um estilo de álbum criado pela Ebal. Ou um Recruta Zero (que não ganhou prêmio algum) que é um clássico gringo que nós  lançamos em um formato e com um projeto audacioso que nem mesmo os americanos ousaram. Aliás copiaram nosso projeto ao fazer depois o livro do Popeye. O que nos incomodou e incomoda a todos os editores, e aproveito este momento para fazer este comentário, é o imenso número de "achismos" que acontece nos blogs, sites, jornais e até mesmo em publicações especializadas. Especula-se tudo. Mas sempre me lembro do que o Naumim Aizen dizia para os leitores nas seções de carta dos gibis da Ebal: a total maioria daqueles que escrevem ou falam sobre HQ são fãs, e a partir do momento que leêm uma revista ou passam a cultuar um personagem, se sentem também donos deles. E acabam por querer interferir nas edições e até mesmo na autoria deles. Que o diga o Angeli quando resolveu matar a Rê Bordosa. Até hoje ele é crucificado pelas fãs. E muitas delas deixaram de ler Quadrinhos por isso. Daí que minha conclusão é simplória mesmo. É impossível satisfazer a todos os gostos!

Nesses anos todos de Opera, você enfrentou intrigas, má-vontade, boicote, desprezo, olho-gordo, macumbas (risos) e afins? Ou foi tudo tranquilo? Como você avalia o relacionamento entre a Opera e outras editoras ou pessoas ligadas ao mercado da HQB?

Hoje tenho certeza que a Opera Graphica, Devir, Via Lettera, Conrad, Brainstore e Mythos foram usadas em um jogo de interesses para valorizar os produtos da DC. Houve um leilão desleal. Contratos desfeitos à revelia. Até que se encontrasse uma empresa que bancasse o alto valor anual que a DC precisa obter de sua receita na América do Sul. No entanto todas estas editoras ganharam fama e fortuna neste período. O mercado de Quadrinhos é pequeno. Todos os editores se conhecem,se respeitam e se encontram. Digladiam num mesmo ringue. A platéia barulhenta se diverte. Mas atira objetos cortantes e pontiagudos nos contendores. E acertam o alvo.

O que você e o Carlos farão daqui pra frente? Quais seus próximos passos profissionais?

Continuamos a fazer o que sempre fizemos. Cada um com seu estúdio. Atuando em produções editoriais para terceiros. Sendo que em muitos casos trabalhamos em projetos em conjunto. Como ocorre agora com os títulos Conhecimento Prático da Escala Educacional. Ou a História das Artes Gráficas Brasileiras, para uma ONG educacional.

Resuma em poucas palavras: qual foi a grande contribuição da Opera Graphica para a HQB e para a cultura brasileira?

Provamos que o Quadrinho brasileiro tem o seu valor e um público disposto a conhecê-lo. Que a iniciativa privada, por menor que seja pode editar autores que o governo tinha obrigação de resgatar.

Afinal, depois de 35 anos de carreira, você acha que o Quadrinho brasileiro tem futuro? Existirão uma indústria e mercado sólidos no Brasil algum dia?

Quem faz o mercado, de Quadrinhos e de tudo mais, é a lei da oferta e da procura. O leitor não tem obrigação de comprar um Quadrinho nacional só porque é brasileiro. Os autores, editores, mídia e distribuidores devem atuar em conjunto para motivar a compra do Quadrinho brasileiro. Esta união, alavancando um movimento de comunicação, poderá despertar um marketing que por sua vez garantirá um consumo. Ha dez anos eu não imaginava que haveria uma nova explosão de culto aos Quadrinhos como a da atualidade. Mas sempre acreditei que novos formatos apareceriam. E continuarão a vir. Fui em busca do mangá em 1994, mas ele só ficou viável e possível para o Brasil poucos anos depois. Claudio Seto lançou seus mangás de 1968 a 1973 e foi esquecido. Como ele mesmo dizia, "uma só andorinha não faz verão". Foi esquecido, sufocado pela censura devido aos temas sensuais e realistas de suas histórias. Mauricio de Sousa ainda comprova que um sistema organizado e com bom controle de qualidade conquista seu espaço. Novas mídias sempre surgem. O celular já-já vai disparar Quadrinhos.

Pra encerrar, quem é Franco de Rosa e qual sua importância pro Quadrinho Brasileiro?

Sou um desenhista que virou editor. Um produtor gráfico focado nas publicações infantis. Sobrevivente da terceirização para estúdios. Um colecionador de gibis brasileiros que tem o privilégio de conviver com seus ídolos. Sou aquele que sempre fala, escreve e divulga a criação nacional em qualquer veículo que estiver ao alcance. Tanto que a primeira edição da revista Discutindo Literatura que produzi foi sobre Quadrinhos, lançada em dezembro último, com entrevista exclusiva do Ziraldo. A edição é um documento histórico idealizado e editado pelo meu inseparável amigo Carlos Mann. Que importância eu tenho para o Quadrinho brasileiro? Minha mãe acha que eu sou o mais importante de todos para ela (risos)!

O Bigorna.net agradece a Franco de Rosa pela entrevista, realizada em 5 de junho de 2009

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