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Teatro: Crítica da peça Infiéis (SP)
Por Ruy Jobim Neto
13/04/2009

A América traída pela paixão

Daniela (Amália Pereira) é assediada por Carlos (Angelo Coimbra): excelentes

O dramaturgo chileno Marco Antonio de la Parra (de O Continente Negro) dá poder aos personagens de Infiéis, que o Teatro Kaus Cia Experimental (da Cooperativa Paulista de Teatro) traz em nova temporada, desta vez no Teatro X (no Bixiga, em São Paulo). A direção precisa e firme de Reginaldo Nascimento (A Revolta e Vereda da Salvação, entre outras) induz a platéia à atenção absoluta. Isso para não dizer tensão absoluta.

Em cena de Infiéis: (sentados) Robson Raga e Maritta Cury, (em pé) Angelo Coimbra e Amália Pereira

São dois casais. Alguém está morto. É uma mulher. Nesse meio tempo, Filipe, um publicitário metido a poeta (Robson Raga, ótimo) tem duas filhas e a esposa, Daniela (Amália Pereira, cativante e precisa), enquanto noutro ponto da história há uma busca pela identidade que se deixou perder, a infidelidade a si mesmos). Um casamento naufraga. Uma mulher que vem de longe, da Europa após à anistia (no Chile), a bela Andréia (Maritta Cury, muito engraçada e tocante) e seu novo marido a tiracolo, Carlos (o não menos ótimo Angelo Coimbra). A reviravolta é insustentável quando o casal Filipe e Andréia, ex-namorados de faculdade antes do golpe de Estado de 1973, se encontram. O Chile de Allende a Pinochet, e depois, o Chile da anistia e da redemocratização, são rasgados de norte a sul pelas paixões desses personagens. Eles se traem. Traem e atraem. A platéia fica acesa.

Maritta Cury e Angelo Coimbra: paixões em desconstrução

A iluminação (que no original tem projetores elipsoidais pra recortes dos personagens) está adaptada ao Teatro X. Há três luzes de solo (diríamos, de ribalta?), backs vermelhos em momentos de tensão, backs azuis em momentos gélidos. O branco que é despejado em cima de cinco caminhas com uma profusão de lençóis e travesseiros. Tudo compõe um quadro de desejos e infantilidades, momentos difíceis de conter nas confusas relações humanas que Reginaldo extrai de seus atores. A peça é de atores. O trabalho está em cena. Os quatro não saem da frente do olho da platéia. A América Latina é passada a limpo na pele desses quatro apaixonados. As paixões pela democracia, pela vida, todas são dilaceradamente traídas. O regime militar de Pinochet provocou situações não menos diferentes do que na Argentina de Videla ou no Brasil de Geisel e Figueiredo. A sensação de pertencimento é flagrante. Você se sente parte da vida dos quatro personagens. Eles são a gente. E nós estamos e nos sentimos traídos por uma série de eventos da vida política de nossos países. Somos esse todo.

Andréia (Maritta Cury) é a perdição de Filipe (Robson Raga): ótimos

O jogo é labiríntico. Camas são feitas e desfeitas, veladas, e desveladas em cena aberta. Tudo é feito dos lençóis, até esconderijos de verdades que não deixam mentir. “Busco traçar um jogo dentro do labirinto de camas, onde sonho e pesadelo dormem juntos e os personagens estão aprisionados numa atmosfera de dor e angústia. Mantenho o olhar profundamente voltado ao ator, que permanece em cena durante todo o tempo da peça, construindo e desconstruindo ambientes, situações e narrativas reais e irreais, que transitam do dramático ao épico”, conta o diretor Reginaldo Nascimento, que também assina o cenário e a sonoplastia. O texto (de la Parra) é tão contundente, engraçado, tocante, pungente, arrebatador, que a belíssima dinâmica dos quatro intérpretes (Maritta, Amália, Robson e Angelo) estabelece um jogo preciso e precioso. É uma montagem visivelmente dificílima, alicerçada em detalhes, no olhar dos atores e no olhar da platéia. É a quinta temporada do espetáculo, depois de ter passado por palcos como o Centro Cultural São Paulo e o do Teatro Sergio Cardoso, entre outros. Todos estão de parabéns. Pela trilha sonora escolhida a dedo, pela tensão das luzes, pelo jogo cênico, pelo uso de elementos simples, pela limpeza de cenário. O jogo está no ator. Teatro puro. A platéia agradece. Vale demais a pena ver. E rever.

Serviço
Infiéis – Reestreou dia 2 de abril de 2009, quinta-feira, às 21h
Texto: Marco Antonio de La Parra
Tradução: Hugo Villavicenzio
Direção: Reginaldo Nascimento
Com o Teatro Kaus Cia Experimental
Elenco: Robson Raga, Amália Pereira, Maritta Cury e Ângelo Coimbra
Duração: 1h20 minutos
Recomendação: a partir de 14 anos
Ingressos: R$ 20,00 (Estudantes, maiores de 60 anos e classe teatral têm 50% de desconto)
Quintas-feiras, às 21h
Até 28 de maio
Teatro X – Rua Rui Barbosa, 399 - Bela Vista - São Paulo-SP - tel: (11) 3283-2780. Capacidade 80 lugares
Bilheteria abre uma hora antes do espetáculo. Acesso para deficientes. Estacionamento conveniado a R$ 8,00 na Rui Barbosa, 347. Café.

(Crédito das fotos: Júlio Cesar Landim - Assessoria de Imprensa: Amália Pereira)

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