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Entrevista: Alexandre Nagado
Por Rod Gonzales e Marcio Baraldi
12/05/2011

“As grandes editoras fizeram muito pelo Quadrinho estrangeiro, mas quase nada pelo nacional!”

Ele é, ao lado da Sônia Luyten, o maior especialista em mangá e cultura pop nipônica do Brasil. Já escreveu sobre o tema pra zilhões de veículos como as revistas Herói e Henshin, os sites Omelete, Nippo-Jovem, Nihonsite e, claro, nosso queridíssimo Bigorna.  Foi o organizador e um dos autores do álbum Mangá Tropical (Ed. Via Lettera), é o autor do livro Almanaque da Cultura Pop Japonesa (Ed. Via Lettera) e acaba de lançar o livro digital independente Cultura Pop Japonesa - Histórias e Curiosidades. Já editou gibis nacionais e, acima de tudo, é quadrinhista competente e versátil, trabalhando como roteirista e/ou desenhista em títulos como Flashman, Street Fighter e do super herói Blue Fighter, seu próprio personagem. Atualmente, produz ilustrações e quadrinhos para comunicação empresarial e outros. Nesta entrevista exclusiva, o multitalentoso Alexandre Nagado revela como começou no universo dos Quadrinhos e suas experiências nesse problemático mercado. Além de comentar o atual momento da HQ nacional, os super-heróis para o mercado estrangeiro e a atual onda de “manganização” do Quadrinho brasileiro. Será que teremos todos que nos disfarçar de japoneses para sobreviver nesse pífio mercado atual da HQB?!? Aliás, se temos algo a aprender com essa onda toda de manga no Brasil, não seria justamente o exemplo dos japoneses em sempre terem privilegiado sua própria cultura, sua própria música, seu próprio estilo de quadrinhos e de vida?!? Sem nunca terem abandonado sua linda cultura própria em prol de enlatados americanos, de um “american way of life” globalizado, como faz um certo povinho bunda-mole de um certo país da América do Sul?!? Para responder estas questões e muito mais, passamos a bola para o expert Nagado. E que o Quadrinho nacional viva por dez mil anos! Banzaaaaaaaaiiiii!!!!!

1 - Ohayo, Nagado! Você se lembra qual foi seu primeiro contato na vida com HQs ?

Ohayo, galera! Não lembro não, já faz muito tempo, e a minha memória não é lá aquelas coisas (risos)... Mas com certeza foi algo da Turma da Mônica ou Disney. Fui alfabetizado aos 5 anos e gibis eram a minha leitura favorita. Mas lembro que também lia muito Mortadelo & Salaminho, Gasparzinho, Brotoeja, Tininha, Luluzinha e Bolinha, Heróis da TV (fase Hanna-Barbera) e muitos outros. Depois, viriam os heróis Marvel e DC, Asterix e Tintim. Um bom tempo depois vieram as HQs nacionais e, claro, os mangás.

2 - E logo que você descobriu os gibis já começou a desenhar?

Na verdade eu já adorava desenhar desde antes de aprender a ler. A leitura me motivou a querer criar minhas próprias histórias. Com 7 anos, eu montava gibizinhos imitando histórias que via na TV ou inventando as minhas próprias. Lembro de ter feito uns da Mônica, dos Herculóides, Pato Donald, etc. Desde o começo, a diversidade de traços, universos e estilos me fascinava. E quanto mais eu conhecia mais eu queria fazer um pouco de tudo.

3 - Legal! E quando você sacou que podia se tornar profissional?

Eu sempre quis trabalhar com desenho! Aos 15 anos, fui estudar no estúdio-escola Núcleo de Arte, do professor Ismael dos Santos. Foi lá que direcionei esforços para me profissionalizar, desenhando um pouco de tudo. O Núcleo foi minha grande referência, fizemos muitos trabalhos juntos e até hoje sou eventual colaborador de lá. Tenho um enorme orgulho de fazer parte do Núcleo, lá é como um segundo lar para mim. Aliás, pra quem quiser conhecer, anote os contatos: Tel.: (11) 3774-3573 / E-mail: estudio.nucleodearte@gmail.com

4 - Grande Mestre Ismael dos Santos!!! Também recomendamos a todos! E quais são seus autores nacionais favoritos?

Laerte, Spacca, Fernando Gonsalez, Cláudio de Oliveira (charge), Arthur Garcia, Tiburcio, entre outros. Nenhum deles influenciou ou influencia diretamente meu estilo, mas sem dúvida mostram uma excelência técnica em todos os sentidos que eu espero alcançar um dia. E gosto muito de ler o que produzem. São cultos, criativos e apaixonados pelo que fazem.

5 - Qual foi o primeiro trabalho que você publicou?

Foi um cartum para um jornal de sindicato patronal de fabricantes de motopeças, em novembro de 1988. Nem lembro mais o nome do jornal pra ser franco (risos). Mas como foi um desenho publicado e remunerado, considero meu início profissional. Já como quadrinhista, foi um roteiro para o personagem da TV, Flashman, que saiu na revista “Jaspion” n.1, pela editora Abril. Isso foi em novembro de 1990.

6 - Eu lembro do gibi do Flashman! E qual foi o primeiro personagem próprio que você criou?

Pra ser publicado, foi o Blue Fighter, em 1995 na revista Master Comics, que eu produzi na Editora Escala. Fiz como uma óbvia homenagem a super-heróis de seriados japoneses, marcadamente o Kamen Rider. Depois do início tímido na Escala, o personagem ganhou uma minissérie própria na editora Trama em 1997, com desenhos do Arthur Garcia, arte-final do Silvio Spotti e cores do Núcleo de Arte e Rodrigo Reis. E teve também uma minissérie que eu desenhei para a revista “Mangá X”, novamente na Escala. Pena que eu não tenho mais essas revistas, pois se perderam em alguma mudança de estúdio ou casa.

7 - Calma que você ainda descola de novo (risos)! Mas me diga que outros trabalhos seus você poderia destacar?

Street Fighter, que fiz pela editora Escala, foi o trabalho de HQ que mais me marcou, pois foram quase dois anos de produção. A história “O Demônio Caolho”, de Dan Hibiki e Sagat, saiu em 1997 (acho) e até hoje é um dos meus trabalhos favoritos. Começa como uma homenagem ao animê clássico “O Judoka” e termina como um manifesto contra a estupidez dos duelos mortais que existem apenas para se provar força. De um modo ingênuo, foi uma boa história, com ação, diálogos e narrativa que me agradaram bastante. Os desenhos foram de Arthur Garcia e Neide Harue. A diferença entre os estilos quebrou um pouco o ritmo da história, mas foi preciso porque o Arthur, o desenhista titular, estava com problemas de tempo e eventualmente dividia o trabalho com outros profissionais. A HQ da Dani, que saiu no Mangá Tropical em 2003, é outra que até hoje me agrada bastante. Alguns colegas enxergaram poesia e sensibilidade, outros acharam simples e sem graça demais. Pra mim, foi uma vitória fazer a Dani do jeito que eu quis, pois gosto muito de HQs sobre cotidiano.

8 - Li a revista Master Comics (Ed. Escala, 1995), com histórias do Blue Fighter, Pulsar e Aton. Era bem legal. Por que a revista acabou afinal?

Bem, sendo sincero, acabou porque vendeu pouco, mas deixe-me colocar isso no contexto. O último número, o terceiro, vendeu pouco mais de dois mil exemplares, bem abaixo dos oito mil que precisava vender. O número 4 estava pronto e o 5 estava na metade. A Escala agiu corretamente e pagou tudo direitinho pra gente quando resolveu interromper a publicação. O engraçado é que hoje, se vendesse duas mil edições, seria considerada um sucesso de vendas. Tem muito álbum badalado com tiragem abaixo disso e venda menor ainda, uma prova de que o mercado encolheu horrores, apesar de hoje ser mais diversificado. Eu tinha apenas 24 anos quando editei a Master Comics. Era bem jovem e idealista, além de um tanto ingênuo sobre algumas coisas. Mas eu tinha um orçamento para distribuir, coisa que eu procurava fazer com bastante justiça e responsabilidade entre os colaboradores. Me orgulho de ter editado profissionais excelentes que colaboraram comigo. A execução do meu trabalho no quesito concepção visual e editorial deixou muito a desejar, porém fazer um mix de HQs seriadas e matérias sobre HQ era algo meio inovador na época e consegui coordenar o trabalho de um grupo heterogêneo e muito legal. Até hoje, encontro gente que gostou da revista e isso me deixa contente.

9 - Quando assumiu a Street Fighter você optou por descontinuar a série norte-americana e substituí-la por produção nacional. Os fãs reclamaram ou aprovaram sua decisão?

Pra falar a verdade, não lembro bem se teve manifestações significativas sobre esse assunto. Como fizemos questão de explicar bem o que estávamos fazendo e o porquê, os leitores foram bastante compreensivos. Mas a linha de continuidade americana era muito criticada. Por isso, quando eu limpei a cronologia e comecei do zero, muitos ficaram aliviados. A série americana da Malibu Comics foi um fiasco e terminou sem conclusão. O Marcelo Cassaro, que foi o primeiro roteirista a pegar o rojão de assumir o gibi, optou por tentar consertar a história, mas eu preferi não tentar remendar o enredo iniciado por outro, criando o meu próprio. Quando o Cassaro me indicou para substituí-lo, deixou claro que eu não precisava seguir a cronologia que havia. Até hoje, sei que tomei a decisão acertada.

10 - Você acompanha o momento atual do quadrinho nacional? Poderia comentar o que acha do que tem saído?

Na verdade, eu acompanho meio de longe, como se eu não fizesse mais parte disso. Vejo coisas muito legais em algumas publicações independentes e álbuns, mas me entristeço por ver que isso não forma mercado. A Nanquim Descartável é bacana. De webcomics, acompanho “Meu Monarca Favorito” e “Mulher de 30”. O momento é até bom do ponto de vista criativo, mas péssimo do ponto de vista profissional, como meio de ganhar a vida, exceto para poucos que acharam um caminho. Infelizmente, não tem espaço pra todo mundo no mercado atual.

11 - E, por acaso,você acredita num futuro promissor pra HQ nacional?

Financeiramente promissor, não. Os que vivem de produzir para a Maurício de Sousa Produções, para o mercado estrangeiro ou algum estúdio de produção regular são poucos. Como eu disse, álbuns não formam mercado! Vendas para o governo ou editais de incentivo são apenas paliativos que funcionam para quem consegue ou sabe entrar na engrenagem governamental. Não vejo solução a curto prazo sem editoras investindo, até porque quadrinhos em geral vendem menos do que vendiam antes. E publicar só por prazer tem um limite, que é o das contas pra pagar. Há alternativas como publicação on-line, por exemplo, mas o difícil é extrair dinheiro disso.

12 - O que acha da produção de quadrinhos de super-heróis no Brasil? Acha que o país tem tradição nesse gênero?

Em termos de super-heróis, a despeito da produção feita para o mercado estadunidense, não há uma produção profissional regular aqui. Vejo mais material independente, e muita coisa inconsistente. A maioria – ou quase tudo – não me chama a atenção. Mas isso é mais questão de gosto pessoal. Tenho apreciado mais ler histórias de cotidiano, de gente comum. Mas ainda gosto de super-heróis, só não tenho acompanhado. A coisa mais interessante que li recentemente foram os heróis retrô do gibi independente “Herói Z”, do JJ Marreiro e Fernando Lima. Pena que, por ser edição independente, não consegue chegar ao grande público.

13 - E você acha que o mangá é uma opção viável para o quadrinho nacional?

Como modismo, sim. Modismos sempre ajudam a impulsionar o mercado, mas sem qualidade, não vai sobreviver ao fim da moda. O problema é que isso tem que ser feito com algum conhecimento sobre o que é e o que não é mangá, pra não gerar aberrações, deformações e picaretagens. Achei uma grande sacada de mercado a “Turma da Mônica Jovem”, que não se apresenta como mangá puro, apesar das referências. “Luluzinha Teen” e o “Didi Mangá” vieram na esteira, o que fez muita gente ligada em mangá torcer o nariz, mas esse tipo de revista é importante para o mercado. É como na culinária: Você não pode viver só de churrasco, tem que ter o arroz com feijão. Num mercado sadio, precisam existir títulos mais populares, não só material alternativo e descolado para jovens adultos entusiastas da arte. Tem que ter muito gibi descompromissado, lido por gente interessada em passar o tempo, não em descobrir o sentido da vida. Recentemente, foi anunciada a revista “Ação Magazine”, que será uma antologia de autores variados nos moldes dos grandes almanaques japoneses. Os trabalhos apresentados são promissores e a revista parece que vai pras bancas no segundo semestre. Estou na torcida para que a garotada compre em peso essa publicação. Isso vai ser sinal de uma recuperação de mercado.

14 - Você foi um dos primeiros caras a escrever sobre animê e afins no Brasil. No começo dos anos 90 você já escrevia pra revistas como Herói (ACME, depois Conrad) e outras da Escala. Fale dessa época da sua vida.

Foi uma fase muito bacana, de aprendizado mesmo. Não sou jornalista, tinha pouca experiência com textos e roteiros e apostaram na minha capacidade. Quando a “Herói” estreou eu tinha 23 anos. Era um garoto escrevendo pra garotos mais novos ainda. Fiz muitas amizades na época e até hoje ex-leitores da “Herói” me escrevem. A “Herói” vendeu milhões de revistas, foi uma febre nacional puxada pelos Cavaleiros do Zodíaco. Tema sobre o qual eu nunca escrevi, mas fui beneficiado diretamente pela popularidade deles.

15 - Ok. Agora a pergunta que não quer calar: Por quê nos mangas eróticos eles desenham o casal transando mas apagam os genitais??? Os personagens são todos eunucos por acaso (risos)?

(risos) A despeito de serem muito liberais com algumas coisas, os japoneses são bastante rigorosos com outras. No Japão pode insinuar sexo e mostrar nudez parcial mesmo em material pra adolescentes, mas não pode, nem em material pra adultos, mostrar closes explícitos ou pêlos pubianos. Nem em foto, nem desenhado. Isso tem sido burlado, ainda mais com a internet, mas é assunto meio tabu ainda. Explicar melhor isso daria uma entrevista inteira e há gente com mais conhecimento do que eu sobre o universo dos quadrinhos eróticos japoneses. Passo a bola.

16 - Tá. Da próxima vez você fala mais desse tabu cultural. Vamos mudar de assunto, a Sonia Luyten foi pioneira em analisar os mangás no Brasil. O que você acha dos livros dela? Você acha que de certa forma, você é um “sucessor” dela?

O livro pioneiro "Mangá - O Poder dos Quadrinhos Japoneses", da Sônia, chamou minha atenção quando foi lançado, acho que em 1990. Estive no evento de lançamento e fiquei muito feliz com seu autógrafo. Quando o livro foi relançado, eu já era um profissional da área e a reencontrei. Desde então, mantemos contato e tive a honra de palestrar a seu lado e até substituí-la em algumas ocasiões. Ela é uma professora doutora em comunicação e sempre me tratou com extremo respeito. Me deu conselhos valiosos e a tenho como uma amiga e mestra muito querida. Nos últimos anos temos tido pouco contato, mas sempre vejo o que ela anda fazendo. Imaginar-me um sucessor seria uma pretensão gigantesca. Veja, ela é uma doutora em comunicação. Eu, sequer tenho formação universitária. Sou um redator, mas não um pesquisador. Tenho rigor jornalístico por profissionalismo, fui atrás de informação, tenho alguma bagagem cultural e, sem falsa modéstia, tenho muitas limitações. Mas tenho uma visão privilegiada, por fazer quadrinhos, por ter sido editor e por escrever sobre eles. E tenho uma visão sobre cultura pop em geral, não apenas a japonesa, o que me permite cruzar assuntos com certa desenvoltura. Não sou bitolado. Saber escrever e me expressar com clareza me levou a escrever profissionalmente, seja quadrinhos, matérias, artigos ou folhetos motivacionais e de treinamento de empresas. Então, jamais poderia ser um sucessor, mas fico muito orgulhoso por ter dividido espaço com ela em algumas ocasiões, tendo meu conhecimento valorizado.

17 - Você já escreveu alguns livros sobre o assunto também. O Almanaque da Cultura Pop Japonesa e o e-book Cultura Pop Japonesa - Histórias e Curiosidades. Fale sobre esses dois livros, qual a diferença entre eles?

O Almanaque foi uma coletânea de matérias que saiu na Herói, no site Omelete e em diversos outros veículos com os quais colaborei. O e-book “Histórias e Curiosidades” é um projeto inédito, feito em parceria com os amigos Rodrigo de Goes e Michel Matsuda, no qual contamos fatos pitorescos envolvendo vários aspectos da cultura pop japonesa. Serve para iniciantes, curiosos e mesmo aos fãs mais exigentes, pois revela informações pouco conhecidas até no Japão, fruto de muita pesquisa e cruzamento de referências, tanto de livros quanto de sites. O formato e-book ainda é pouco difundido no Brasil, mas tem bastante potencial pra crescer. No entanto, depois de erros de pesquisa terem sido descobertos numa das partes que escrevi, resolvi dar uma arrumada. Fiz um recall, mandei edições corrigidas e ainda assim ficou um erro que nasceu de uma polêmica. Num tópico, eu mencionava que Mazinger Z (de 1972), era apontado como o primeiro robô gigante pilotado dos quadrinhos, apesar de uma referência anterior em um mangá mais antigo, de 1969. Mas nem esse era pioneiro, pois o nacional Audaz (de 1939) fora anterior. Mas cometi a gafe de acreditar – baseado num artigo que vi no Bigorna – que Audaz fora o primeiro robô dos quadrinhos. Não era, o mérito, aparentemente, é de Jerry Siegel e Joe Shuster, que mostraram um robô gigante em HQ de 1936. Por essas e outras, tirei o ebook temporariamente de circulação. Talvez em definitivo, pois vendeu mal. Foi um projeto que não decolou, apesar do esmero em mais de 200 tópicos. Foi um grande trabalho que o público não acreditou que valia a pena pagar. Paciência.

18 - É pena, nós compramos ,gostamos muito e recomendamos a todos! Mas o que você acha do trabalho pioneiro de mestres como Minami Keizi, Claudio Seto, e outros artistas da editora EDREL, que nos anos 60 já produziam mangá no Brasil?

Eles deram uma enorme contribuição ao quadrinho nacional, mas esse reconhecimento, infelizmente, só veio com o tempo. Foram ousados e inovadores em uma época de grandes mudanças. Tenho um respeito enorme por eles e lamento muito não tê-los conhecido pessoalmente.

19 - De uns anos pra cá o mangá estourou no Brasil, aparentemente da noite pro dia, e virou o tipo de gibi mais rentável do momento. Na sua análise, porque aconteceu isso? Por quê as novas gerações só querem saber de mangá? Isso é uma moda que vai passar ou não?

Mais do que qualquer país, o Japão entende os quadrinhos como uma mídia para todos, capaz de contar qualquer tipo de história para diferentes nichos de mercado. Isso, aliado a uma escola narrativa bastante consistente - que permite muitas variações - mas tem em comum técnicas narrativas envolventes, torna os mangás muito atraentes. O traço estilizado, a dramaticidade, a narrativa cinematográfica e os personagens falíveis, humanos e que efetivamente evoluem nas tramas, criam leitores fiéis. Mais do que um desenho envolvente, é a narrativa dos mangás e sua estrutura de tramas com começo, meio e fim que tem conquistado leitores.

20 - O Mauricio de Sousa, que não é bobo, percebeu isso e correu fazer a Mônica Jovem. Na sequência vieram Luluzinha e o Didi (dos Trapalhões) no mesmo estilo. Você acha que daqui pra frente o quadrinho brasileiro, pra sobreviver, terá que virar mangá?

Eu espero que não (risos)! Diversidade é fundamental para um mercado sadio. Mas que ia ser engraçado ver um Bob Cuspe Mangá, Níquel Náusea Mangá e até um Roko-Loko Mangá, isso ia (risos).

21 - Você não acha que o brasileiro é um alienado completo? Porque nós passamos a vida toda consumindo personagens americanos e agora consumimos os japoneses (ou brasileiros disfarçados de japoneses)? Será que nós nunca vamos ter vergonha na cara para consumir nossa própria cultura, sem maquiagem ou disfarces?

Não sei se o brasileiro é mais alienado do que a média populacional de outros países. E eu não acho que a questão passa por vergonha na cara, apesar de conhecer muita gente que vive dizendo que odeia o Brasil e queria ter nascido no Japão. Esses deveriam ir embora, claro. Mas essa questão de "consumir nossa própria cultura" me faz pensar o que é essa cultura. Será que dá pra dizer que a cultura brasileira é algo uniforme? Nem o povo é, apesar do mito de que brasileiro “é tudo misturado”. Isso me lembra uma coisa que o músico Lobão falou uma vez. Ele dizia que ficava puto da vida com esse discurso de que brasileiro é tudo miscigenado, que por isso a mulher brasileira é a mais linda do mundo, etc. Porque ele é neto de holandeses, sem mistura alguma. E ele lembrou dos descendentes de japoneses, aqueles sem mistura racial alguma (como é o meu caso, inclusive). Essa gente não-miscigenada e que não se identifica com o padrão médio não tem o direito de ser chamada de brasileira? Da mesma forma, só é "brasileiro legítimo" quem se identifica com nosso folclore? Será que a questão é só folclore, História e regionalismos? Eu, que nasci aqui e adoro o país (apesar dos políticos) sou menos brasileiro que o afro-descendente, que o mestiço, que aquele que tem avô português, avó alemã, a outra avó neta de escravos e por aí vai? Outra coisa: eu cresci em São Paulo, tendo contato com uma cultura cosmopolita. Que afinidade eu tenho com o campo, com a roça, com o folclore tradicional? Tirando o que foi empurrado goela abaixo na escola, não tenho nada a ver com isso! A História brasileira é riquíssima e inspirou já grandes HQs, mas não tenho vontade de mexer com isso. A música brasileira que mais me agrada é o rock, que é uma leitura nacional de sons americanos e ingleses. E ouço muita música japonesa, além de Beatles e outras bandas de pop-rock. Voltando aos quadrinhos, acho que a maioria dos leitores (não os nipólatras alienados) não liga para a origem da HQ, mas se ela é legal, se ele se identifica, se é divertida. Muitos tem preconceito em ver uma aventura ambientada numa metrópole brasileira, mas isso é falta de hábito, algo que pode ser quebrado com o tempo, como aconteceu com o cinema nacional, desde que se apresentem produtos de qualidade a preço acessível (e essa parte compete às editoras, claro). Acho que os autores têm que se impor com um bom trabalho e serem lidos por seus méritos, não por uma campanha de valorização nacionalista. Quando fizemos o Mangá Tropical, não pedi a ninguém que fizesse histórias com temas brasileiros, mas que ambientasse as tramas no Brasil. Tinha que haver uma identificação geográfica, que é o que fazem americanos, europeus, japoneses e qualquer um que queira criar histórias com as quais seus conterrâneos se identifiquem. Esse é o ponto em que eu queria chegar. Uma boa HQ ambientada no Brasil, que faça os leitores se identificarem com as situações, pode versar sobre qualquer tema. E quanto mais acessível ela for ao grande público, melhor. E ainda assim, se o autor se sentir à vontade em criar uma aventura ambientada em outro país e o fizer com pesquisa e conhecimento de causa, qual o problema? Não é o país de origem que vai determinar se vou julgar uma HQ como boa ou ruim. “Rosa de Versalhes”, um dos mais famosos mangás japoneses, falava sobre a Revolução Francesa. E o fez sob o olhar de uma japonesa, no caso a autora Ryoko Ikeda. Não deve haver fronteira na arte, mas reconheço que há uma cultura não muito favorável ao produto nacional de HQ, com poucas e honrosas exceções.

22 - Tá! E na sua opinião, quais são os grandes problemas do Quadrinho Nacional e por que ele não vai pra frente nem com reza brava? Por quê o Japão, que foi covardemente arrasado por duas bombas atômicas, tem uma indústria sólida de Quadrinhos e nós, que vivemos num país tropical e ensolarado a vida inteira, não temos porcaria nenhuma?

São muitos fatores, mas quero ressaltar que no Japão, os editores logo no começo da indústria, resolveram incentivar a produção local, porque assim poderiam ter maior identificação por parte dos leitores e melhores vendas. A indústria japonesa, como a americana, se formou investindo em talentos locais, não em traduções de material estrangeiro. Ao longo do tempo, outros entraves foram surgindo, como a situação econômica, por exemplo. E uma indústria com pouco apoio acaba não formando gerações de autores que se aprimoram. O mercado aqui foi ficando impiedoso, pois não se pode errar. No Japão e nos EUA, edita-se muita porcaria profissional porque o mercado consumidor dá espaço para que autores diferentes apareçam. O mercado vai filtrando, mas existem mais oportunidades. E muitos autores medianos conseguem sobreviver de sua arte. Aqui, autores excelentes como Mozart Couto e Watson Portela são desconhecidos do público, com exceção dos colegas da área e dos leitores mais especializados.

23 - Ok. E você acredita que uma legislação em prol da HQ Nacional seria a solução para termos finalmente uma Indústria sólida de HQ brasileira?

Não. Não vejo isso como solução, porque você não pode obrigar as pessoas, via decreto, a comprar HQ nacional, só porque é nacional. Essa discussão tem vários pontos, e espero ser claro. O perigo é cair no que era a Embrafilme. Com financiamento público, pode-se até ganhar bem por HQs que pouca gente se interessa, que apenas repassam visões de História oficial ou tornam palatável leituras das quais os jovens costumam fugir. Mas quando, por algum motivo, a ajuda do governo acaba, o "mercado" fica sem sustentação. A Embrafilme serviu pra torrar dinheiro público e ajudar cineastas amigos do poder, que faziam filme a fundo perdido, sem obrigação de dar bilheteria. Os cinemas eram obrigados a exibir, mas o público só ia se o filme era bom. Ainda assim, ficou aquela ideia, que demorou a cair, de que filme brasileiro era ruim, era chato e que tinha som péssimo, iluminação amadora e edição primária. Demorou pra que isso mudasse, e só mudou com investimento e muito trabalho. Agora caímos em outro problema: editoras são empresas, buscam lucro e, quanto mais garantido, melhor. Por outro lado, vejo discursos imaturos dizendo: "Gente, tem que trabalhar duro, tem que fazer como os japoneses e americanos." É óbvio que tem! Porém, no ponto em que se chegou, é difícil oferecer um produto nacional com 120 páginas mensais. É incomparavelmente mais barato e de retorno mais garantido comprar séries em mangá que já se pagaram em seu país e trazer pra cá em grande volume de páginas. Você imagina um autor parando tudo e desenhando (mesmo com ajudantes), 120 páginas por mês? E ele precisa ganhar por página, não só esperar royalties demorados, pois contas chegam todo mês. Hoje, tem que se concorrer com produtos que vêm de indústrias consolidadas, antigas e que sempre investiram em produto nacional, desde o começo. Aqui, a preferência sempre foi pelo material estrangeiro de ponta e mais acessível. Já ouvi editor dizer que, se chegar um brasileiro com um projeto bom e em igual condições de um japonês, publica. É lógico, mas é cruel querer que um cara ou um grupo independente brigue de igual pra igual com material já consagrado. EBAL, RGE, Abril e outros poderiam ter seguido o caminho de investimento em mão de obra local como fizeram a Marvel e DC nos EUA, ou Shonen Jump, Sunday e afins no Japão. Claro que publicaram clássicos como Pato Donald, Batman, Príncipe Valente, Spirit e outros, maravilhando gerações de leitores. As grandes editoras fizeram muito pelo Quadrinho estrangeiro, ou pelo Quadrinho no Brasil, mas quase nada fizeram pelo nacional! Aqui no Brasil o mercado de HQ já começou errado! E a maioria dos editores sonha em publicar grandes obras internacionais, não em fomentar obras locais porque o investimento é mais duvidoso do que o já consagrado no exterior, fora o fator emocional. Ele quer editar o que gostou de ler pronto. O Maurício é uma exceção louvável que dificilmente se repetirá, pois se tinha criatividade e empreendedorismo de um lado, havia também uma lacuna a ser preenchida. Em termos de autor empreendedor, o único que eu vejo conseguindo trilhar um caminho comercialmente bem-sucedido é o Fabio Yabu.

24 - Se você fosse o Ministro da Cultura, o que faria pela HQ Nacional?

Criaria campanhas para incentivar a leitura de quadrinhos, romper preconceitos e batalhar junto ao governo por incentivos fiscais que ajudassem as editoras a publicar HQ e também material nacional. Primeiro, tem que fazer vender bem o que já existe. Daí, as próprias empresas iriam investir mais. E com incentivos fiscais para diminuir o peso da concorrência estrangeira, poderia ficar viável para algumas editoras investir com mais segurança em material nacional. O governo daria incentivo, e não sustentação financeira a fundo perdido.

25 - Há alguns anos atrás você mudou pra Ilha Solteira onde casou e teve filho. Como está sua vida agora? Você cansou da agitação da metrópole?

Pois é! Tenho uma menina de 3 anos e foi por causa dela que nos mudamos para o interior, isso no final de 2009. Ela sofria de alergias, inclusive alergia respiratória e o médico recomendou que nos mudássemos de São Paulo. Viemos para uma cidade distante da capital, mas onde temos parentes. Eu sinto falta da agitação de São Paulo, mas para a saúde, é incomparavelmente melhor morar bem longe da poluição. Mas quando é preciso, "dou um pulinho" em Sampa.

26 - Atualmente você sobrevive de publicidade e quadrinhos institucionais. Fale um pouco sobre esse teu trabalho.

Publicidade mesmo é raro eu fazer. Faço HQ institucional mesmo, comunicação interna ou externa de empresas usando cartuns e quadrinhos. Tudo é feito via internet. Trabalhos de comunicação institucional são melhor remunerados que os editoriais. Exigem muito controle narrativo e clareza, pois falam de temas algumas vezes espinhosos e complexos para leitores comuns. É um grande desafio e também muito gratificante ver os resultados. Tenho clientes recorrentes e isso é muito bom. Não é algo que aparece na mídia e isso leva muita gente a pensar que eu parei com os quadrinhos. Ironicamente, é como na publicidade. Você fica oculto do grande público, mas ganha mais. Acho que meu forte é HQ institucional. Fiz campanhas das quais me orgulho muito, pra Bosch, Pão de Açúcar, Santander Banespa, CESP, Votorantim e outras. Hoje o principal cliente é a Fidelity, uma empresa de administração de cartões de crédito.

27 - Você também dá muitas aulas de mangás e HQs em geral, né? Você gosta de ser professor?

Gosto de dar aulas e, modéstia à parte, sou um bom professor e um palestrante experiente. Já lecionei bastante, chegou a ser uma fonte de renda importante para mim, mas hoje em dia, não é mais tanto. Dou aulas uma vez por semana na associação de cultura japonesa da cidade. E estou terminando uma oficina de HQ para crianças em um colégio particular. Gosto de ensinar, levo isso a sério e lecionar me levou a uma experiência fantástica entre 2005 e 2006, quando colaborei com uma ONG da região do Sapopemba, zona leste de SP, capital. Lá não tive somente alunos, mas fiz amigos que mantêm contato comigo até hoje. Tenho orgulho e saudade do trabalho feito lá. Também lecionei bastante no projeto da prefeitura de São Paulo, “Fanzines nas Zonas de Sampa”. Só parei quando me mudei. Ensinar é bom, mas onde moro não há muita gente interessada em aprender desenho, ainda mais quadrinhos. Mas adoro viajar para palestrar, participar de eventos, essas coisas.

28 - E você ainda desenha algum quadrinho autoral? Tem alguma HQ de personagem seu engavetado, esperando uma oportunidade de ser publicada?

No meu blog, transformei minha filha Kaori em HQ, com umas poucas tirinhas, só isso. Com minha personagem Dani, tive ideias para novas HQs de cotidiano, mas o tempo para produzir é escasso e não posso me dedicar a projeto, pois isso toma tempo de trabalho ou tempo que eu dedico à família. Acho que não rola mais produzir HQ editorial, essa fase da minha carreira parece que ficou pra trás, exceto se algum fato novo aparecer. Quem sabe? Só sei que, aos 40 anos, com família e uma microempresa pra manter, não tenho tempo e nem paciência mais pra projetos sonhadores.

29 - Ok. E quais são seus projetos para o momento e para o futuro?

Estou bastante desinteressado por novos projetos e desiludido com os quadrinhos em geral. Não me enquadro no momento atual dos quadrinhos nacionais e sinceramente me vejo como carta fora do baralho. Não me chamam para projetos concretos e quando me ofereço para colaborar com algum, mesmo que por amor à arte, o que fica é o silêncio ou vem um "não" educado. Então, sinto que não faço mais parte do mercado de HQs nacional! Ainda sou quadrinhista profissional atuante porque faço HQ institucional. Não é um trabalho autoral, mas é tão digno quanto. Minha grande e praticamente única preocupação no campo profissional é continuar utilizando meu dom e conhecimento para gerar renda para minha família. Não é pouca coisa, visto que normalmente a gente "mata um leão por dia".

30 - Pra encerrar, se o "Ninja, o Samurai Mágico" (personagem do mestre Claudio Seto), lhe concedesse três desejos o que você pediria?

O bom senso me faria pedir por paz mundial, fim do aquecimento global e que houvesse um mercado forte de HQs nacionais. Mas eu estaria muito tentado a pedir um anel de Lanterna Verde que funcione, isso sim! Só isso já estaria de bom tamanho (risos). É isso, valeu pela força e até mais! E quem quiser continuar o papo comigo, apareçam lá no meu blog, o Sushi POP: www.nagado.blogspot.com

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