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Entrevista: Cleyton Ramos Rabelo
Por Jussara Nunes*
18/01/2008

Pergunte a qualquer artista, seja ele fracassado ou bem-sucedido, se é possível para ele viver sem sua arte. Pergunte a um pintor que não vende quadros se ele pensa em parar de pintar. A um músico de bandas fracassadas se ele pensa em parar de tocar. A um quadrinhista que teve revezes em suas obras publicadas se ele pensa em parar de desenhar. A arte é um ofício muito estranho. Você vê muitos bacharelados em Direito ou Nutrição, entre outros que, embora tenham tentado viver destas profissões, hoje fazem qualquer outra coisa e nunca mais tocaram no Código Penal ou nas Receitas de Dietas. Mas um artista, por mais que ele tenha sucumbido diversas vezes em sua carreira, ele não consegue parar de produzir arte – não um verdadeiro artista! É um ofício “burro”. Pode até viver de outra coisa, mas sempre vai “gastar seu tempo” fazendo aquilo que não dá lucro. É o caso de muitos quadrinhistas aqui no Brasil. É o caso de Cleyton Ramos Rabelo. Criador do personagem Farofa, ele é um nome longe de ser conhecido, mas que simboliza muito bem este espírito. Vamos conhecer um pouco da sua trajetória e sua vida:

Vamos lá! Fale o que quiser sobre você!

É difícil falar sobre si mesmo, mas, vamos lá! Nasci na periferia de São Paulo, mais precisamente em Vila Nova Cachoeirinha. Desde criança, sempre fiz caricaturas despretensiosas de professores e amigos, o que importava para mim era a graça do desenho, e não a qualidade dos traços. Apesar da vocação para este tipo de linguagem, nunca me preocupei em ser um profissional devido a pouca informação que tinha deste universo, nem imaginava que existisse alguém que pudesse viver só desenhando.

Quais foram os seus primeiros empregos?

Trabalhei como servente, office-boy, bolseiro, entregador e cabista de rede telefônica... Obs: sempre fazendo caricaturas dos colegas de trabalho nas horas vagas. Aos 22 anos fui estudar desenho (com insistência de muitos colegas), estudei ilustração, pintura acadêmica e diversas linguagens da pintura. Apesar de vender alguns quadros e muitas pinturas em azulejo pelas ruas de São Paulo pra poder sobreviver, descobri que meu caminho dentro das artes seria mesmo o humor gráfico, que trazia comigo, não nas mãos, mas sim em minha personalidade, então desde 2003 venho batalhando nesta dura trajetória, buscando conquistar meu espaço, dentro de um argumento que é muito ligado a minha pessoa: a desigualdade social no país.

Você editava o fanzine Farofa. Fale mais sobre ele. Como foi a trajetória da revista?

Comecei a editar em janeiro de 2003 o Fanzine Farofa (nome do personagem principal) com a intenção de divulgar meu trabalho principalmente entre os leitores de Quadrinhos. Foram 13 edições totalmente manuais, onde eu era o editor, desenhista, roteirista, arte-finalista, distribuidor e logicamente, era quem pagava pra tirar as cópias. O fanzine tinha uma tiragem em média de 200 cópias por mês contendo 8 páginas, incluindo a capa e carta ao leitor, totalmente grátis. O fanzine era distribuído na loja da Devir, na Escola Quanta e em eventos dos mais variados. Apesar da pouca experiência consegui uma boa divulgação que me rendeu alguns trabalhos free-lancer. Com a dificuldade de manter o fanzine após a 13ª edição, resolvi parar e refletir em cima de tudo que foi feito.
 
Como foi a experiência com o fanzine?

Creio que o fanzine foi uma fase importante, onde adquiri experiência em meio de tanta empolgação e paixão, mas não com a qualidade necessária (falo da própria obra), onde estavam apenas florescendo as idéias, talvez tenha sido meu primeiro fracasso, rsrs!

Dizem que um fracasso válido é melhor que uma vitória insossa! Quais foram seus trabalhos posteriores ao zine?

Fiz alguns free-lances além de fazer caricaturas em eventos dos mais variados, também passei a dar aulas em projetos sociais até 2006. Quanto ao Farofa, venho produzindo silenciosamente, a não ser quando tenho a sorte de figurar em alguns festivais por aí, como no início deste ano, onde foi o 2º colocado no Salão de Humor de Mogi Guaçu.

Como tem sido a repercussão do seu personagem desde então?

Na medida do possível vem sendo muito boa, e o fato de ser um personagem popular que condiz com a realidade, contribui muito pra isso, pena que grande parte da população desta nação ainda não tenha o hábito de abrir um livro ou revista, seja ela qual for. Não nos esqueçamos também que o personagem vai completar apenas cinco anos, e apesar de não ter atingido um público grande, a cada ano o trabalho fica mais maduro, representando assim uma maior identificação do artista com a obra, e da obra com o público. Nas primeiras edições de meu fanzine, não dava pra saber nem o que estava escrito direito, era só garrancho, então por aí você imagina como era o restante, rsrsrs!!!

Charges e tiras políticas são difíceis de serem feitas. As suas agradam ao público e ao mesmo tempo não fazem proselitismo político. Quais as suas inspirações?

Inspirações é o que não faltam, quando olho para o cenário político e seus representantes, penso às vezes que se trata de uma piada e não de uma coisa séria, tamanha a cara de pau de homens que usam o cargo político apenas para benefício próprio, ou então, quando ando por aí vendo a desigualdade social que sempre foi evidente em nosso país, analizando o comportamento dos menos favorecidos, sua alegria e seu jeito criativo de encarar as dificuldades. Sei lá, creio que o Farofa seja um representante desse povo, dando voz aos que jamais terão força para falar.

Quais os seus ídolos na área de Charges e Tiras?

Sempre teve muita gente excelente no humor gráfico, creio que alguns de meus ídolos sejam cartunistas como, Glauco, Spacca e Laerte, porém descobri há alguns anos o trabalho de um cartunista premiadíssimo chamado Jota-A, me tornei um fã dele também, me identifiquei muito com seu trabalho.

Você pretende montar mais um fanzine?

O fanzine, na sua mais bela essência, ou seja, totalmente "artesanal", foi muito importante, porém, creio que passou esta fase, digamos que hoje eu tenha projetos mais ambiciosos, estou à procura de editoras onde possa apresentar meu trabalho e discutir idéias. Tenho um sonho de um livro de maneira mais profissional, seja ele independente ou de modo cooperativo, bom, tudo ainda é só especulação, deixemos o futuro se encarregar do futuro...

Além do personagem Farofa, você tem outros projetos?

Procuro trabalhar cada momento conforme a situação atual, já ministrei aulas em escolas da periferia, já ilustrei, comercializei quadros pintados à tinta óleo, saí por aí fazendo e vendendo pinturas em azulejos feitas na hora, etc, etc, etc... Posso dizer que é sempre muito difícil para um artista poder sobreviver e mostrar um pouco de seu trabalho, por este motivo, no momento estou mantendo o foco no personagem, creio que com isso, portas se abrirão e novos projetos serão revelados.

Você acredita ser possível viver de Quadrinhos no Brasil?
 
Não sei se é possível ou não, hoje posso te dizer que é muito difícil. É preciso aumentar significativamente o número de leitores para que haja mais espaço, por outro lado, antes de tornar a leitura um hábito para a grande população brasileira, teríamos de estudar maneiras de satisfazer primeiramente suas necessidades básicas, incluindo a alfabetização. Mas não quero ser pessimista, o que realmente importa é ter esperança, e manter viva a paixão pelos Quadrinhos. Sei que há um espaço, sei também que é pequenininho este espaço, mas devemos lutar para caber nele. 

Para finalizar, a tão esperada mensagem do nosso entrevistado para nossos leitores! Com o que você gostaria de concluir?

Gostaria de agradecer pela oportunidade, e convidar a todos para que conheçam meu trabalho, acessando meu blog, estarei à disposição, envie sugestões, elogios e até mesmo críticas, creio que com esta entrevista conquisto mais do que leitores e sim amigos que venham a somar em prol de um país mais justo e menos ignorante. E quanto a você que tem algum sonho e está pensando em desistir, peço encarecidamente, não desista! "A fé é o firme fundamento das coisas que não se vêem" São meus sinceros votos, muito obrigado a todos.

O Bigorna.net agradece a Cleyton Ramos Rabelo pela entrevista concedida por e-mail no decorrer da primeira quinzena de janeiro de 2008

*Jussara Nunes é estudante de Jornalismo e mantém o blog HQ Experimental

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