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“Pai, quero fazer um curso de HQ...”
Por Bira Dantas
27/03/2007

A Dupla Vingadora

Hoje é comum vermos esse tipo de conversa entre filhos e pais. Há 40 anos isso seria quase impossível. Sem as centenas de Cursos de Desenho espalhados pelo país (com preços acessíveis), alguns fazendo parte da grade de matérias do segundo grau e até uma faculdade, o que restava pra criançada era copiar seus gibis preferidos e mostrar pros parentes. Quando eu comecei a desenhar, lá pelos idos de 1968, influenciado pelos desenhos animados e HQs dos suplementos infantis dos grandes jornais, nunca imaginei que iria viver disso. Muito menos dar aula disso...

Minha infância nos Quadrinhos
Já garoto, entusiasmado com as aventuradas desenhadas que se desenrolavam pelas páginas dos gibis, percebi que seriam minha única referência de estudo e aprendizado. O único curso que havia era o do Instituto Universal Brasileiro, que tinha um custo razoável para uma família de classe média no início dos anos 70 no Rio de Janeiro. Assim, todo o meu aprendizado foi de forma autodidata (da infância à pré-adolescência), lendo Tarzan, Fantasma, Asterix, Flash Gordon, Família Buscapé, entre outros.

No Rio, tive um colega na escola (Externato Coração de Jesus) também desenhista, Sebastião de Souza. Era um desenhista canhoto de mão cheia e com uma família sui-generis. Sua mãe andava com botas de couro até o joelho e mini-saia, era “Prafrentex”! Sebastião usava camisetas “Hang Ten” e calça jeans cocota, seus irmãos Lúcio e Oto faziam o estilo “roqueiro sem causa”, ouviam Mutantes, Stones e Raul Seixas. Eu também ouvia (influenciado pelo irmão mais velho, Clóvis, que me deu minha primeira prancheta e um curso de inglês), mas fazia o gênero moleque bem comportado.

O Homem do Espaço

Éramos muito amigos. Criávamos centenas de super-heróis (entre eles o Homem do Espaço) e todo dia, no começo da aula, conferíamos pra ver se não tinha nenhum repetido. Se tivesse, tínhamos que lembrar a hora da criação e o mais atrasado era imediatamente punido com a exterminação. Lembro que no fim do curso, Sebastião tinha um traço menos “Marvel” e mais “Alex Raymond”. Dez anos depois, quando eu desenhava os Trapalhões voltei a revê-lo na Barra da Tijuca, o seu estilo estava mais pra “Moebius” então. Nunca mais soube dele. Só lembro que desenhava pacas e que conversávamos muito sobre COMO fazer Quadrinhos!

Adolescência

Iara em Quadrinhos

Em 1976, voltei com a família para São Paulo, minha cidade natal, onde segui desenhando, ainda de forma autodidata, pois os cursos ainda não fervilhavam como hoje. Fiz HQs para trabalhos de inglês para minha prima Goya e seus amigos (amealhei alguma graninha nessa época), e fiz o Ginásio no colégio Benedito Estevam, onde criei a Equipe Hipopótamus e produzi uma adaptação em Quadrinhos de Iara, capítulo da obra de José de Alencar, O Guarani. As cores foram do Aguinaldo. Meu aprendizado de Desenho tomou mais consistência através de estágios em estúdios (como Mauricio de Sousa e Ely Barbosa) e pelo contato com outros profissionais através da AQC-SP (Associação dos Quadrinhistas e Caricaturistas) já no começo dos anos 80.

A Escola Paranamericana de Arte (que tinha professores como Manuel Victor Filho, Jayme Cortez e Ziraldo) tinha um custo alto para alunos como eu e continuei sem uma especialização na área escolhida. Tentei, sem sucesso, entrar no curso de Edificações da Escola Politécnica Federal de SP. Acabei fazendo o segundo grau na Escola Ascendino Reis, curso de Humanas, com aulas reforçadas de Geografia, História, Português, Contabilidade, RH, e amenizadas de Exatas e Biológicas. Estudei com o Ernesto Vidoca, grande amigo que dividiu alguns estudos, projetos e boas gargalhadas. Nas aulas vagas, ele freqüentava a sala solitária de um professor de arte da Pedagogia, Domingos Pistelli, um desenhista modernista (no melhor estilo de Portinari).

Eu vi vários estudos de trabalhadores sendo feitos em blocos de papel jornal com canetas BIC. Ele me emprestou El Guia del Dibujo, livro espanhol de desenho, quando me animei a procurar livros e revistas de desenho. Achei a série de anatomia de Renato Silva. Foi neste colégio que conheci Humberto, colecionador de HQs, ele me apresentou a Livraria Gibi, do Ademário e Zé do Caixão, na Xavier de Toledo, antro dos maiores artistas do Quadrinho como Jayme Cortez, Rodolfo Zalla, Colonnese, Gualberto, Xalberto, João Antonio Buhrer, Líbero, Paulo Paiva, Nico Rosso, Franco de Rosa, JAL e mais uma multidão.

A escola da vida
No segundo colegial (eu já era desenhista dos Trapalhões), conheci outro desenhista fantástico: Orlando Antonio Salgado Costa. Doido por animação, ele fazia desenhos se mexerem nos cantos de cadernos brochura e tinha feito um filme em Super-8 que, por conta do timing errado, ficou tão rápido que ninguém via direito o que acontecia. Ele adorava a MAD e o humor americano. Eu o apresentei ao Ely Barbosa, que na hora o contratou como roteirista. A última notícia que tive do Orlando Costa, foram revistas de piadas e cartuns lançados em banca, há uns 15 anos. Assim, minha escola foi sendo a “da vida”!

Quando conheci o Spacca, soube que ele havia estudado o segundo grau no colégio Carlos de Campos, próximo à estação Pedro II do metrô. E que lá tinha (e ainda tem) curso de Publicidade, História da Arte e História em Quadrinhos. Eu pensei que isso só podia ser um paraíso. Perdido, claro, afinal eu já estava formado e sem perspectiva do que estudar na Universidade. Pensei em cursar História na USP, me inscrevi na FUVEST e fui pro litoral com uns primos. Lá eu li uma entrevista do Henfil na Folha em que ele dizia: “Vestibulandos, faltem! Universitários, tranquem suas matrículas” e discutia a falta de opção que se oferecia aos nossos estudantes. Ele próprio (como, mais tarde eu mesmo) um chargista tornado jornalista, sem o curso superior, questionava isso tudo.

A importância descabida e irracional que nossa sociedade dava (e dá) ao diploma. Jornalistas de qualidade como Cláudio Abramo, Ziraldo, Fortuna, Paulo Francis e tantos outros, haviam se forjado na “Escola da Vida”. Enquanto isso a Universidade fabricava dezenas de profissionais despreparados, sem cultura... Nem fui fazer o vestibular. Fiquei na praia. Eu já conheci o Gualberto e o JAL de longa data, desde o Instituto Rian, que eles criaram na Av. Consolação no começo dos anos 80. Eles assumiram o curso de Editoração em Quadrinhos da ECA (USP), já que a Sonia Bybe Luyten tinha ido para o Japão, e me convidaram para fazer o Curso como aluno especial. Fui e gostei. Conheci Luiz Gê, Angeli, Ziraldo e mais um monte de cartunistas levados lá para palestrarem. Essa era a Universidade que eu gostaria de ter freqüentado como aluno regular.

Maturidade
Em 1988 mudei para Campinas, onde me distanciei dos Quadrinhos e me dediquei às Charges, que me asseguravam um bom salário. Em 1995, voltei a me dedicar aos cartuns e trabalhos para Salões de Humor. Em 2001 fui convidado a dar aula na Escola Pandora, em Campinas. Tive que criar teorias em cima do meu trabalho criativo, fazer passo-a-passos que mostrassem o caminho de produção de uma caricatura, uma charge, um cartum. Tive que voltar a estudar e fazer da minha aula um momento descontraído, com muito humor, informação e música. Claro, a gaitinha não podia ficar de fora! A Pandora fica em Campinas, na Rua Joaquim Novais, 25, o fone é (19) 3234-4443.

Novos tempos, um novo capítulo na história
Qual não foi minha surpresa ao ver o anúncio da Estácio de Sá no Rio, com curso superior na nossa área e com nomes do quilate de: Amorim (chargista do Pasquim, Bundas, Jornal dos Sports e Charge online premiado nacional e internacionalmente), Carlos Patati (roteirista premiado, curador de 3 Bienais Internacionais de Histórias em Quadrinhos, roteirista da revista Caô, mestre em comunicação (ECO-UFRJ), professor de quadrinhos no RJ e na Bahia), Renato Lima (editor da Mosh!, revista bicampeã do HQ Mix, bacharel em pintura pela UFRJ, professor de desenho e HQ do SENAC), Rodrigo Fonseca (jornalista do O Globo, editor da Ediouro Quadrinhos e da revista Star Wars, consultor da Pixel), Aristides Dutra (quadrinhista, diretor de arte, mestre em comunicação pela ECO/UFRJ, Bacharel em Artes Plásticas), Juliano Cardoso (editor de arte da Ediouro e da Pixel, bacharel em desenho industrial) e Hélio Eduardo Lopes (assistente de marketing da Ediouro e da Pixel, graduado em Comunicação Social e Publicidade e Propaganda. Com uma turma dessa, quem fica de fora?

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