NewsLetter:
 
Pesquisa:

Entrevista: Roberta Bronzatto
Por Eloyr Pacheco
21/09/2007

A Garagem Hermética, uma das revistas independentes que tem se destacado bastante no meio editorial, tem como editora uma “menina”: Roberta Bronzatto. Esse fato é bastante inusitado, pois as Histórias em Quadrinhos ainda são consideradas coisas de “menino” e, portanto, um meio predominantemente masculino. Eu conheci pessoalmente a Roberta quando mediei recentemente um debate sobre publicações independentes na Gibiteca Henfil, em São Paulo. Eu a achei sensata e bastante capaz de realizar seu trabalho. No mesmo dia eu a convidei para conceder esta entrevista que acabou demorando um pouco para ser realizada devido aos seus muitos afazeres. Por fim, aqui está. Nela, entre outros assuntos, Roberta fala sobre “a mulher nos Quadrinhos”, seu trabalho como editora, sua tese sobre HQs, seus gostos e referências. Vale a pena conferir.

Você acha que mulher fazendo (ou publicando, como é o seu caso) Quadrinhos ainda é um tabú no Brasil?
 
Olha, para ser sincera, não acho que a palavra seria tabu. Eu sempre fui muito bem recebida pelos meninos, que inclusive sentem falta de mais garotas que conheçam, façam e publiquem Quadrinhos. Acho que o maior problema é a falta de interesse das próprias garotas pelo universo, ou um interesse voltado para uma vertente específica. Há bastante mulher desenhando mangá, pelo que eu pude observar. Talvez o apelo desse tipo de Quadrinho seja mais feminino, talvez elas tenham chegado ao mangá através dos animês, mas acredito que exista a necessidade de extrapolar dois preconceitos: o primeiro, de que Quadrinhos é coisa de criança; o segundo, nunca realmente formulado, mas que parece permear o subconsciente coletivo feminino, de que Quadrinhos é coisa de menino.

Talvez pela grande divulgação dos comics americanos por aqui e, conseqüentemente, da imagem do super-herói as meninas não tenham sido fisgadas pelos quadrinhos... No mangá essa imagem do super-herói não é padrão como nos comics.

Talvez. Mas elas já descobriram os mangás. Espero que logo descubram outras coisas. Particularmente, eu daria de presente um Estranhos no Paraíso, um Blankets e/ou um Persépolis para uma garota que eu estivesse tentando fazer se interessar por Quadrinhos.

Como foi que surgiu seu interesse pelas Histórias em Quadrinhos?

Eu adoro ler. Tudo e qualquer coisa, mas não era realmente fã de Quadrinhos até uns 6 anos atrás, quando um dos meus melhores amigos, fã de Quadrinhos e inconformado pela minha falta de conhecimento do que era Quadrinho adulto, me emprestou V de Vingança para ler e apostou comigo que eu ia amar. Não só eu amei como acabei fazendo minha tese de graduação em Letras sobre essa Graphic Novel. De lá pra cá, não parei mais.

Legal, sua tese ser sobre V de Vingança. Como foi a pesquisa e o desenvolvimento dela?

Foi uma delícia, mas deu trabalho. A monografia era uma análise comparativa entre V de Vingança e o livro 1984, de George Orwell. A pesquisa relacionada ao livro foi fácil, pois existem textos e mais textos de estudo sobre o livro e sobre literatura em geral, mas pouquíssima coisa para estudo de Quadrinhos, pelo menos em português. Na época, eu estava começando a me interessar pela coisa, então foi tudo mais difícil. Por isso, baseei minha análise em aspectos estudados na literatura convencional (narrador, personagens, tempo, espaço), tentando mostrar que uma graphic novel pode ser tão profunda quanto um livro. Achei importante porque pouquíssimas monografias no curso de Letras têm Quadrinhos como tema.

Na Garagem Hermética #1 você aparece como revisora e, a partir da edição #2, você passa a assinar a edição. Como se deu isso?

Na verdade, foi por acaso. Eu não produzo Quadrinhos no sentido estrito da palavra (não desenho ou escrevo roteiros) e a minha contribuição era revisar os textos do pessoal. Fora isso, a nossa idéia era que cada número do Garagem tivesse um editor, para que todos participassem de todas as etapas do processo de produção da revista. No primeiro número, o Cadu fez a edição. No segundo, seria a minha vez e, no terceiro, a de outro, e assim por diante. Só que todo mundo já dava para a revista uma contribuição muito maior do que a minha. Não me lembro se fui eu quem me ofereci ou se foi alguém quem sugeriu, mas surgiu a idéia de deixar a edição só na minha mão, todo mundo concordou (apesar da revista ter ficado muito "limpinha", segundo o Cadu), e assim começou minha carreira de editora de revista independente.

“Limpinha” quer dizer “organizada”? (risos)

Talvez (risos)! Acho que ele quis se referir à cara mais “arrumada” da revista. Eu fiz algumas alterações no aspecto geral quando editei o segundo número, então as coisas aparentemente ficaram mais “organizadas”, como você disse. Porém, como a quantidade de páginas aumentou em quatro do primeiro para o segundo número, pode ser que a organização tenha tido alguma coisa a ver com o aumento do espaço...

Como é o seu trabalho na edição da Garagem Hermética?

O Garagem não tem um editor que escolhe o que colocar ou não na revista: o grupo faz isso, agindo como um conselho editorial. Nenhum membro do grupo interfere na produção criativa de nenhum outro membro, mas a história só entra na revista se aprovada pelo conselho. Meu poder de vida e morte sobre as histórias se refere a prazos e colaboradores. Não posso, por exemplo, não publicar uma HQ de um integrante do grupo caso ela tenha sido entregue no prazo e aprovada pelo conselho editorial. Se atrasou, fica a meu critério tentar incluir, substituir por um trabalho de um colaborador ou arrancar os cabelos pensando no que fazer pra tapar o buraco (isso já aconteceu). Todo resto é por minha conta: quais colaboradores (aprovados pelo grupo) entram na edição, a revisão dos textos (eu ainda sou a revisora da Garagem) o que vai onde na revista, fontes, diagramação, etc. No começo, foi difícil: eu entendia nada de programas de diagramação e fechamento de PDFs, processo da gráfica, tipos de papel, layers de cores e afins. Ainda entendo nada de Photoshop. Mas todo mundo se ajuda muito, e eu recebi toneladas de ajuda. A gráfica, a Ferrari, é super prestativa e já quebrou vários galhos para a gente e eu tenho um batalhão de contatos para quem pedir socorro, inclusive galera de outras publicações. A capa do Garagem 3 é do Rodrigo Taguchi e do Studio Vermis, que publicam a revista Cão. Nossos logotipos foram feitos pelo Felipe Cunha, que publica com o Rodrigo Alonso. Meu namorado, Ricardo Giassetti, que tem bem mais experiência nessa área, dá zilhões de toques. Como eu estou começando e como o editor do Garagem é também o diagramador, esse apoio é imprescindível. Não haveria Garagem sem todas essas e outras tantas pessoas.

Pois é. Essa sua resposta mostra que, como temos discutido, há um movimento dos independentes para solidificar a produção e, assim, procurar espaço no mercado editorial. O que você diz sobre disso?

O que eu sei é que a galera que eu conheço que está publicando fanzine/revista independente no momento está fazendo um trabalho extremamente profissional e cuidadoso e que todo mundo ajuda todo mundo. Aliás, esse é o aspecto que eu mais tenho curtido na produção do Garagem: tanta gente se ajudando. O pessoal da Quadrinhópole agitou um esquema com uma gráfica e umas 5 revistas saíram do prego em esquema de colaboração para baixar o custo de todo mundo; o Cadu e outros zineiros têm trocado revistas uns com os outros, de forma que nós vendemos as revistas deles e eles vendem a nossa. Acho essa colaboração maravilhosa e absolutamente vital para que os independentes sobrevivam. Essas ações têm ampliado as vendas e o alcance de todas as publicações. Isso é uma vitória tremenda, principalmente se levarmos em consideração a dificuldade que é conseguir distribuir a revista.

O que você espera fazer na área? Quais seus planos?

Por enquanto, eu só tenho o Garagem e meus estudos no horizonte. Nós temos planos de verter os textos e histórias do Garagem para o inglês, coisa que ainda nem começamos a fazer. Estou pensando na minha pós-graduação, que tem que ser na área, e também estou interessada em tradução de HQs. Seria muito legal reunir aquilo que faço como trabalho (eu cheguei a mencionar que sou tradutora?) àquilo que faço por gosto, não acha?

Valeu, Roberta. Obrigado pela entrevista.

Quem agradece sou eu!!

O Bigorna.net agradece a Roberta Bronzatto pela entrevista concedida por e-mail e finalizada em 14/09/2007

Quem Somos | Publicidade | Fale Conosco
Copyright © 2005-2024 - Bigorna.net - Todos os direitos reservados
CMS por Projetos Web