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Resenha: Os Brasileiros
Por Cadorno Teles
16/07/2009

Sempre foi colocado que os nativos encontrados em nosso território, da época de Cabral aos dias de hoje, como vitimas indefesas da História – do colonialismo ao neoliberalismo – como criaturas frágeis ao poder dos homens brancos, aos manejos da tal civilização. Mas não para o historiador, antropólogo e quadrinista André Toral, em seu mais recente trabalho, Os Brasileiros (Conrad, 88 págs., R$ 38,00), os índios tem lugar de destaque, não como um mero obstáculo, e sim como protagonistas em relatos que narram o choque de civilizações de épocas diferentes, da extração do pau-brasil no século XVI à implantação de um latifúndio no século XX.

Adotando um estilo diversificado, Toral merece destaque entre os autores brasileiros de HQs, pelo uso de referencias científicas, no caso a antropologia, em entrevista ao Sedentário & Hiperativo, disse que suas “(...) histórias refletem parte do que eu aprendi, na bibliografia e nas pesquisas de campo, sobre os índios. Mas as histórias são antes de tudo produto da imaginação, ficção. Ser baseada em fatos e documentos reais não muda em nada isso. Quanto mais se estuda a história dos povos indígenas no Brasil, mais se comprova que eles não são vítimas e nem estão fadados a desaparecer”. Com um estilo reflexivo narrativo e um traço direto, sem muita retoques, que passeia pelos vários estilos de pintura, do nanquim ao lápis, aos moldes de transparências coloridas, como também às aquarelas. Toral se alia à estratégia narrativa e à perfeita adequação dos vocábulos utilizados com o ambiente e a história para chegar ao seu objetivo. Autor de Quadrinhos desde 1986, já venceu dois prêmios HQMIX de melhor roteirista nacional com as graphic novels O Negócio do Sertão (1992) e Adeus, Chamigo Brasileiro – Uma História da Guerra do Paraguai (1999).

Em Os Brasileiros apresenta sete relatos, onde o pano de fundo fictício insere a relação entre brancos e índios no território brasileiro das descobertas até o passado recente. São histórias criadas entre 1991 e 2008, reunidas a convivência cotidiana dos grupos indígenas com os não índios. O título, Os Brasileiros, vem da condição de ser brasileiro, um termo que moldou ao longo do tempo, ser brasileiro na época da colonização tinha outro significado, ou como mesmo analisa “somos diferentes de nossos avós e nossos netos serão diferentes de nós. Somos todos, no entanto, brasileiros”. Assim narra partindo da violência sem limites dos bandeirantes, e passando pela fúria predatória de fazendeiros inescrupulosos até chegar às armadilhas contemporâneas da ganância e do alcoolismo, surgem relatos impressionantes da luta de povos que resistiram e até hoje marcam presença como representantes das sociedades mais antigas que fazem parte da população e da cultura brasileiras.

Em O Brasileiro (2008), primeira história, narra o destino de um homem, um mercenário que lutou na França, nas lutas religiosas entre protestantes e católicos. Um homem mau que encontrará seu destino no Brasil de 1560. Na segunda história, A Mulher do Morto (1999), temos a vingança como meio articulador dos conflitos entre tupiniquins e tupinambás. Em A alma que saiu do corpo (2008), ambientada nos dias de hoje, aborda o dia-a-dia de uma tribo em frente às doenças, ao mítico, ao homem branco. Em A Imagem de Jim Hendricks (2008), temos o destino de um pintor medíocre no Nordeste ocupado pelos holandeses. A graphic novel O Negócio do Sertão de 1991 segue, com a narrativa de uma pequena expedição de caça de escravos indígenas, no ano de 1653. Temos aqui a melhor abordagem onde a organização, o financiamento, as dívidas do negócio, tudo é descrito com um olhar de historiador, a melhor de todas.

O Caso dos Xis de 1992, publicado na revista General, é sobre o desaparecimento de grupos indígenas na Amazônia de hoje. E por último O iãgre (2008), uma misteriosa e filosófica história sobre o iãgre, para saber o significado só lendo. O autor quer que seus leitores lidem com a leitura de HQs, vendo a verdade gráfica em meio ao conjunto fictício de seus roteiros. Um dos melhores trabalhos publicados este ano. Superecomendado.
 


O AUTOR
Historiador e antropólogo, André Toral nasceu em São Paulo em 1958. Estreou nos Quadrinhos em 1986, com a história Pesadelos Paraguaios, publicada na extinta revista Animal. Durante os anos seguintes, colaborou com as principais revistas de Quadrinhos do Brasil na época. Em 1992, publicou sua primeira graphic novel, O Negócio do Sertão, que lhe rendeu um Troféu HQMIX de melhor roteirista nacional. Em 1999, lançou seu segundo álbum, Adeus, Chamigo Brasileiro – Uma História da Guerra do Paraguai, mais uma vez ganhador do Troféu HQMIX de melhor roteiro. Além de Histórias em Quadrinhos, produz também livros e artigos sobre temas relacionados à Antropologia e História da Arte, como os três volumes de Arte e Sociedade no Brasil, em co-autoria com Aracy Amaral. Atualmente vive em São Paulo, onde trabalha como professor universitário.

 

 

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