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A imagem que se monta e a que não é vista
Por Ruy Jobim Neto
08/01/2007

Há uma novidade que logo se perceberá. Mauricio de Sousa se transfere com todos os seus títulos de gibi, neste janeiro de 2007, da Editora Globo para a Panini Editora. Depois de ter feito sucesso com dois títulos na Editora Abril (Mônica, de 1970 e Cebolinha, de 1973) e de passar para a Globo na década de 1980, onde as vendas aumentaram incrivelmente no universo de Quadrinhos de banca e novos títulos apareceram (Magali, Cascão, Chico Bento, todos os almanaques, gibizões e gibizinhos) – o que significou também a saída da Folha de S. Paulo, indo para o suplemento infantil do Estadão -, as revistas em Quadrinhos da Turma da Mônica começarão do número 1, novamente.
 
A realidade é que, à parte disso, o grande público leva somente uma parcela das notícias para as profundezas de sua mente. Para quem vê de fora o estúdio de Mauricio de Sousa, mesmo tendo ido agora com suas revistas para a Panini, além de estrear com tiras cômicas Ronaldinho Gaúcho pela Universal Press Syndicate em muitos países a partir da (fracassada) Copa do Mundo (para nós, brasileiros) e com muitos filmes em DVD nas prateleiras das locadoras, o sucesso lhe parece imbatível. A realidade é bem mais amarga. Vejamos os entornos.

Necessário dizer que em artigo escrito nesta coluna, falamos de como o público vê uma coisa, enquanto o que se escamoteia justamente através da mídia é algo bem diferente. O posicionamento de marketing de Mauricio de Sousa, lembremos, é de ser o "Walt Disney brasileiro". Ora, isso por si só já é algo esquisito, quando na realidade ele deveria ser considerado alguma outra coisa, como, por exemplo, "o homem certo na hora certa, no lugar certo". Se no final dos anos 1950, Mauricio produzia Quadrinhos para suas reportagens policiais para a Folha de S. Paulo (jornal ao qual deve o início de toda a sua trajetória, incluindo o abrigo de sua empresa em dois andares do prédio da Alameda Barão de Limeira), foi a partir da amizade com o publicitário Ênio Mainardi que a sorte deu uma virada para o cartunista. E nesse meio tempo duas edições, pela Editora Continental, de Bidu, foram publicadas sem o devido sucesso.
 
Ênio Mainardi tinha a conta de um cliente novo, e precisava apresentá-lo de forma diferente ao público brasileiro. Assim, foram feitos os filmes animados para os comerciais da CICA, uma empresa alimentícia italiana que acabava de aterrissar em solo brasileiro (mais precisamente em Jundiaí), o que abriu as portas da personagem Mônica para o mercado editorial da Editora Abril. Bastava que o elefante Jotalhão (criado para os filmes, para o rótulo do extrato de tomate e para os Quadrinhos) pronunciasse a frase "Ô, Mônica!", que as crianças de todo o País logo juntavam uma coisa à outra – televisão ao gibi nas bancas. Sucesso imbatível para a época, Mauricio era o único nome nacional com estúdio próprio sendo publicado numa editora que também produzia os Quadrinhos Disney desde 1950 (até mesmo com artistas brasileiros). Desta empreitada, para a distribuição nacional de tiras cômicas para jornais de todo o Brasil, foi um passo. Daí para o licenciamento. Mônica e sua turma de personagens tocavam em algo e faziam ouro. Como o rei Midas.
 
Após Mauricio de Sousa ter ganhado o Prêmio Yellow Kid em Lucca, na Itália, em 1968 e de estourar em vendas de Quadrinhos, a vontade de deslanchar seus personagens mundo afora era algo visível a médio e longo prazo. Nove contratos  editoriais com países europeus foram feitos, segundo o próprio Mauricio, em entrevista concedida em 1984. Destes, apenas três sobraram intactos. O motivo = não havia animação com os personagens cujos filmes pudessem ser exibidos na TV ou no cinema. As crianças não identificavam aqueles gibis com coisa alguma que viam na telinha, em casa. Não havia compras. Assim, o esforço foi pomposo – muitos filmes em longa e curta metragem foram produzidos, alguns deles até mesmo a partir de historietas clássicas, como aquela da sereiazinha no rio, publicada na década de 1970. Um exército de animadores, roteiristas e artistas ligados ao audiovisual foram reunidos em torno desse objetivo maior. Um parque foi criado no Eldorado Shopping Center, em São Paulo. O grande ilustrador português Jayme Cortez, que era um dos principais executivos artísticos do estúdio, viria a falecer alguns anos depois. Alice Keiko Takeda, esposa de MaurIcio, toma as rédeas do estúdio e uma nova ordem é colocada, os personagens ganham outros contornos, novas cores, novos modelos.
 
Mesmo assim, os impérios não sobrevivem por muito tempo. O que foi escondido do público foi que, há coisa de uns dois ou três anos, aconteceu uma grande demissão em massa de artistas (tanto de animação quanto de Quadrinhos) e a máquina da Mauricio de Sousa Produções passou a trabalhar, em sua maioria, de forma terceirizada. Muitos artistas fizeram acordo com a empresa, devido a indenizações trabalhistas que a princípio não poderiam ser pagas. Enquanto isso, filmes eram lançados em DVD, livros novos iam para as prateleiras e bancas, algumas produções de cinema faziam público ínfimo e alguns artistas free-lancers seguiam trabalhando com volume redobrado devido à depreciação (atual) de roteiro, argumento, desenho, colorização e arte-final das páginas de gibi. Assim, agarrando-se ao sucesso imenso junto ao público, que consome as mesmas revistas produzidas num espaço de dez em dez anos (boa parte do material é republicado, reimpresso, são montadas coletâneas de gibis com fotolitos antigos), o estúdio prossegue.
 
A Editora Globo, em vista da transferência do contrato de Mauricio para a Panini, viu-se forçada a montar pacotinhos de banca com volumes de gibi para vender, ao preço de uma só revista, todo o estoque excedente. Dumping puro. Tentou algo com os personagens de Ziraldo. Agora aposta nos três títulos de banca do Sítio do Pica-pau Amarelo, de Monteiro Lobato. Nesse meio tempo, a tira do astro do Barcelona, Ronaldinho Gaúcho, impõe ao público a aparição de uma possível spin-off (aquela série que vem dentro de outra série, como Joey, da Warner Channel, apareceu a partir de Friends), e nessa articulação, lá dentro da tira estão os principais personagens da Turma da Mônica a serem mostrados para todo o mundo – Cebolinha, Cascão, Magali e, claro, a própria Mônica. 
 
Sei que para muitos internautas, esse artigo soará como herético, onde o inatacável Mauricio de Sousa está sendo colocado (quase) a nu. Quase. O fato é que, mesmo com um case de sucesso tão longínquo como o de Mauricio, a imagem que as assessorias de Imprensa montam (e mesmo aquela que elas não deixam passar, devido a esse ou àquele motivo), o público tende a endossar esse mesmo sucesso. Não tem importado, não feito a menor diferença, mesmo que o mercado de Quadrinhos brasileiro tenha se tornado basicamente Mauricio de Sousa, apesar de tantos outros artistas existirem por aí. O posicionamento dos produtos (impressos, licenciados e audiovisuais) da Mauricio de Sousa Produções é este, afinal.

Mesmo que durante muitas décadas diversos artistas do lápis tenham deixado de lutar por seu próprio nome, ganhando muito bons salários (até os dias da demissão em massa), tornando-se meramente artistas desconhecidos e escondidos como "fantasmas", atrás da assinatura do criador da Turma da Mônica. Nesse ponto, Mauricio se aproxima mesmo de Disney, só que com uma diferença – hoje já se conhecem as obras de autores disneyanos como Carl Barks, Al Tagliaferro, Floyd Gottfredson, os "Nine Old Men" e tantos outros inúmeros artistas que fizeram mais de setenta anos do sucesso e do sonho do estúdio produtor de Mickey Mouse. 

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