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Entrevista: Mário Mastrotti
Por Marcio Baraldi
24/10/2008

"Quadrinho é meio e não fim!"                 

Mario Dimov Mastrotti. Um nome sólido para um cartunista idem. Nascido e eternamente sediado no ABC paulista, Mastrotti construiu uma das mais consistentes e versáteis carreiras do Cartum brasileiro. Precoce, começou sua carreira aos quinze anos já com traço profissional e responsa idem, fazendo as capas e ilustrações do Diarinho, suplemento infantil do jornal Diário do Grande ABC. Criou o personagem Cubinho, um dos mais populares do país no final dos anos 70, que foi publicado em muitos jornais pelo Brasil afora. Com o Cubinho criticou a ditadura militar e a sociedade de consumo. Depois,desencanou um pouco das tiras de jornais e foi ganhar dinheiro com gibis institucionais para empresas. No fim dos anos 90, bateu a saudade das tiras e resolveu fundar a própria editora, a Virgo, onde passou a publicar,em ritmo intenso, livros de tiras e cartuns com artistas do Oiapoque ao Chuí, sempre em regime de cooperativismo. Uma estratégia mercadológica que deu certo: a Virgo é, hoje, uma das maiores editoras independentes do Brasil. São vários títulos mostrando ao público toda a riqueza e diversidade do humor gráfico brasileiro. Para parafrasear aquela velha propaganda, Mastrotti é “Gente que faz!”. Faz muito e faz bem-feito! Para conhecer um pouco dos muitos feitos deste Super Mario, o Bigorna.net aterrissou na pequena e primorosa São Caetano, onde o cartunista e editor contou sua história. Conhecem o Mário?!?

Você começou sua carreira muito cedo, não? Eu lembro que eu era criança e adorava seus desenhos no Diarinho (suplemento infantil do jornal Diário do Grande ABC).

Bom, eu desenho desde criança e comecei a publicar com 15 anos, em 1975, no Diário do Grande ABC. Comecei com as tiras do meu personagem Cubinho. Aos 16 anos comecei a trabalhar internamente no departamento de artes do Jornal, fazendo arte-final das ilustrações do Diarinho e em seguida ilustrando as matérias. Fiquei ao todo 6 anos lá, sendo os dois últimos anos como chefe do departamento. Após este período voltei a ilustrar o Diarinho como free-lancer entre 1985 e 1987.

Você já tinha estudado desenho nessa época ou foi totalmente autodidata? Porque eu lembro que mesmo com essa pouca idade você já tinha um traço totalmente profissional.

Comecei a estudar pintura a óleo aos sete anos de idade, com uma senhora, amiga de meus pais, em Santo André, onde morei 19 anos. Naquela época não existiam escolas de arte como hoje. Aos dez anos entrei na Fundação das Artes de São Caetano onde aprendi a trabalhar com diversos materiais, inclusive gravura. Aos doze fui para a Poliarte no Ipiranga, onde estudei desenho, que era o que mais se aproximava do que eu queria. Depois disso fui batalhando por conta própria até começar a publicar.

O Diarinho foi um celeiro de grandes cartunistas: você,o Juarez, o Gérson, os irmãos Adelmo e Pathé, o Moacir Torres, o Fernandes, o Girotto, etc. Muitas feras passaram por lá. Que lembranças você tem dessa época?

As lembranças são as melhores possíveis pois considero os seis anos que trabalhei lá como minha primeira Faculdade. Tudo que sei sobre produção gráfica e impressão começou ali. Todos os artistas que você citou, exceto o Gérson, entraram após minha saída. Antes tínhamos o Gilmar de Godoy, ganhador do Salão de Humor de Piracicaba e chargista da Isto é nos anos 80, o Antonio Carlos Pires, que participou dos livros Isto é um Absurdo e Fome de ver Estrelas e fez as capas de Humor Brasil 500 anos e 2001: uma Odisséia no Humor, todos da Editora Virgo, que criei em 1999. O Antonio voltou a trabalhar lá no Diário na minha época e aí tínhamos também o Rubens de Matos e o Pedro Correa Mendes. Em seguida consegui trazer o Gérson de volta e o Cerito para a publicidade.

O Gérson hoje tem um restaurante nos EUA e mudou o nome para Carlos Cooper. Eu era muito fã dele quando criança. Pra mim foi uma glória quando você convenceu-o a publicar cartuns no livro Humor Brasil:500 anos. Foi uma honra publicar meus cartuns no mesmo livro que ele. Um sonho de criança que você realizou!

(risos) Ahhhh,Que legal! O Gérson sempre teve um traço muito legal mesmo. Mas ele foi pros EUA e se deu bem lá... O Gérson eu considero um talento e traço raros, desde o início seu trabalho sempre foi muito espontâneo. Ele sempre foi um cara bem humorado e fez outra opção na sua vida. Ficam aí as boas lembranças do Diarinho, Jornal da Mooca e de dois livros de Humor da Virgo, onde publiquei com ele.

Lembra que você fazia uma série de ilustrações com gnomos elementais: fogo, terra, água e ar? Eram umas ilustrações lindas todas pintadas com lápis-aquarela. Você ainda tem esses originais?

Lembro sim!!! Alguns originais eu tenho ainda. Era uma época anterior ao computador onde os processos de produção eram muito diferentes dos de hoje. Era uma época em que o Diarinho estava pautado na fantasia, o que dava espaço para estes temas. E havia espaço para a gente experimentar à vontade também, usar técnicas de pintura variadas. Eu não editava o Diarinho. Minha função era ilustrar as matérias que vinham da redação e fazer a produção e secretaria gráfica.

Você, como um bom pisciano, sempre teve inclinação para assuntos esotéricos, né? Lembro de uma HQ antiga sua sobre anjos que salvavam um alcoólatra. Lembra disso?

(surpreso) Cara,você lembra disso?!? Isso foi para um fanzine criado pelo saudoso João Carlos Pacheco de Mendonça e o Arthur Garcia! Já li muita coisa a respeito de anjos e esoterismo em geral, estive ligado a alguns grupos e até dirigi um deles por muito tempo. O assunto é fascinante mas é preciso tomar cuidado pois existem muitos picaretas neste meio. Gente que só quer saber de grana e poder. A verdade está dentro de cada um de nós, é só cada um acessar a sua. Quanto àquela história, eu gosto muito dela, ela chega a ser didática.

Você e o Moacir Torres foram os primeiros cartunistas profissionais que eu conheci no ABC. Lembra que uma vez eu comprei uma coleção dos Fradins, do Henfil, de você? Fui buscar lá na sua casa, no bairro Campestre.

Lembro sim e você comprou algumas Heavy-Metal também!Você adorava o Rich Corben (risos)! Nós temos a tendência de acumular muita coisa achando que vamos precisar dela algum dia para pesquisa. Hoje temos Gibitecas e a Internet que agiliza a pesquisa. Por causa disso fui passando pra frente muita coisa e fiquei só com o que considero interessante preservar.

Depois você partiu pra assessoria de comunicação. Você fez uma carreira sólida produzindo gibis institucionais para empresas, né?

Sim, na verdade eu sempre acreditei no potencial didático das HQs e nos anos 80 parti para o Quadrinho institucional. Fiz muitos gibis sobre questões de segurança no Trabalho, controle de qualidade, certificações, higiene e saúde, esses eram os temas mais abordados. Vivi durante muitos anos desta produção, pois o mercado de HQ nesta época não tinha muito espaço para publicação autoral.

Até que nos fim dos anos 90, você fundou a editora Virgo e começou a lançar livros de cartuns cooperativados. Conte como surgiu a Virgo e quais os próximos lançamentos?

É claro que fazer só Quadrinhos institucionais nunca foi meu objetivo. Queria produzir também material autoral. Os espaços continuavam reduzidos e nos anos 90, depois de muitas conversas com o cartunista Cerito, surgiu uma idéia de produzir um livro cooperado de textos de escritores de ficção científica, onde eu fiz a capa com o Antonio Carlos Pires e ilustrei o miolo do livro. O livro se chama Outras Copas, outros Mundos e foi lançado em 1998 com 11 autores, sendo o primeiro livro de que tenho notícia a juntar os temas futebol e ficção científica. Em 1999 fui na entrega do Prêmio Angelo Agostini e reencontrei vários desenhistas lá e descobri que a maioria não estava publicando pelos motivos que já coloquei. Encontrei o Bira, Moretti, Cerito, Rocco e muitos outros, e estavam todos sem espaço para publicar seus cartuns autorais. Aí fiz o convite para participarem do livro Humor Brasil 500 anos que saiu  no ano seguinte, lançando a Editora Virgo como uma editora cooperada.

Explica pra gente a importância do sistema de livros cooperados. O cartunista que quiser publicar seus cartuns pela Virgo, o que deve fazer?

A idéia não é competir com as grandes editoras, mas mostrar o trabalho de quem não tem espaço para publicá-lo. Neste sistema você faz um pequeno investimento e recebe uma cota de livros correspondente a ele e tem participação no livro igual a todos os autores. Cada autor lança seu livro em sua cidade. Desta forma não dependemos de intermediários. No nosso site tem uma lista de outras vantagens com 15 ítens. Dêem uma conferida lá!

Paralelamente a isso tudo, você construiu uma carreira como professor universitário. Você dá aulas aonde e do quê exatamente? Você é um professor bonzinho (risos)?

(risos) Leciono na Universidade Metodista nos cursos de Publicidade e Propaganda e Comunicação Mercadológica há sete anos. Não sou bom nem mau, acho que o professor deve ser justo! Meu papel é preparar os alunos para o mercado e alertá-los de que o grande juíz é esse tal de mercado sempre. Justiça e ética são coisas que devem existir em qualquer área e, você sabe como o país é carente disso, não?

Os Quadrinhos estão ganhando cada vez mais espaço no meio universitário, através de professores como você, Paulo Ramos, Waldomiro Vergueiro, Flavio Calazans, Gazy Andraus, Edgard Franco, Sonia Luyten e outros. O que você acha dessa "invasão"? Demorou, né (risos)?

Demorou muito,isso sim!!! Na verdade precisamos fazer mais propaganda dos bons Quadrinhos que temos. Mas fazer isto sem grana é muito mais complicado. Hoje finalmente temos uma geração de professores para trabalhar esse tema que são realmente profissionais da área. Nunca houve tantas teses sobre esta área, por exemplo. Ainda considero pouco mas já foi muito pior. Precisamos de muito mais multiplicadores.

Você também foi um pioneiro nos programas de TV sobre Quadrinhos. Você criou e apresentou o primeiro programa exclusivo sobre HQs, o Amigos do Traço, na web TV Its-TV. Fale um pouco dessa experiência. Por que parou, parou por quê?

A Its-TV era aqui em São Caetano do Sul. Devo isso a minha mulher, Ala Voloshyn, que já fazia um programa de entrevistas lá e disse que os donos da web TV buscavam por novos programas. Levei a idéia do Amigos do Traço” aos diretores e deu certo, produzí e apresentei mais de 50 edições semanais, sempre entrevistando ao vivo profissionais do desenho. Eram quadrinhistas, cartunistas, tiristas, ilustradores, animadores e chargistas. Mas infelizmente a emissora não tinha patrocínio e encerrou suas atividades. A experiência foi fantástica, algo que realmente faria de novo. Não havia rolado até o momento nada parecido no Brasil! Veja só, quanta gente boa lança obras maravilhosas e fica sem espaço nenhum na grande mídia para divulgação. O que eu acho inaceitável é que o desenhista sai na grande mídia só se ganhar algum prêmio internacional relevante como é o caso dos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá. A imprensa precisa divulgar a produção nacional tanto quanto divulga os estrangeiros!!!

APOIADOOOOOOO!!!! EEEEEEEEEE!!! (Baraldi bate palmas). Pena que a eleição já passou senão eu votava em você pra vereador (gargalhadas)!!!

Rararararar...

Você já organizou diversos salões de humor. Inclusive recentemente você criou o Salão de Doação de Orgãos, uma iniciativa humanitária e pioneira. Fale um pouco dessas experiências.

Na verdade organizei dois apenas. Ajudei a fundar e organizar o Salão de Humor de Paraguaçu Paulista com o cartunista e arquiteto Denis Mendes, que é de lá, a pedido dele. Publiquei seu trabalho nos livros da Virgo e ele tinha muita vontade de fazer algo nesse sentido. Hoje o Salão está em sua quarta edição, recebeu cerca de 1800 trabalhos de 42 países e caminha para a inauguração de sua gibiteca e do museu do cartum. O outro é o Salão de Humor sobre doação de Órgãos. Sugeri a criação para um casal de amigos que tocam uma ONG, a Gabriel, preocupada com essa questão. Criei há 10 anos o logo da ONG e percebi que podia contribuir com a ONG de uma forma mais agressiva. Convidei o cartunista Moacir Torres para organizar o Salão comigo e com os diretores da ONG, Maria Inês e Valdir. A maioria achou estranho juntar doação de órgãos com humor mas perceberam que era possível quando viram a qualidade dos trabalhos que se destinam a virar peças de campanha. Importante foi ter o apoio do Ministério da Saúde e da ABTO, Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. O meu pensamento é que precisamos fazer algo real pelas questões sociais, mais do que nossas charges e Quadrinhos. Esse Salão é uma das maneiras das pessoas ajudarem de maneira real, por isso peço que  conheçam e divulguem o trabalho da ONG, acessando o site dela. Espalhar conscientização e humor pelo mundo é minha missão! E vem mais novidades por aí!

Cubinho nos anos 2000: continua crítico e atual

Nos anos 70 e início dos 80, seu personagem Cubinho fez um bom sucesso. Por que você parou com ele? Por onde anda o Cubinho?

O Cubinho saiu diariamente no Diário do Grande ABC de 1975 até 1981. Em 1977 assinei um contrato com a ECAB, Editora Carneiro Bastos do Rio de Janeiro e elas foram publicadas na Gazeta de Vitória e no Jornal de Brasília. Após 1981 ele  saiu no Diário do Povo de Campinas e em uma série de jornais pelo país afora sem minha autorização. Alguém da ECAB ficou com meus originais e vendia essas tiras por aí. Mais recentemente o Cubinho saiu em 1998 no jornal Ponto Final, de Santo André, em 2005 no Jornal de São Caetano e atualmente sai no Jornal Paulistano e no Mais Notícias, de Ribeirão Pires. Enfim, o Cubinho está firme e forte(risos)!

O Cubinho foi um personagem popular na época. Lembro que você o usava para criticar a ditadura. Quem eram suas influências na época? Você me parecia um Mauricio de Sousa mais politizado. Teve algum apuro que você passou com o Cubinho, por conta da ditadura?

Foi curioso pois morava em Santo André na época e ia a pé para o jornal todos os dias que demorava mais ou menos uns 20 minutos. No caminho muitas vezes as pessoas me paravam na rua pra falar sobre as tiras. Era gratificante este feedback. Algumas pessoas me perguntavam se eu não tinha medo de ser preso ou algo assim. Eu achava que se o editor aprovava estava tudo certo. Mas não estava não, e isso eu descobri depois. Peguei o meio do governo do General Ernesto Geisel, onde as coisas ainda estavam nebulosas, mas ele foi o que prometeu fazer as " reformas" e fêz. Depois veio o General Figueiredo com sua abertura lenta e gradual. Os assuntos que eu abordava eram anistia, direitos humanos, liberdade de expressão e ecologia. Este último tema considero que fui um dos primeiro a falar sobre ele já em 1975. Tempos depois fiquei sabendo de um censor que vivia no jornal fazendo perguntas a respeito de algumas pessoas e eu era uma delas. Cubinho sempre foi uma tira-charge, com assuntos não tão imediatos e era mesclada com cartuns também. Quando conheci o Franco de Rosa em 1976 ele me perguntou: ”Mas você faz charge com personagem infantil?”. Eu na verdade achava isso estratégico, o leitor é atraído pelo desenho meiguinho e recebe a informação através dele.

Cubinho preto e branco nos anos 70: crítica à falta de direitos civis
durante a ditadura

Agora a pergunta que não quer calar: O QUÊ era o Cubinho afinal? Ele era um cachorro?? Ou era um cubo ambulante mesmo (risos)???

Cubinho é um cachorro criado em 1974. Na época ele era quadrúpede, mas virou bípede por sugestão do editor. Claro que um cachorro cúbico era muito estranho, mas acabou funcionando perfeitamente! Nesse tempo todo ele foi publicado em uns vinte jornais, uma revista exclusiva e teve participação em três livros de tiras.

Você tem outra série muito interessante, a "DE-CO-RA-ÇÃO-E-DE-MEN-TE” em que os personagens têm uma torneira saindo do peito. O que você quer dizer com aquilo, afinal?

A expressão “DE-CO-RA-ÇÃO-E-DE-MEN-TE” é para fazermos uma quádrupla leitura. A série aborda o universo do sentimento humano e o racionalismo que exclui esta possibilidade. Todos os personagens possuem o peito aberto em forma de coração representando nossas emoções e o personagem Mércio, que é o que tem a torneira que sai dele, é o vendedor de afeto. Ele vende para as pessoas o afeto que jorra de seu peito. A crítica é que o ser humano não se acertou ainda com sua questão emocional, é egoísta, materialista e se mata para atingir metas questionáveis. O sentimento não é tratado em sala de aula como merece e não existe equilíbrio entre a razão e a emoção na educação dos filhos. É uma série muito urgente e atual!

Se você ganhasse um milhão de reais pra investir na Editora Virgo, o que você faria? O que você publicaria?

Quadrinhos para a Educação! Tenho saudades do tempo que estudava história do Brasil na escola com livro didático em Quadrinhos com desenhos do Rodolfo Zalla.

Deixe seu recado final para a comunidade Bigorniana brasileira.

Quadrinho é meio e não fim! Faça agora porque a vida é curta demais pra perdermos tempo com bobagens. Valeu, Baraldi, e um grande abraço a todos!


O Bigorna.net agradece a Mario Mastrotti pela entrevista, concedida em 10/10/2008.                              

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