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Entrevista: Daniel Messias
Por Eloyr Pacheco
30/06/2005

Quando vi a divulgação do projeto Cartum Netiuorque imediatamente pensei que adoraria conhecer o diretor de animação do projeto. Entrei no site do estúdio de animação, peguei o endereço eletrônico (não antes de navegar pelo site, é claro!) e escrevi para Daniel Messias torcendo para que ele respondesse. Eu sabia que seu tempo devia ser "curto" e que a correria devia estar imperando. Mas, para minha satisfação, Daniel respondeu com extrema gentileza e presteza. Um profissional do seu calibre, que teria tudo para ser uma estrela, mostrou-se humilde e generoso, principalmente ao responder as perguntas. Eu fiquei muito satisfeito (e aprendi muito) ao fazer esta entrevista, espero que agora você também fique satisfeito (e aprenda) ao lê-la.

Eloyr Pacheco - Filho de peixe, peixinho é. Concorda? Seu pai, Messias de Mello, pelo que sei, era autodidata. Você, além de ter herdado a veia artística dele, também aprendeu sozinho?

Daniel Messias - Meu pai foi um artista intuitivo e extremamente versátil. A despeito de nunca ter freqüentado uma escola de arte, dominava praticamente todas as técnicas, dos quadrinhos à pintura mural. Esse seu viés eclético era reconhecido por todos os seus amigos e colegas como Jayme Cortez, Manoel Vitor Filho, Álvaro de Moya, Amleto Sammarco, Miguel Penteado, Nico Rosso e outros que trabalhavam no jornal A Gazeta, onde se publicava a revista semanal A Gazeta Juvenil. Eu era ainda menino e convivia quase diariamente com esse pessoal extraordinário, pois o pai me levava sempre à redação daquele jornal. Muitas vezes saia a campo com eles para desenhar "do natural" em zoológicos, ou em sessões de modelos vivos. Minha formação consistiu em aprender com eles muito sobre anatomia humana e animal, quadrinhos, etc. Sinceramente, acho ainda hoje que não poderia ter havido um início melhor para a minha formação profissional. Space Ghost Costa a Costa era simplesmente hilário. Como foi trabalhar com esse personagem? Space Ghost é um daqueles super-heróis em fim de carreira, decadentes e patéticos, que acabam virando uma caricatura de si próprios. Geralmente, esses e os anti-heróis de toda espécie, como os grandes vilões, são os melhores personagens de se animar, pois, paradoxalmente, eles carregam consigo mais traços de humanidade que os heróis fantásticos, tão distantes do ideal humano. Animei uma série para a Cartoon Network com algumas aparições do Space Ghost. Em uma delas, o balofo herói corria alegremente numa praia, realizando uma coreografia digna de uma verdadeira Isadora Duncan, escoltado pelas Meninas Superpoderosas. Como a gente tem que simular os movimentos dos personagens na frente de espelhos, foi realmente hilário animar essas cenas.

Como é a aceitação da animação no meio publicitário?

A publicidade sempre utilizou muito a animação. A vitoriosa experiência "disneyana" junto ao público infantil tem estimulado os anunciantes a investir em animação quando se trata de filmes que visam o público dessa faixa etária. É claro, essa linguagem tem evoluído nas últimas décadas com o inexorável avanço tecnológico. Embora o lápis não tenha se aposentado deste cenário (e isso nunca vai ocorrer!), ele passou a compartilhar seu universo com as novas ferramentas digitais. Como acontece sempre com toda a mudança, o pouco conhecimento e o uso indiscriminado das novas ferramentas têm sido os responsáveis por muitos filmes de qualidade duvidosa; o humor simples e direto dos bons filmes de cartum cedeu lugar à parafernália fria dos efeitos digitais e a tônica da produção publicitária se converteu numa grande tentativa de clonar os filmes de efeitos de Hollywood. Então, curiosamente, começaram a surgir comerciais de biscoitos que mostravam monstros aquosos, filmes de iogurte exibindo terremotos e prédios ruindo e um enorme arsenal de fantásticos efeitos de animação. Era só aparecer um filme de efeitos e, pimba, já pintava um comercial aqui na terrinha mostrando o mesmo efeito. Penso que esse reinado absoluto da técnica e da engenharia sobre a criatividade e a invenção não pode ser uma coisa muito salutar. Atualmente, porém, a tendência é reverter esse quadro à medida que o uso adequado e consciente do computador e a sua parceria com artistas de verdade, animadores, designers e pessoal de criação se tornar uma realidade.

Como surgiu o Projeto Cartum Netiuorque? Como Glauco, Laerte e Caco Galhardo foram escolhidos?

Desde 1999, tenho participado de projetos de animação muito interessantes com a Cartoon Network. Em todos eles, os personagens eram aqueles consagrados que estamos habituados a ver diariamente no canal: animei Johnny Bravo, A Vaca e o Frango, Babão, Dexter, Dee-Dee, todos eles, enfim, nestas séries e vinhetas. Em 2001, quando estive na sede da Turner, em Atlanta, trabalhando nos storyboards da série Copatoon, comentei com os criativos brasileiros Carlos Tureta e Manoela Muraro, que gostaria de fazer alguma animação em parceria com os cartunistas brasileiros também, alguns deles de excelente nível. Isto coincidia com a intenção da Cartoon de dar uma "cara" nacional ao canal, ou seja, utilizar mais os talentos de criação e animação do nosso país. Voltei entusiasmado e a primeira coisa que fiz foi contatar os três cartunistas, que ficaram tão animados quanto eu. Pensei nesses nomes em função da qualidade do trabalho deles e também porque o estilo dos três é muito adequado à animação. Naturalmente, existem muitos bons cartunistas em nosso país que também podem ter seus personagens animados. E espero que seja eu e minha equipe que venha a fazê-lo.

No momento estamos sendo testemunhas de uma verdadeira invasão dos quadrinhos no cinema: Homem-Aranha, X-Men, Hulk e Hellboy, por exemplo. Você acredita que um projeto como o do Cartum Netiuorque pode trazer leitores para as HQs, assim como teoricamente ocorre quando os heróis dos quadrinhos vão para a telona?

Claro, isso vem acontecendo em todo o mundo. Quando um personagem dos quadrinhos tem qualidade e ganha certa popularidade, a tendência é passar a ser realizado em outras mídias mais amplas e que atinja um público maior, tal como a televisão e o cinema. A animação confere vida e legitimidade a esses personagens, os quais têm a sua aceitação fortalecida na sua mídia original, ou seja, os jornais e revistas. Esse processo circular vem ocorrendo com quase todos os personagens do cartum em todo o mundo, e por essa razão, acredito que também ocorrerá com os cartunistas do projeto Cartum Netiuorque, pois os personagens têm carisma e são muito bem concebidos.

Qual o seu conselho para um ilustrador que deseja ingressar na área de animação?

Penso, honestamente, que todo conselho deve ser tomado com bastante reserva, principalmente quando se trata de escolha de uma carreira. Mas nesse caso, penso que a minha própria experiência poderia esclarecer alguns fatos sobre a questão. Na verdade, quando eu era um adolescente sonhava com uma carreira de ilustrador. Meu pai fazia as charges esportivas na redação do jornal, mas costumava preparar as ilustrações em seu estúdio, uma pequena sala lá em casa. Eu gostava muito das cores e materiais que ele empregava, e ficava deslumbrado com o resultado. Muitas vezes, ele deixava que eu trabalhasse na ilustração, dando indicações e supervisionando o trabalho com rigor. Eu estava ficando bom na matéria, mas um fato curioso e fortuito mudou a minha escolha e definiu para sempre o meu destino: meu pai acabara de comprar uma câmera de cinema de 16mm que filmava quadro a quadro, ou seja, que possibilitava a realização de um desenho animado. Fiz uns desenhos toscos, fucei em livros e revistas e finalmente produzi uma animação, meu primeiro trabalho (que guardo até hoje!). Quando vi o material revelado, entrei em transe, quase empacotei de emoção e fui definitivamente tomado pelo vírus da nova arte. Minha formação no desenho e meu domínio da anatomia humana e animal, meu conhecimento da harmonia das cores me ajudaram muito a desenvolver a técnica de animação. Acontece que o domínio dessas ferramentas é comum a todo bom ilustrador e, por isso, penso que um ilustrador qualificado terá enorme facilidade em trabalhar com animação, pois o fundamental, o básico de tudo, ele já possui. A técnica é coisa que se adquire com tempo e dedicação.

O Bigorna agradece a Daniel Messias pela entrevista (concedida em 4 de novembro de 2004).

 Links relacionados:
 Estúdio Daniel Messias; Messias de Mello
 Veja também:
 Projeto Cartum Netiuorque

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