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Pabeyma: como o futuro era visto no passado
Por José Salles
17/03/2006

No ano de 1968, a Editora Edrel lançava nas bancas o primeiro número de Pabeyma – o primeiro, infelizmente, de uma curta série com mais três outros números (todos em formato americano, p&b, 34 páginas) – um pecado que não tenha continuado por mais 400 números, tão formidável é esta criação de Nelson Ciabattari y Cunha ilustrada brilhantemente por Paulo I. Fukue. Este, a propósito, já havia desenhado dois heróis para esta mesma editora: Tarun (ok, que deveria se chamar “Tarzun”) e Super Heros (também conhecido como Heros, outra criação interessantíssima).

A primeira HQ com Pabeyma, exatamente aquela que conta sua origem, já havia sido lançada pela Edrel no quarto número de Super Heros. Para não reprisar tal história publicada recentemente (ainda não havia chegado a hora dos encalhes), as primeiras páginas do primeiro número de Pabeyma trazem um conto-introdução escrito por Ciabattari, que narra aos leitores a origem de Pabeyma e mais: numa leitura atenta podemos perceber a riqueza da pesquisa na concepção deste ilustre desconhecido personagem dos quadrinhos brasileiros. Penso que um artista, ao elaborar sua obra, o faz influenciado pelas dores e alegrias de seu tempo. E isso se aplica mesmo no estilo que chamamos ficção científica, quando se pensam em mundos futuros hipotéticos-prováveis-inconcebíveis, etc. O leitor de qualquer obra feita no passado deve levar isso em consideração. Reduzir uma obra futurista escrita no passado a um simples exercício de adivinhação é subestimar a capacidade do artista. Pouco importa se Jules Verne ou George Orwell acertaram ou erraram o futuro que previram em suas obras: o que fica é o registro de cada época, sob o ponto de vista de duas mentes criativas e inquietas. E todo aquele que, lendo Pabeyma, seguir tais preceitos, vai se espantar até cair o queixo, ao se perceber diante de uma obra muito à frente de seu tempo. Concordo plenamente com o sr. Antônio Luiz Ribeiro, quando diz que os quadrinhos de Fukue se assemelham muito mais aos europeus do que às HQs estadunidenses.

O personagem Pabeyma foi criado a partir das notáveis evidências que demonstram quase que irrefutavelmente a presença de seres de outros planetas na Terra. E, ao levarmos em conta aqueles gigantescos sinais iconográficos no topo dos Andes, os extraterrestres não só nos visitaram, mas também nos dominaram. E esta é a premissa inicial: seres de um planeta distante chegam aqui e encontram homens vivendo com dinossauros. Bondosos, os visitantes livram os terrestres do martírio de Prometeu: repartem sua experiência com os autóctones, misturam-se a eles mesclando duas raças, e ainda legam todo o seu conhecimento – era um povo que já dominava a ciência genética, já havia vencido a velhice e estava tentando agora derrotar a morte. O primeiro resultado disso é uma criança feita em laboratório, concebida não só para o esplendor físico, mas, graças a um feito cirúrgico notável, toda memória histórica, todo o conhecimento histórico fôra implantado em seu cérebro – e revelando também todo o conhecimento desta nova humanidade, formada pelos filhos de terrestres e alienígenas. Perdida ao longo dos anos, a criança perfeita cresce e recebe o afeto de uma tribo tupi-guarani, que o chama de Pabeyma (o imortal). Seu notável conhecimento e suas proezas físicas o transformam num líder em todo mundo, até se transformar num diplomata universal, resolvendo encrencas na Terra e além dela.

Pabeyma em Marte


Pabeyma não tem máscara, capa sim, e um capuz que mais parece o do Fantasma – mas a julgar pelas cores da capa (vermelha), e o collant predominantemente verde, a lembrança é do Visão (herói dos anos 1950 que foi revivido nas histórias dos Vingadores da Marvel na década seguinte). O primeiro dos quatro números de Pabeyma publicados pela Edrel é, de longe, o pior deles (não que seja ruim, os outros é que são bem melhores). O herói-diplomata, ser genético criado artificialmente, mas com a alma dos guaranis (e, como devem perceber aqueles que lerem as historinhas, um grande gozador), vai até o planeta Marte resolver uns pepinos com uma rainha toda orgulhosa. Pabeyma tem que dar pau (surra) num dos eunucos da rainha, um negrão imenso, e depois até mesmo em sua majestade – o que ele não sabia é que, de acordo com as leis do planeta, aquele que vencesse a rainha em combate era obrigado a se casar com ela. Que patacoada, hein? Completa o primeiro número de Pabeyma uma HQ do personagem Jaguaruna.

Os três números restantes é que vão mostrar a história que fez de Pabeyma um personagem que, mesmo de passagem fulgurante no mercado editorial, vem sendo lembrado por admiradores e estudiosos até hoje. E não é pra menos: O Homem Cósmico é um notável exemplo do que há de melhor nos quadrinhos de ficção científica – pra ser mais justo, esta HQ é um notável exemplo do que há de melhor nos quadrinhos, ponto. Um notável mundo futurista criado pelos autores e que revelam muito da época histórica em que foi feita. Pabeyma #2 foi lançado entre agosto/setembro de 1968, e O Homem Cósmico se passa no ano de 1990. Vejam como estaria o planeta, na visão dos autores que escreveram a história 22 anos antes: a insistente Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética havia causado um estrago e tanto no planeta: pesquisas e guerras genéticas haviam transformado a face dos humanos, agora seres híbridos com características animais, mas mantidas as diferenças raciais e sociais. Estes novos seres (meio homem, meio peixe, ou boi, ou pássaro, etc), são conhecidos como “mutados” e, ao se descobrirem mais fortes que os humanos (agora chamados de “normais”), tomaram-lhes o poder político e ainda iniciaram perseguição intolerante. É aí que entra Pabeyma: com muita diplomacia, ele vai tentar resgatar os “normais” que agora são refugiados em seu próprio planeta.

E é neste cenário que Pabeyma vai viver aventuras nos números 2,3 e 4 de sua revista. Aventuras que de certa forma são independentes, mas interligadas – especialmente nos quadros finais de cada aventura, sempre com um “gancho” para a seqüência, como os antigos seriados de cinema dos anos 40 do século passado. Suspense e ação quase incessantes, narrativa ágil, buscando as boas influências dos personagens da Era de Ouro dos comics – e o traço marcante de Fukue, especialmente nas seqüências de ação e luta. No segundo número, Pabeyma vai parar na região dos homens alados; no terceiro número, o mais empolgante, Pabeyma é obrigado a enfrentar alguns dos campeões dos “mutados” – e curioso é que contra cada adversário o herói aparece com um visual diferente; no quarto e último número, é capturado pelos homens aquáticos, e acaba ajudando esse pessoal a combater um polvo gigante (coisa que me lembrou os filmes B de ficção científica). O quadro final anunciava uma próxima aventura, que jamais foi publicada.

Uma lástima, evidentemente. Assim como quase todos os personagens em quadrinhos criados no Brasil, Pabeyma sucumbiu diante do poder quase imbatível dos cartéis estrangeiros, e também pelo histórico desprezo que a maioria dos leitores de gibis aqui no Brasil sentem por personagens criados por compatriotas. Tão notável é Pabeyma, tão a frente de seu tempo, que não é exagero dizer que é um digno precursor de ByoCyberDrama, o espetacular álbum criado por Edgar Franco e Mozart Couto, lançado no segundo semestre de 2003. Muito dos temas levantados em Pabeyma se encontram também no deslumbrante trabalho de Franco/Couto – e essa relação com Pabeyma é claro que o valoriza ainda mais, e a existência de uma obra como ByoCyberDrama nos dias de hoje, por sua vez, valoriza igualmente a inesquecível criação de Nelson Ciabattari y Cunha e Paulo I. Fukue nos idos da década de 60 do século passado.

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