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Entrevista: Athos Cardoso
Por Matheus Moura
19/09/2010

“Os quadrinhos são um espelho da sociedade da época em que são produzidos.”

Athos Cardoso é uma daquelas figuras nacionais anonimas que, apesar de desconhecida, é mentor e realizador de um grande feito que acabará por marcar toda uma nova geração. No caso de Athos, esse senhor de 75 anos, foi pesquisar, organizar e publicar (pela editora do Senado Federal) o livro, As Aventuras de Nhô-Quim e Zé Caipora, que resgata histórias escritas e ilustradas por Ângelo Agostini, mestre maior das HQBs. Essa coletânea conta com as histórias originalmente veiculadas nas revistas "Vida Fluminense", "Don Quixote" e "O Malho". Mas, melhor que ler essa linhas, é deixar o próprio realizador falar por si só. Abaixo conheçam um pouco mais de Athos Cardoso, seus feitos e próximos projetos.

01 – Quem é Athos Cardoso?

Athos Eichler Cardoso tem 75 anos, casado há 53 com Edna, dois filhos, uma neta jornalista de esquerda, um neto terminando aqueles famosos cursos de Publicidade & Marketing, e um temporão de 04 anos que quer comer muita verdura para ser jogador de futebol. Canceriano. Quando era bem mais jovem lia as características do signo e pensava: - Pô! Não é que esse negócio de astrologia funciona. Muita coisa mudou, mas ainda continuo romântico e doméstico. Meus avós paternos eram descendentes de portugueses, espanhóis e índios. Camponeses, auto-suficientes, numa fazendola que levava 12 horas de carro para ser alcançada de Santa Maria, na década de 40, no Rio Grande do Sul. Não havia estrada. Quando, no ginásio, eu passava as férias anuais lá no Rincão da Invernada, Distrito de Pau Fincado, Município de São Gabriel, eu montava a cavalo, caçava, pescava, comia melancia, tratava de bicheira dos bezerros, bebia leite morno da vaca com mel. Ajudava a tanger o gado do meu padrinho por quilômetros para tomar banho de creolina. Meus tios e avô eram gaúchos autênticos. Eu me viciava no chimarrão. Tinha um tio que sofria de asma e que morava no galpão onde se guardavam os arreios, ferramentas agrícolas, sacos de suprimentos, queijos, etc.

Um dia descobri sobre a mesa de cabeceira dele, em um caixote, um fascículo da série do Raffles. O Raffles era um ladrão de casaca inglês, tipo Robin Wood, criado pelo cunhado do Conan Doyle em resposta ao Sherlock Holmes. O fascículo era um pequeno opúsculo de 36 páginas, capa ilustrada cor salmão. Foi aí que, depois de ter descoberto as HQs, me interessei por essa publicação popular no Brasil de 1910 até 1945. Quando saí aspirante, em 1956, comecei a comprar todo o fascículo que encontrava. Fiz uma boa coleção que muito me serviu para a minha dissertação de mestrado na UnB, em 1988. Ninguém ligava para os fascículos; o sebo vendia baratinho.

Descobri que havia sido uma coqueluche mundial no início do século XX. Nick Carter, Sherlock Holmes, Buffalo Bill, Arene Lupin, em tamanho grande, capa colorida, as mesmas em todo o mundo e as mesmas histórias traduzidas em francês, inglês, alemão, russo, espanhol etc.

Depois comecei a colecionar o X-9, Detective, Mistérios, Contos Magazine, Policial em Revista, etc etc. O que eu chamo de "revistas de emoção", texto, ilustrações e capas copiadas dos "pulps" americanos. Tudo das décadas de 30 e 40. Coleciono também romances de aventura e policiais da Terramarear, Universo, Para Todos, Série Negra. Era fã daquela cambada toda. Gente “finézima”: Tarzan (que a geração atual só conhece por desenho animado), Winnetou, o chefe dos apaches de Karl May, que quando morreu num dos romances, fez com que eu e o Ziraldo chorássemos pra valer.

Gosto também dos livros de bolso e cheguei a traduzir um para uma editora da época em 1962. Enfim, embora pouca gente saiba (risos), jogo um bolão na "literatura popular" ou de massa. Quadrinhos também, claro! Só que anteriores a 1950. As revistas dessa época são muito caras, coisas de milionário. Tenho mais de 60 exemplares do Heavy Metal, creio que dos anos 90.

Gosto muito de aventura, de ação e sou fã do Bernard Cornwell; li quase todos os livros dele, inclusive muitos do Sharpe, que ainda não foram traduzidos no Brasil.

Athos Eichler Cardoso tem uns 50 % de sangue alemão – meu avô era, e minha avó era filha de imigrantes. Eles eram da Prússia, região que hoje é da Polônia. Família de mestres sapateiros.

Um dos meus principais valores é viajar. Meu carro é um Ford Fiesta, modelo 1999, um ponto nada, com um longo amassamento no lado direito. Não estou nem aí... Mas já viajei muito. Das sete maravilhas do mundo moderno só me falta aquela igreja encravada na rocha da Jordânia.

Não sou, nem nunca fui “comuna”. Mas sou fã de carteirinha do Chê. Estive em Cuba em 2007 só para ver o mausoléu dele. Em 1988, fiz o Caminho de Santiago, a pé, de Saint Jean de Pied Port na França, até Compostella. Setecentos e cinquenta quilômetros a pé. Vinte e sete dias caminhando. Como o visto ia vencer, fui de ônibus até Finisterre, queimei a roupa da peregrinação e joguei o meu cajado no mar lá de cima do cabo, como manda a tradição. Gastei só 500 dólares.  Comia cenoura crua, sardinha em lata, frango e pão de supermercado, frutas, iogurte para não ficar com prisão de ventre. Voltei magro como um toureiro. Parava em abrigos de peregrinos e pagava o que podia. Passei frio; vivia pedindo uma manta emprestada porque fui muito mal equipado. Ganhei uma bula papal, que me permite ir direto para o paraíso. Guardei tão bem que não sei onde coloquei. Mas tenho o passaporte, coisa que o Paulo Coelho parece que não se preocupou em fazer.

02 – Nossa! É de deixar qualquer um sem fôlego! Bom, e de colecionador a pesquisador de quadrinhos, como foi esse percurso? O que destaca de sua produção intelectual?

Bem... Daí, quando eu saí do Exército, desencanei de vez. Fui fazer mestrado de Comunicação Social na UnB. A dissertação foi em cima dos fascículos que, de certa forma, são os avós das HQs. Deram exemplos de heróis, de roteiros, compreende? Havia fascículos de cowboys, índios, detetives, Dick Turpin (que deu uma HQ muito boa), piratas etc; fonte para adaptação dos quadrinhos. Houve até um de ficção científica, sobre uma Guerra na Europa, com foguetes. O desenhista do Buck Rogers foi muito influenciado por ele.

Com os meus conhecimentos de quadrinhos acumulados, comecei a apresentar trabalhos nos congressos anuais da INTERCOM. Eu tenho três livros publicados. O primeiro é daquela coleção Primeiros Passos, da Brasiliense. O que é isso, o que é aquilo... O meu foi "O Que é aventura",nº 176. É encontrado nos "sebos". Depois, o álbum do Agostini em 2002 e agora, 2008, o do JCarlos.

Estou com luz verde para o terceiro álbum em que comprovo a origem d’O TICO-TICO como do "Le Petit Journal Illustre de la jeunesse" e não da "Le Semaine de Suzette". A boa notícia é que a 2ª edição do álbum do Agostini esgotou e parece que vai ser editada uma terceira!

Essas edições não me rendem nada em cifras, pelo contrário, gasta-se muito em fotografia, xerox, passagem, etc. Rendem os meus 10 minutos de fama, o que é bom pro meu ego...(risos). Da minha produção intelectual, eu penso ser importante o resgate dos nossos primeiros heróis de quadrinhos, como Max Muller, do A. Rocha, todo colorido n'O Tico-Tico, em 1913-1914. Desenho realista e de aventuras. O mesmo acontecendo com Pernambuco, o marujo de Oswaldo Storni, a partir de 1939.

Mas, o principal da minha produção intelectual foi, sem dúvida, o resgate das HQ do Ângelo Agostini. Mas eu tenho dezenas de ótimos assuntos alinhavados, como, por exemplo, o primeiro detetive brasileiro que dá um livrinho fantástico. Fruto de pesquisa, muita pesquisa.

03 - Interessante! Por que acredita que o trabalho com o Ângelo Agostini seja o mais importante? Como surgiu a ideia do resgate?

As HQs do Agostini, principalmente Zé Caipora, há muito esvoaçava na cabeça dos acadêmicos, baseado nas informações contidas na "História da Caricatura no Brasil", de Hermes Lima. São quatro (4) volumes excelentes, mas trabalho humano dessa envergadura sempre tem falhas que precisam ser corrigidas. Ela precisa de uma nova edição revisada face às novas informações existentes. Eu mesmo estou à disposição para rever a parte d'O Tico-Tico.

Assim, duas ou três pessoas importantes já haviam escrito sobre o Zé Caipora, cometendo "gafes" mais ou menos terríveis. A publicação do álbum do Agostini não deixou dúvidas sobre nada. Está tudo lá, o preto no branco. Tanto que me parece que houve um aumento vigoroso em teses, dissertações e monografias sobre o Ângelo ou seus personagens. Lembre-se que a "pequena história", o dia-a-dia das pessoas, o ritmo de vida mundano, é muito pouco conhecido no Segundo Império.

O Nhô Quim, embora em tom jocoso, é um retrato da realidade do que se passava no Rio naquela época, as lavadeiras, os vendedores, músicos de rua, lojas etc. É o maior documento iconográfico antropológico da época. Provavelmente o único!!!

A ideia do resgate. Como todos os acadêmicos e mesmo os interessados em quadrinhos como o Sgarbi, que era um grande colecionador e estudioso, eu estava com Nhô Quim e Zé Caipora no pensamento e, quando vi os originais nas revistas de um amigo, aproveitei a oportunidade de amizades que tinham ligação com o Senado para editá-lo. É importante saber que Armando Sgarbi, morto em 2007(?), editava um fanzine de grande qualidade intitulado O Pica Pau. Ele chegou a editar um fanzine com várias páginas dos originais do Zé Caipora, creio que antes do álbum. Isso precisa ficar registrado porque o Sgarbi era um amante incansável dos quadrinhos, principalmente os brasileiros.

04 – Então, o material que usou para o livro do Agostini que editou, foi baseado no que recolheu com esse amigo, Sgarbi, ou houveram outras fontes? Como foi a reunião desse material?

O material usado para o álbum do Agostini foi:
a) Originais da revista Don Quixote pertencentes ao meu amigo Vicente que faleceu aqui, onde morava, em Brasília, e os emprestou para digitalização (foi uma segunda edição, antes tinha sido na Revista Ilustrada).
b) O restante foi digitalizado na Casa Ruy Barbosa, no Rio de Janeiro. O Malho (continuação e fim do Caipora) e Vida Fluminense (Nho-Quim), Don Quixote e O Malho - Zé Caipora, Vida Fluminense - Nho Quim
O Senado oficiou para a Casa Ruy Barbosa pedindo as cópias digitalizadas.
O Sgarbi, que era colecionador e juntava raridades, encontrou alguns exemplares d’ O MALHO que publicou a continuação do Zé Caipora e fez um fanzine homenageando o Agostini. Publicou algumas páginas. Fanzine é uma publicação pessoal, artesanal, feita com xerox. Eu cito o Sgarbi para você como homenagem, porque ele publicou em xerox alguns capítulos copiados d’ O Malho. Ele foi o primeiro a "editar", de maneira artesanal, alguns capítulos. Eu só fui saber depois, já que o fanzine tinha uma tiragem muito reduzida. No máximo, 50 exemplares, creio.

05 - Bacana! Você, como autor de um livro como este, em que resgata a memória de Agostini, que conclusão tira do trabalho de Agostini?

Sobre o trabalho de Agostini não só eu, como todos nós que estudamos a cultura do nosso Brasil, podemos tirar conclusões muito importantes. Ele nos dá uma vasta coletânea de informações sobre a cultura, a vivência, os costumes brasileiros num longo período que vai do início de sua carreira como jornalista em São Paulo (1864) até a sua morte, em 1910. Nos jornais sob sua direção nós encontramos uma gama muito grande de informações, sejam elas em textos ou ilustrações, sobre ocorrências mundanas ou políticas e até de guerra que esclarecem o modo como, só para citar alguns exemplos, viviam, comiam, governavam e até lutavam em guerras brasileiras.

O que não está escrito, está sobejamente representado por suas ilustrações sejam as caricatas, sejam as em traço realistas. Essa "coleção" toda serve muito mais que aos historiadores, aos sociólogos, antropólogos que se dediquem ao período. Eu vejo Agostini como preciosa fonte de informação e inspiração para os autores de romances históricos, para dramaturgos, cenaristas, argumentistas de HQ, responsáveis pela arte de filmes que se passam na época que ele retratou tão claramente e cuidadosamente nas suas ilustrações. Você quer saber como se via a carruagem de D. Pedro II e sua escolta transitando pelas ruas da Corte? Como eram os carros de bombeiros, os bondes da época? Recorra às ilustrações de Agostini, na Vida Fluminense, na Revista Illustrada, no Don Quixote e até n' O Malho e n'O Tico-Tico.

Como já escrevi, a iconografia, a pequena história do Segundo Império, é deficiente já que só agora os historiadores estão dando atenção e trabalham com ela. Agostini, como jornalista ativista, engajado, crítico de arte, da política, uma verdadeira metralhadora giratória, desnuda, em suas ilustrações, a tragédia da escravidão, das epidemias que assolavam o Rio. Passa por tudo, ilustra tudo, e muito bem. Sua produção ainda tem muito mais para ser explorada do que as suas HQs, que estão entre as primeiras e mais modernas do mundo. Essas HQs são apenas um capítulo da sua imensa obra de transcendental importância para a memória brasileira.

06 – Tamanha produção e originalidade deve ter causado bastante rebuliço na época em que Agostini editava suas próprias revistas. Há algum fato curioso que cita em sua pesquisa referente a isso?

Sim. Cito agora para você (lembre-se que eu conheço bastante a vida do Agostini, mas não coloquei tudo no álbum porque só interessava as HQs). Ele teve que se refugiar em São Paulo quando um grupo de militares assassinou um jornalista e ele noticiou o fato numa ilustração de primeira página. Os escravagistas viviam ameaçando ele que era um dos mais férreos abolicionistas.

07 - A quem, na época, se pode atribuir uma influência direta de Agostini no desenvolvimento artístico?

O estilo de Agostini foi copiado, e muito bem copiado, pelo seu sócio na ilustração da Semana Illustrada. Quando Agostini foi para a Europa, o seu substituto na direção do jornal desenhava de maneira idêntica e fica muito difícil saber quem desenhou o que. O desenhista era o Pereira Neto, que substituiu o Agostini nas páginas da Revista Ilustrada, e continuou sozinho, por muito tempo, sem que o leitor habitual se queixasse. Na realidade, fica muito difícil distinguir o trabalho deles.

08 – O senhor mencionou que desenvolveu uma pesquisa quanto ao “primeiro detetive brasileiro que dá um livrinho fantástico”. Conte um pouco sobre isso...

Por enquanto é segredo... (risos). Mas, assim que tiver uma coisa mais concreta, te dou prioridade na notícia.

09 – Poderia dizer mais ou menos para quando pretende ter esse algo concreto ou mesmo se irá sair pelo Governo Federal ou alguma editora?

São dez contos passados na década de 30, no Rio de Janeiro. Em cada um deles, um crime diferente, solucionado pelo primeiro detetive brasileiro. Considero o primeiro, porque ele tem essa continuidade que aparece em dez narrativas diferentes. Estou em fase de digitação, depois vou registrar os direitos autorais na Biblioteca Nacional e procurar uma editora comercial. Estou muito esperançado que seja publicado lá por março, abril. O Senado só publica obras esgotadas ou resgata assuntos de interesse da cultura nacional.

10 – Interessante! Mudando um pouco de foco: anda lendo alguma coisa de quadrinhos brasileiros contemporâneos? Se sim, o quê? Se não, por quê?

Olha, eu acompanho as tiras dos jornais, sempre. Assim, me mantenho atualizado. Quanto aos quadrinhos em livros e álbuns, acompanho tirando uma canja nas livrarias, pois estão caros. Mantenho-me atualizado também. Quanto às revistas, dou uma olhada na banca.

11 – Entendo. Então, me diga o senhor, que tem acesso e interesse, e teve a oportunidade de passar por várias épocas dos quadrinhos no Brasil, como avalia a situação atual com a de tempo atrás? O que mais mudou? Foi para melhor, para pior, ou está na mesma?

Tanto os Estados Unidos como o Brasil tiveram uma indústria de quadrinhos apoiado nos desenhistas americanos. O auge foi nas décadas de 30-40. As revistas de quadrinhos no Brasil eram um fenômeno popular. Um acontecimento raro, surpreendente! Que provavelmente não se repetirá jamais. De 50 em diante, a brasileira começou a perder gás. Mas, a verdade é que começaram a surgir então heróis brasileiros: Cap Atlas, O Anjo, e uma série de revistas de pequenas editoras.

A americana se recuperou com a Marvel, mas hoje em dia já não é como antigamente. A minha análise foi muito simplista. Hoje, os brasileiros, na minha ótica, estão muito melhor que em todas as épocas tanto em quantidade como em qualidade. Só que, agora, quadrinhos não têm mais aquela popularidade toda. Está elitizado. Álbuns, livros e até as revistas. Os preços não são populares. Os nossos jovens desenhistas amadores encontram mais facilidade para publicar suas revistas, só que não dispõem de uma distribuição adequada. Ficam muito presos às capitais onde trabalham. É difícil comparar a "época de ouro" dos quadrinhos de 30-40, com a época de hoje.

Mas, digo o seguinte:
- Temos, no conjunto, mais e melhores desenhistas que antigamente.
- O que mais mudou foi a questão da popularidade. Da oferta e da procura. Hoje a demanda é bem menor.

Mas me parece que está havendo uma aparente melhora nisso. Para dizer se melhorou ou piorou, eu precisava deixar de lado a minha nostalgia, a minha infância e o meu temperamento. Fazer um julgamento isento. É pra lá de difícil... Na realidade, houve mudanças radicais no planeta, na vida das pessoas, nos costumes. Os quadrinhos são um espelho da sociedade da época em que são produzidos. A sociedade de hoje tem coisas boas e ruins como as de antigamente.

12 – Então acredita que não há mais volta para os quadrinhos. Hoje, o entendimento do público com relação a eles é outro, ou continua, a seu ver, preso no conceito de ser coisa de criança?

Não, pelo contrário. Está deixando de ser coisa de criança... Veja a Mônica, passou para o plano adolescente. E esse último romance existencial, "Retalhos", todo em quadrinhos. Sucesso internacional. Mas, mais de 40 reais... eu não posso comprar..

13 - Então, estamos vivendo um paradoxo nos quadrinhos em que, para eles amadurecerem, acabam se elitizando e não tendo o alcance de outrora... Vê solução?

Ótimo. Penso que você colocou a frase certa. Relativamente ao passado, dito longínquo (anos 30-40 no Brasil; pós 1945 no mundo), o quadrinho mundialmente está em crise. A população aumentou, os alfabetizados também, mas as estatísticas de venda diminuíram muito. Quem alavanca parece ser o cinema.

Quanto à solução, é difícil prever. O certo é que as HQs infantis (Disney, Mônica infantil), nunca vão acabar. Seja qual for o suporte. Quanto às adultas, creio que chegaram ao máximo da sofisticação, quanto à arte realista, colorido, roteiro etc. Este patamar vai durar muito tempo ainda. Fala-se que as crianças estão amadurecendo com muito mais rapidez que antigamente e elas são sempre o futuro... Cabe a elas solucionar o problema que você levantou. Eu sou suspeito, porque aprecio muito os álbuns franceses e europeus tradicionais. Esses de caubói, de erotismo, claro Tim Tim também. Vou te dar um "furo" jornalístico. Você sabia que o Oswaldo Storni, grande desenhista de HQ e ilustrador brasileiro, desenhou uma HQ do estilo europeu que eu falei anteriormente, na década de 40? Chama-se "As aventuras de um jovem brasileiro". Não sei não, teria que pesquisar comparando-a com a produção no exterior, mas talvez ela seja a pioneira. Tenho certeza que foi anterior a Blake e Mortimer (A Marca Amarela, O Mistério da Grande Pirâmide) de Edgar Pierre Jacobs e claro, Barbarella, Blueberry e também Serpiere, Crepaux etc. Os desenhos e a pintura de Oswaldo Storni são excelentes. Eu a coloquei entre as dez obras primas dos quadrinhos brasileiros. Matheus, uma coisa eu queria que você saísse sabendo dessa entrevista: o Brasil tem muita bala na agulha...Não é só Agostini, J. Carlos. Há uma dezena, no mínimo, de desenhistas com HQs coloridas no início d'O Tico-Tico que são geniais. Mais dias ou menos dias, uma editora chave pode se interessar e você faz o favor de me indicar como consultor, antes que eu morra... Afinal, estou na linha de frente, com os primeiros 75 anos, que me disseram ser os melhores.

14 – Cite alguns dessa dezena de autores e os referidos trabalhos...

1- Zé Macaco, por Alfredo Storni, a partir de 1910. As HQs possuem um traço personalíssimo e são muito bem coloridas.

2- Kaximbow. A partir de 1912, Yantok desenha as aventuras de Kaximbow na Pandegolândia, em Marte, no Pólo Sul. Extremamente criativas, nonsense, futurísticas com disco voador e animais roubados de Guerra nas Estrelas.

3- Sherlock Holmes, desenhado por Seth. Os personagens em forma de bichos. Coloridas.

4- A partir de 1912, Max Muller, de Rocha. As primeiras aventuras realistas brasileiras do século XX. Sempre vigorosamente colorida. Com alguns altos e baixos, mas sucesso no período em que foi apresentada.

5- Reco-Reco, Bolão e Azeitona, de Sá, a partir de 1931. Coloridas.

6- O Guarany, versão de Francisco Acquarone. Circa 1939 PB.

7- Juca Pyrama em redor do Brasil, de Acquarone. Circa 1939 PB.

8- Terras Estranhas, por Oswaldo Storni. Aventuras realistas. PB Circa 1941.

9 – Pernambuco, o marujo, por Oswaldo Storni. Aventuras realistas. Colorida. Circa 1944.

10- Os três legionários da sorte, de Thiré. PB Circa 1940.

11- Raffles (houve várias aventuras) em Itatiaia, de Thiré. PB Circa 1943.

15 – Materiais desses autores, hoje, somente em coleções, gibitecas ou em sebos, certo? Você já possui material deles selecionados para um resgate como o do Agostini?

Os sebos não têm muitas raridades a vista. É difícil você colocar uma raridade na gibiteca. Ela se degradaria muito rapidamente. As coleções... Sim, as coleções são valiosas. Os grandes colecionadores, não sei como são agora, mas até pouco tempo eram grandes negociantes... Eles possuem muitas e muitas raridades. Mas... há dois tipos de colecionadores: os que não gostam de mostrar a coleção, são moitas, só abrem raras exceções. E os que gostam de mostrar. Ambos me parecem espécies em extinção.

Eu tenho prazer em mostrar o pouco que tenho. Eu tenho muita coisa rara em fotos. Fotos essas amadoras, mas que quebram o galho com uma maquilagem. Eu estou com o Camiño do meu lado. Se você quiser a gente pode colocar naquela capa colorida o Zé Macaco, o Kaximbown, Max Muller, etc. Aquele pessoal que eu falei. Dá para resgatar.

16 –  Saiu essa notícia recentemente, anunciando o lançamento de um livro sobre Agostini. Poderia apontar as principais diferenças do seu para esse?

Obrigado pela notícia. Vou providenciar a compra. Bem, o meu apresenta as primeiras HQs dele, e que são as mais importantes. Completas. O Agostini dá assunto para "trocentos" livros. Ele é o "cara" que, como já disse, dá uma visão poética e trágica do Segundo Império e princípios da República.

17 – Bom, Athos, chegamos ao fim! Agradeço as respostas e deixo aberto o espaço para comentar o que achar necessário e que tenha ficado de fora.

Agradeço o seu interesse e espero ter sido útil nessa volta ao passado. Fico devendo uma opinião sobre o trabalho da sua geração, sobre o Camiño, o que inclui um estudo aprofundado dos quadrinhos desde o surgimento do Metal Hurlant. Assinei a versão americana, Heavy Metal durante alguns anos e mantenho a coleção. Um abraço e felicidades. Disponha, foi um prazer colaborar com você.

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