NewsLetter:
 
Pesquisa:

Cinema ao Vivo: Fluidos faz pisar em História (SP)
Por Ruy Jobim Neto
26/05/2009

O diretor Alexandre Carvalho (olhando para a foto), com equipe e elenco, prepara cena de Fluidos (foto: Tania Granussi)

Depois da estreia do primeiro longa-metragem ao vivo, Fluidos, nada melhor que equipe e elenco se reunirem na lanchonete em frente ao Centro Cultural São Paulo para avaliar, conversar e bebericar. Lanchonete esta que aparece como cenário no filme, inclusive. Alexandre Carvalho e todos os talentos que ele alinhavou realmente fizeram, tendo a platéia como testemunha, um pedaço de História. Até então o Brasil não havia visto este tipo de experiência em que o que está acontecendo em três locações diferentes, cada uma com uma equipe, transmitindo imagem e som ao vivo, chega finalmente a uma sala de cinema com a mais absoluta instantaneidade. O Cinema e o teatro se fundindo. Aqui, agora. E em 70 minutos de ação quase ininterrupta, pois há algumas cenas pré-gravadas, noturnas, mostrando os personagens em outros momentos. Algumas delas estão no belo trailer de Fluidos. O acabamento da obra, apresentada pela ASC Audiovisual, é minucioso, o cuidado com a imagem está evidenciado no trailer, na abertura, nos créditos, todos muito bem trabalhados. Nem mesmo Alexandre Carvalho tem notícia de algo semelhante, mundo afora. O resultado é um sucesso, e se formos lembrar justamente os inventores do Cinema (na época chamado de “cinematógrapho”), os irmãos Louis e Auguste Lumière, eles também não sabiam a extensão da invenção que tinham acabado de apresentar em Paris, (no ano de 1895, para espanto geral de uma platéia vitoriana que via imagens jamais experimentadas antes). Um dos irmãos Lumière chegou, inclusive, a dizer numa entrevista que aquela invenção não duraria mais de três anos. Se ele soubesse...

Fluidos aconteceu diante (e no meio) de uma platéia que formou fila para lotar os 100 lugares da sala Lima Barreto do CCSP. Uma das surpresas do filme é uma interatividade que acontece dentro da própria sala, por breves instantes. Não é bom contar para não estragar o que acontece. Mas somente essa interatividade já basta para demonstrar a eficácia do cinema exibido ao vivo. A idéia em si tem um quê de revolucionário e de nostálgico também, transforma a platéia em testemunha de algo muito novo surgindo, ainda precisando se entender como produto para ver que rumo tomar. Mas o passo importante foi dado. E é louvável que o poder público tenha atentado para essa novidade, pois o projeto ganhou o edital Primeiras Obras, em 2008, prêmio concedido pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. E lá estavam na tela os seis personagens, cada dupla em seu núcleo. Com diálogos cortantes, ótimos, muitas vezes engraçados, bem ensaiados e dando enorme margem ao improviso para não deixar a peteca cair, como muito bem lembra uma das atrizes, Tatjana Eivazian, que interpreta a quase-sem-escrúpulos repórter de TV Magali, que procura casos atípicos para um programa sensacionalista em cuja equipe de produção ela detesta trabalhar.

O elenco de Fluidos

São ótimas as tiradas dela, a platéia se diverte com suas frases hilárias. E entre um petisco e outro, Magali encontra o seu novo astro de TV, Lucas (interpretado pelo ator Gus Stevaux). O rapaz tem um caso (médico? patológico?) que não pode ser revelado aqui para não tirar a graça. A construção desse pretendente a celebridade é o objetivo de Magali. Qualquer semelhança do personagem Lucas com inúmeros casos de pessoas enebriadas pelos meios de comunicação de massa não será mera coincidência. Gus Stevaux, o intérprete de Lucas, se diverte com as pessoas da platéia, que vem depois perguntar a ele se na vida real ele (o ator) tem o tal problema do personagem. Desta forma, Fluidos procura flertar exatamente neste limite geográfico, entre o mundo externo e o pessoal. A mídia invadindo a tal ponto a vida das pessoas de forma que não saibamos mais o que somos. Assim também é a trajetória da personagem Raquel (na pele da atriz Silvia Pecegueiro), uma esposa que busca satisfação mínima ao encontrar o marido, Carlos, somente pela Internet. Esses momentos hilários da personagem também não podem ser revelados para não tirar a graça. Entediada, Raquel busca grupos de estudo e cursos de arte. Vai mexer com argila num workshop. É nesse meio tempo que uma colega deste curso começa a se aproximar. Trata-se de um transexual, Tamara (interpretada pela atriz Tania Granussi). A amizade das personagens vai se construindo paulatinamente. Melhor não falar mais nada.

Mas o efeito causado na platéia é muito interessante de observar, comentou depois com este colunista a atriz Silvia Pecegueiro. Para Tania Granussi, por sua vez, autora da bela foto desta matéria, participar de um projeto como Fluidos evoca uma série de adequações para atores que vieram do teatro, a adaptação à tecnologia e, nas palavras dela, “é salutar que haja espaços para investigação e para projetos ousados - cujos riscos também são ousados”. E Tania, por e-mail,  acrescenta: “é um casamento (cinema e teatro) que promete filhos. Amen”. Finalmente, a última dupla, um casal, Chico e Suzie, interpretados respectivamente pelos atores Laerte Késsimos e Amanda Banffy. Os dois são de um erotismo que beira o patológico, eles são guiados por fetiches imagéticos, onde eles filmam tudo o que fazem juntos. Absolutamente tudo. Ele é músico e ela uma garota que perambula em busca de prazeres instantâneos. Como numa foto tirada por celular. Aliás, é a tecnologia que une esses dois, e isso fica muito evidente à medida que os vamos conhecendo melhor. Em dado instante, personagens cruzam as demais histórias, mas sem desviar dos seus temas principais. Os desfechos são interessantes, contemporâneos, perfeitamente cabíveis.

Coisas curiosas acontecem dentro da cena, e aí é preciso dar uma de esquizofrênico pra tentar explicar: a) do lado de dentro, a platéia vê alguém recebendo uma chamada de celular e b) esse alguém acidentalmente pode não ser uma chamada que esteja no script. Essa passagem engraçada foi relatada pelo ator Laerte Késsimos (autor do belíssimo cartaz de Fluidos, que este colunista teve a oportunidade de elogiar - ao vivo - para o criador da obra). Tem uma cena em que Chico vai receber um telefonema. Num ensaio, calhou de ser um amigo dele, do ator, na vida real. E tudo ficou, por instantes, completamente maluco. Amanda Banffy relembra que em cena, ao vivo, ela e Laerte descarregam a história que o pessoal da produção de Fluidos passou na Vila Nova Cachoeirinha. Eles, inclusive. Foi lá que aconteceu um incidente que provocou o adiamento da estréia, que seria em plena Virada Cultural, nos dias 2 e 3 de maio. O efeito, para quem conhece a história, fica engraçado. Um toque irônico. Só resumindo: durante os ensaios, próximos ao CCJ (Centro Cultural da Juventude), na Zona Noroeste de São Paulo, alguns transeuntes foram agressivos com equipe e elenco. Em virtude disso, Fluidos será apresentado somente em versão pré-gravada e editada, garantiu Alexandre Carvalho, pois o projeto ganhou o edital da Prefeitura através do CCJ. E quem sabe o filme vá também para festivais pelo mundo todo, conseguindo finalização através de algum edital de Cinema. Nós que aqui estamos, que por vós esperamos, ficaremos na torcida.

Para se ter uma idéia mínima da coisa acontecendo, enquanto a platéia assiste, tranquila, ao filme sendo exibido ao vivo  com as imagens captadas por três câmeras (duas mandando sinal por antena até uma switcher onde está o diretor, e uma terceira, por cabo), lá fora, em cima, nos corredores do CCSP, há uma correria intensa de gente. Técnicos subindo audaciosamente escadas frágeis, com equipamento, para ganhar tempo e chegar a outra locação, como por exemplo, o platô em cima do Centro Cultural. Até descrever dá cansaço. Melhor ver o site deles, com mais informações, neste link. Domingo último este colunista assistiu calmamente à exibição na sala Lima Barreto, e assim ficou combinado que no próximo sábado (o último das exibições) estará gastando calorias correndo atrás e junto de alguma das três equipes, para ver a parafernália acontecendo, um making of ao vivo. Uma corrida que será parcial, evidente, mas que será bem curiosa de fazer. São duas experiências que mais parecem compor uma colcha de retalhos audiovisual. Belo trabalho, todos estão de parabéns pela aventura ao vivo chamada Fluidos. Um baita desafio, sem dúvida alguma.

Serviço
Fluidos
Direção geral e concepção: Alexandre Carvalho
Elenco: Amanda Banffy, Laerte Késsimos, Gus Stevaux, Tatjana Eivazian, Silvia Pecegueiro e Tania Granussi
Onde e Quando: Sala Lima Barreto (100 lugares)
Centro Cultural São Paulo 
R. Vergueiro, 1000 - |Paraíso, São Paulo-SP
Tel.: (11) 3397-4002
Grátis
Dia 30, sábado, 14h
(melhor chegar com uma hora de antecedência, para conseguir ingressos)

Quem Somos | Publicidade | Fale Conosco
Copyright © 2005-2024 - Bigorna.net - Todos os direitos reservados
CMS por Projetos Web