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Quadrinhos e História: Tudo a ver (1)
Por Ruy Jobim Neto
23/05/2006

Um Power Point faz toda a diferença. Quando antes toda e qualquer palestra ilustrada era regada a folhas e folhas intermináveis de transparências, isso para exibir imagens a platéias às vezes impacientes, um data show, filhote das tecnologias, vem muito a calhar. E esse foi o salvador da Pátria para um de meus maiores prazeres - ministrar palestras sobre História das HQs.
 
A ligação de quadrinhos e História é óbvia, salta aos olhos. Das cavernas de Lascaux e Altamira, com desenhos rupestres ilustrando caçadas, passando pelo desenvolvimento da Imprensa por Johannes Guttenberg, na Alemanha renascentista (a Imprensa foi o invento que se tornou o verdadeiro divisor de águas da História humana) e chegando até às análises psicológicas (verdadeiros atiçadores do horrendo Código de Ética e da censura da Guerra Fria nos quadrinhos, no cinema e na TV) feitas pela cabeça do Dr. Frederick Wertham, também alemão, em seu livro A Sedução dos Inocentes, tudo está alinhavado. A aventura humana contada pelas imagens e pelos textos em seqüência é quase um bebê.
 
Nosso ítalo-brasileiro Angelo Agostini, pelos idos de 1860, concebeu seu Nhõ Quim e as aventuras por uma terra brasilis (praticamente) trinta anos antes da publicação de Hogan´s Alley, criadouro e quintal-mor do Yellow Kid de Richard Fenton Outcault. É preciso que se diga. Outra coisa legal de lembrar é a influência de publicações americanas e francesas (e de personagens carismáticos como a empregada Becassine) na origem de O Tico-Tico (dentro da redação de O Malho, e isso a professora e pesquisadora Maria Cristina Merlo está mais do que habilitada para destrinchar, mestra que é no assunto).
 

Sobrinhos do Capitão

Que Max und Moritz, de Busch, deu origem aos Sobrinhos do Capitão, (os personagens alemães imigrantes) de Dirks, é tão verdadeiro quanto Chiquinho e Jagunço, em O Tico-Tico, vieram diretamente da fonte do mesmo Outcault do Yellow Kid. Buster Brown, o garoto traquinas das classes altas, sempre foi conhecido entre nós como Chiquinho. O cão Tige virou Jagunço, e a eles ainda foi acrescido, no Brasil, um “negrinho de recados” das mansões ricas, o Benjamin. Lembremos o alto teor racista daquele instante histórico, início do século XX (nada que a novela O Cravo e a Rosa, de Walcyr Carrasco, não tivesse mostrado com toda propriedade). Não haveria mesmo espaço para um Hogan´s Alley brasileiro nos quadrinhos, não em O Tico-Tico, embora Aloysio Azevedo o tivesse descrito em  seu romance O Cortiço.
 
Outra coisa interessante é ver o trabalho pantagruélico desses artistas máximos dos quadrinhos que são René Goscinny e Albert Uderzo na concepção de todo o universo de Asterix. Ou de artistas como Hal Foster, que deixou Tarzan, que ilustrava para livros de Edgar Rice Burroughs, para vender a William Randolph Hearst e para a King Features a magnífica obra-prima que é O Príncipe Valente. E que pesquisa, meu amigo! Não só os figurinos e cenários, como também (e principalmente) o modus vivendi daquele pessoal da Idade Média. Perfeito para professores darem aquela palhinha a seus alunos sobre esse período histórico.
 
Impossível falar de Manara em Bórgia, trabalho colossal, sem olharmos para figuras e figurinos da Renascença italiana, o que já nos dá uma amostra da pesquisa do grande quadrinhista. Uma rápida corrida no Google já nos ajuda, e muito. Mesmo as deliciosas tolices de Pafúncio & Marocas (Bringing Up Father), de George McManus, mostram como pensavam e viviam os habitantes da classe chamada “nouveau riche”, em princípios do século XX, nos Estados Unidos. Divertido também é ver como os preconceitos sociais persistem, se atentarmos para os personagens de Blondie, criados por Chic Young, (ela pobre e ele rico, porém o rapaz foi deserdado pela família por ter casado com uma moça não pertencente ao upper class), e que vão viver, portanto, as agruras da classe média.
 

Little Nemo in Slumberland

Mesmo a obra-prima de Winsor McCay, Little Nemo in Slumberland, com os sonhos que só Freud poderia explicar e o menininho sempre caindo da cama em todo quadrinho final, nos dá mostra perfeita da "art nouveau" da Era vitoriana. Um mundo que se transformou por completo depois das Guerras Mundiais, de Betty Boop e seu erotismo nos anos 1920, ou com outro exemplo, Terry e os Piratas, do grande "Michelangelo do chiaroescuro" Milton Caniff, durante os anos 1940.
 
Enfim, podemos aqui traçar inúmeros paralelos (Bolinha e Luluzinha, de Marge, misturados num liquidificador a Peanuts, de Schulz, desembocando na Turma da Mônica, de Mauricio de Sousa) e momentos de ação/reação (Turma do Pererê, de Ziraldo, sendo publicada até abril de 1964 e o movimento militar iniciado no final de março daquele ano), coisas que enfim só podem enriquecer uma aula e nutrir infinitas discussões sobre classes sociais, períodos históricos, modos de vida, maneiras de pensar e ver o mundo. Os quadrinhos estão aí, pra quem quiser revirar a História. E vice-versa. 

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