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A teoria evolucionista Darwiniana aplicada aos Quadrinhos
Por Leonardo Santana
23/07/2007

A culpa de tudo são dos tentilhões, pequenas aves existentes num distante arquipélago chamado Galápagos. Após perceber que a mesma espécie de ave em duas ilhas diferentes desse arquipélago possuía bicos grossos, excelentes para quebrar nozes, abundantes em uma das ilhas e, na outra, escassa desse alimento, possuíam bicos finos e longos, ideais para arranjar comida em frestas, Charles Darwin percebeu que essa espécie de ave adaptou-se de acordo com a necessidade do ambiente em que vivia para poder sobreviver e, com isso, criou a Teoria da evolução que também é conhecida como seleção natural, na qual define em linhas gerais que a criatura que não consegue se adaptar ao meio em que vive, acaba sendo extinta. O próprio homem nada mais é que uma das tentativas da natureza que deram certo. E nós, nem de longe, fomos a primeira. Foi preciso haver muitas “experiências”, erros (muitos) e acertos (alguns), correções de rotas (muitas e apocalípticas extinções varreram quase toda a vida de nosso planeta mais de uma vez) e muita, muita sorte. Mesmo tendo demorado em virar uma unanimidade entre o meio acadêmico a teoria evolucionista de Darwin, hoje, é usada para desvendar problemas que vão da mente humana até a origem do universo. Então eu pergunto: por que com os Quadrinhos tem que ser diferente? A resposta é: não tem! E, ainda mais especificamente, aplicada aos Quadrinhos nacionais, também não tem que ser.
 
Eu demorei muito tempo para perceber que o problema dos Quadrinhos nacionais é, desde a sua concepção até os dias de hoje, pura e simplesmente, de ordem econômica. Quando não havia os “enlatados” americanos, a solução das editoras foi investir nos Quadrinhos nacionais, mesmo que inspirando-se (leia-se copiando descaradamente) em Quadrinhos estrangeiros. Quando eles chegaram, a um preço de custo infinitamente menor para os editores, apenas aqueles que tinham uma relação de produção com esses Quadrinhos (os próprios autores) é que se arriscavam a publicá-los. Ainda do ponto de vista econômico, o nosso país nunca teve estabilidade o suficiente para estimular essas incursões emotivas de editoras em Quadrinhos nacionais. Então, a evolução não acontecia por que não havia meios (econômicos) em nosso “ambiente”, para que esses organismos complexos (o “artisticus brasiliensis”) se desenvolvessem plenamente. A solução, para alguns poucos da espécie, foi a migração para terras menos hostis, como os Estados Unidos, ou a subsistência parasitária e em estado de semi-hibernação em outros ambientes (como salas de aulas, agências de propagandas e outras dezenas de trabalhos e profissões que não a “do coração”).
 
Mas a própria natureza também é mutável. O nosso país, nos últimos anos, vem conquistando uma estabilidade econômica que, muito embora ainda não seja a ideal, tem-se permitido o surgimento de diversas editoras e o aparecimento de um número cada vez maior de títulos. É claro que a seleção natural vai tratar de extinguir todas aquelas que não conseguirem evoluir e crescer, mas a própria diversidade é necessária para que exista a evolução, pois cada uma traz uma característica ligeiramente diferente da outra embora pareçam ser da mesma “espécie”. Eu já mencionei isto anteriormente, mas volto a chamar a atenção para o fato. Com o surgimento de novas editoras e com a detenção das maiores franquias do mercado (Disney, Mauricio de Sousa, Marvel, DC, etc) nas mãos de uma ou outra editora, as novas editoras vão ter que investir em outras novidades e, se essa novidades não fazem parte dessas franquias que já vem testadas e com uma forte campanha de marketing desenvolvida pelas próprias editoras originais, tanto faz para essa nova editora se ela vai investir num obscuro (para nós, brasileiros) Quadrinho europeu ou coreano ou, até mesmo, nacional. O único critério é ter alguma qualidade. E sorte, muita sorte.
 
E qualidade nós temos. Os próprios artistas nacionais acharam uma forma independente de evoluir e produzir seus trabalhos, podendo assim melhorar suas histórias, seus desenhos e todo o processo de produção em si. Uma vez mais a seleção natural vai limar um batalhão desses artistas, mas aqueles que conseguirem escapar, vão deixar um caminho melhor para a futura geração de artistas e assim o será enquanto tivermos essa certa proteção econômica que é a estabilidade financeira. Então, quando um editor como o Fernando Lopes, da Panini, diz em alto e bom som que é melhor não publicar Quadrinho nacional do que publicar e ser um lixo (independente de ele estar atribuindo esse comentário ao tema da lei de apoio aos Quadrinhos nacionais), nota-se, com extrema clareza, o quanto nossas perspectivas em relação aos Quadrinhos nacionais estão equivocadas.

Em primeiríssimo lugar, 99% do que é publicado pela Panini (ou qualquer outra editora, mesmo que seja uma – hipotética - que só publique Quadrinhos nacionais) é lixo! Lixo puro! Mas existe uma parcela considerável de leitores que gostam. O gostam ou pelos desenhos, ou pelo personagem, talvez por uma ou outra história mais emocionante, aos seus olhos, ou por qualquer outro motivo. E, nem por isso, eles deixam de ser publicados. Uma vez mais, a seleção natural trata de separar o que é realmente bom do que é apenas lixo descartável. Por que com os Quadrinhos nacionais tem que ser diferente? Segundo Fernando Lopes, tudo o que é feito aqui é lixo e não merece ser publicado. É claro que é fácil abrir a boca e falar uma grande bobagem dessas quando as maiores franquias do mercado estão na sua mão (Marvel, DC, Mauricio de Sousa, alguns mangás e alguns Europeus, etc) e seus custos de produção são menores e mais garantidos de retorno que os demais. Por isso, é até interessante para a Panini que não haja Quadrinhos nacionais para que possam “concorrer” (notem as aspas, por favor!) com os seus (e aqui é até compreensível pois ela estaria aplicando a teoria da seleção natural não permitindo que um, mesmo que improvável, predador se desenvolvesse em seus campos). Mas daí a definir ou achar que tudo o que sai de Quadrinho nacional e vai pra banca é lixo e é melhor não publicar do que publicar e ser ruim é uma idéia tão estapafúrdia quanto ignorante.

Um outro equívoco cometido por Fernando Lopes deve-se ao fato de achar que os Quadrinhos nacionais, tirando Mauricio de Sousa, não tem força por que não possuem uma faixa temática definida (como terror ou super-heróis – que ele também menciona que não funcionam). Ora, Quadrinhos nacionais não devem se prender a um gênero específico pois aí não seriam Quadrinhos nacionais e sim Quadrinhos de terror ou Quadrinhos infantis e etc. Os Quadrinhos nacionais não têm força por que não tem apoio de uma grande editora por trás deles. Se o tivessem, com alguém com dinheiro (mas dinheiro mesmo e não apenas com boas intenções), que tivesse uma visão clara de uma linha editorial que seguir, que tivesse um compromisso com a qualidade das histórias publicadas e fosse séria com os artistas e só trabalhasse com artistas sérios (não aqueles “moleques de qualquer idade” que se comprometem e depois dão pra trás e deixam todos na mão) e que fizesse um trabalho realmente bom de divulgação e distribuição, os Quadrinhos nacionais poderiam competir com qualquer Quadrinho do mundo e poderiam até ser exportados. Para citar alguns exemplos dessa qualidade toda, basta citar que o roteirista Wander Antunes já produziu álbuns para a Europa e até já ganhou prêmios por isso, que existem diversos desenhistas nacionais que produzem para o mercado americano (um dos mais competitivos e profissionais do mundo) e que até os irmãos e Moon, roteiristas e desenhistas, estão conquistando o mundo com seus trabalhos que eles lançaram por aqui de forma independente ou com o apoio de algumas editoras com editores mais esclarecidos que o da Panini.
 
Por isso tudo, os Quadrinhos nacionais precisam, sim, evoluir. Eles precisam, sim, ir para a banca. Ou livrarias. Se for lixo ou não, cabe ao leitor decidir. Se pudermos contar com dinheiro ou o apoio de editoras com visão para isso, será mais fácil para nós mas, se não, continuaremos  da forma independente e da forma que pudermos. Eu até acredito (e defendo) que muita porcaria seja publicada, mas uma vez mais, a seleção natural vai agir e dizer o que deve ser continuado ou não. O que é lixo ou não. E isso já está acontecendo. Ou será que o Fernando Lopes vai querer tentar, em vão, me convencer que casos como a Quadrinhópole, a Garagem Hermética, os Quadrinhos de Wellington Srbek, a Marca De Fantasia ou com os Quadrinhos apoiados pelas editoras mais esclarecidas como os dos irmãos Bá e Moon, os do Mutarelli ou os do Wander Antunes são lixo?

Estamos evoluindo, sim. E para evoluirmos ainda mais só com muitas “experiências”, erros (muitos) e acertos (alguns), correções de rotas e muita, muita sorte. Essa é a teoria evolucionista de Darwin que, como vocês puderam observar, também pode ser aplicada perfeitamente aos Quadrinhos de uma forma geral, inclusive, aos nacionais.

(ilustração: Gerson Witte)

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