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Artlectos e Posthuman Tantra: conceitos distintos para um novo futuro à humanidade
Por Gazy Andraus
10/09/2007

Publicar Histórias em Quadrinhos (HQ) no Brasil requer uma série de quesitos. Mas não necessariamente que o editor desconheça a profissão de autor (este mesmo pode ser o editor, e vice-versa). Pesquisar Quadrinhos também independe se o autor do trabalho é ou não quadrinhista (palavra essa que pode também ser escrita sem a letra “h”. E que, apesar das duas possibilidades, não figura comumente nos dicionários, embora já exista em alguns). Em realidade, muitas vezes, um autor de HQ acaba se transformando num editor, primeiro no fanzinato, e depois construindo uma pequena editora. Tal faceta tem a maior representatividade no Brasil com Henrique Magalhães e sua excelente editora alternativa Marca de Fantasia, ou a Editora Nona Arte de André Diniz. Outro caso é o de José Salles com sua competente e versátil editora SM. Salles enfileira em seu catálogo distintos gêneros literários de HQ, desde o terror e faroeste a piadas e humor escrachado crítico, com autores como o próprio editor-autor da SM, além de outros como Edu Manzano, Marcelo Rodrigues, Laerçon e seus engraçadíssimos The paraibanos de subúrbio. Mas um dos autores publicados por Salles merece uma atenção especial. Não que se desmereça os outros autores. Nada disso.

A atenção vai por conta da complexidade de sua obra que não se detém apenas nos Quadrinhos, já que o autor e professor pesquisador Dr. Edgar Franco, é também artista multimídia. Seu trabalho vem desde os fanzines até o álbum BioCyberdrama desenhado por Mozart Couto, além de vários trabalhos editados em outros locais, como na Marca de Fantasia (Agartha e Transessência, bem como livros teóricos como o excelente História em Quadrinhos e Arquitetura). Agora, dando continuidade a este enfoque, a SM lança o segundo número de Artlectos e pós-Humanos, expondo toda a questão autoral e de pesquisa de Franco. Artlectos, como revela-se no número um, trata-se de um neologismo contraído das palavras “artificial” e “intelecto”, e vem na esteira do pensar de um universo ficcional-científico acerca das possibilidades que a humanidade está tomando, no que se refere a questões delicadíssimas, mas já em andamento, como a bioengenharia. Recentemente, inclusive, um pesquisador inglês dando entrevista à televisão, mostrou que já havia instalado em si mesmo um chip que controlava lâmpadas e acessos em sua residência, através de sua vontade. Esse mesmo cientista declarou que num futuro não tão distante, as pessoas que não tiverem tais chips implantados serão consideradas sub-raças! O interessante dessa afirmação é que não era preciso ter entrevistado este cientista, pois no Brasil, poucos anos antes, o próprio Edgar, através de suas pesquisas e Histórias em Quadrinhos impressas ou HQtrônicas, estava explicando exatamente isso, com uma diferença da do neo-positivista cientista britânico: Edgar inseria um questionamento crítico, para que pudéssemos, junto a ele, cogitar até onde essas mudanças não seriam prejudiciais além de aparentarem serem uma “salvação” tecnológica. A própria afirmativa do inglês põe em cheque a sanidade da questão: os que não comungarem às novas tecnologias serão segregados (onde não foi que já vimos isso antes?).

Mas aqui no Brasil, não conhecemos nossos autores, menosprezamos a Nona Arte e nem sabemos que os cientistas-pesquisadores brasileiros também são tão atualizados como os estrangeiros. Eis aí  a importância de se repensar as situações culturais em nosso país! Artlectos e pós-humanos #2, de Franco, retoma tais questionamentos de forma brutal e pesada, mas também com poeticidade e imagética, pois traveste-se de Histórias em Quadrinhos fantástico-filosóficas, com HQ curtas em doses hoemopáticas, que reverberam em ambos hemisférios cerebrais de quem as lê: o esquerdo (racional) com as informações científicas e termos técnicos e o direito (criativo) com os desenhos e criações imagéticas “lúdicas” que auxiliam a mente a recriar sobre o que está vendo e lendo! Enquanto Artlectos #1 pulsa acerca da vontade natural do humano de resgatar a própria natureza no amor e fraternidade, embora embotado pelo delírio de uma tecnologia feroz e auto-geratriz (elaborada pela mente desse mesmo ser humano), em várias HQ curtas hai-kaizadas (o hai-kai é uma poesia curta, que até mesmo Pablo Neruda arriscou, e que funciona como um koan: frase-pergunta enigmática que busca do aluno budista uma resolução “quântica”, não linear e racional, para ampliar a mente do discípulo, trazendo-lhe o insight), Artlectos e pós-humanos #2 despeja com mais belicosidade poética os “traumas” que adviriam desta mudança ideo-tecnológica híbrida pela qual a ciência vai propiciando à humanidade. Stanislav Grof, que ampliou as considerações acerca da psicologia transpessoal (e dialogou com H.R. Giger) é mencionado na primeira HQ Parto, enquanto Pesadelo Pós-humano narra a epopéia por que passaria um trans-humano ao se lembrar de uma época em que podia “nascer”, viver, envelhecer e morrer...e questiona, ao que parece, a necessidade de se resgatar a beleza poética na vida, em contra-ponto à frieza cientificista cartesiana de um pensamento racional exclusivista (como bem adverte, perenemente, Rubem Alves). Há ainda na revista uma seção de cartas, e depois mais três histórias curtas. Destas, a última Bringuedoteca (com “g” mesmo: e Edgar explica na edição), finaliza de forma tortuosa e aflitiva seus questionamentos, todos embasados após anos de estudo no mestrado e doutorado.

O tom “pesado”, fatalista e negro que Edgar passa é equilibrado com a arte vanguardista, a linearização e alinearização dos Quadrinhos (usando pouquíssimos requadros), um letreramento personalizado e um preto e branco com graduações de cinza que arrematam a mente do leitor, como se estivesse assistindo um filme surrealista alemão, atualizado. Para coroar estas leituras, o artista multimídia Edgar Franco acaba de lançar seu CD solo. O nome artístico de Franco no cenário das experimentações sonoras é Posthuman Tantra, e o título do CD Neocortex plug-in. A HQ Bringuedoteca se tornou uma HQtrônica (ou um “mini-game” que pode ser acessado como faixa-bônus do CD, cuja masterização foi realizada na Suíça e lançada pelo respeitado selo europeu Legatus Records, tendo recebido diversos elogios por revistas e sites especializados mundo afora. Edgar vem trabalhando há anos com softwares de sons, tendo realizado várias incursões nas experimentações musicais. Já foi premiado com sua HQtrônica Neomaso Prometeu (animação que foi originada de uma HQ reflexiva editada no fanzinato pelo próprio Edgar, quando ainda fazia mestrado). Posthuman Tantra não é de fácil audição. Como se pode ver pela capa (toda a arte foi elaborada igualmente por Franco), há que se deixar o preconceito de lado e encarar a sonoridade pungente, enigmática e trabalhada, que de certa forma, reflete e se coaduna perfeitamente às questões científicas que têm permeado toda a obra de Edgar. Eu escutei o CD enquanto relia os dois números de Artlectos e Pós-Humanos e senti integração autoral total dos dois trabalhos: as ondas de luz que provêm da arte desenhada/escrita de Edgar é similar ao conteúdo informacional das ondas sonoras que advêm das músicas atmosféricas. Na sonoridade em questão, Edgar contou com colaborações de amigos, crianças, fitas gravadas de infância com seus pais, que, diluídos nos arranjos graças a programas como Fruitty Loops, GoldWave, Logic & Ableton Live (além de 8 plug-ins de programas de efeitos sonoros, simuladores de bateria, teclados, moog etc) – e um teclado controlador MIDI, bem como uma capacidade criativa original, tornam a obra equivalente na mensagem que quer passar.

Os três trabalhos (Artlectos #1 e 2 e o CD Posthuman Tantra) não são, repito, fáceis, mas refletem uma nobre alma, um autor artista/cientista, cuja força em sua arte é tão visceral e potente que transforma a mente do leitor/ouvinte, tornando-a mais sensível ao que ocorre ao redor, no globo, e a si mesmo, em sua mente. Já se afirmou que os artistas são perigosos... e Carl Gustav Jung já disse que o artista tem por tarefa algo além do humano, pois traz do psíquico aquilo que deve ser materializado para partilha... A arte tem uma origem etimológica que remete a uma atuação vivencial autêntica, de forma condizente com os anseios internos. Artistas são perigosos, na verdade, às instituições que são reflexos de mentes estanques, decadentes, que não conseguem ver além de seus narizes, e buscam satisfazer os mais básicos dos instintos humanos: o prazer egóico. Mas a vida dessa forma tem conseqüências nefastas, pois meu eu termina onde começa o do outro...e o do outro é parte extensiva de mim (“não faça aos outros o que não quer que façam a si mesmo”, como disse há 2000 anos outro artista que também se preocupava com a humanidade)! Perigosos, assim como se afirmou, porque deslimitam essa visão limítrofe que têm a maioria das pessoas que ainda não se realizam como artistas, auxiliando na mudança do paradigma, para algo maior e mais adequado ao universal (como queria explicar Jung ou mesmo o filósofo e educador brasileiro Huberto Rohden). Histórias em Quadrinhos e músicas podem ser simples, mecanismos alegres para que dancemos e demos graças à vida, para que afloremos a criança interior...mas também podem (e devem) nos avisar quando começamos a singrar por caminhos obscuros, estranhos e perigosos, que nem sempre contemplam a fraternidade e a vida, como o desabrochar de uma flor...

Só quem não sentiu ou se esqueceu da beleza de um amanhecer ou de um perfume/cromático de uma rosa é que pode defender uma vida fria e asséptica, cujo “Deus” seja uma máquina operacional. Histórias em Quadrinhos ou sons desta monta, como os de Edgar Franco, são nossos sinos: nossos avisos, para que não desprezemos o que nos “corrói” ao redor, e para que, ao menos, não nos percamos na ilusão de que são questões das quais não temos a ver, ou que não nos afetam... ao contrário, tudo faz parte de nós, e Franco, como um artista consciente, como queria explicar Jung, está fazendo a sua parte: alertando a si mesmo e a nós, antes que nos arrependamos de não termos rumado para outros caminhos, os quais poderíamos ter perdido (embora não olvidado em essência). Eis porque estas obras de arte são aparentemente complexas e difíceis: não porque o sejam realmente, mas porque decorrem de um incessante pensar consciente, coisa que a maioria não de nós faz, não porque não o queira, mas porque está sendo sabotada pelos subterfúgios e ilusões que a tecnologia criada trouxe, inadvertidamente!

Parabéns a Edgar (e a todos os outros artistas e pensadores que comungam desta necessidade premente de amplitude consciencial), e parabéns também a José Salles, e a todos os outros editores, que como ele, entenderam a premência de termos editados tais trabalhos, ainda que poucos reconheçam tal necessidade! Artlectos Pós-Humanos #1 e 2 podem ser adquiridos por R$ 5,00 cada um (incluídas as despesas postais), pelo e-mail da SM Editora: smeditora@yahoo.com.br; Neocortex plug-in de Posthuman Tantra pode ser encontrado aqui

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