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Crítica e Entrevista: Verônica
Por Ruy Jobim Neto
05/02/2009

A Professora, o Menino e a Cidade

Matheus de Sá e Andréa Beltrão em cena do filme Verônica

Em seu terceiro longa-metragem como diretor (depois de O Coronel e o Lobisomem e A Grande Família – O Filme) em que a tônica até então era a comédia, Maurício Farias agora segue a linha do filme de suspense. Estamos falando de Verônica (veja o trailer), película co-produzida pela Globo Filmes que estréia dia 6 de fevereiro, sexta-feira, em 100 cópias distribuídas nacionalmente pela Europa Filmes. No elenco estão Andréa Beltrão, Marco Ricca, Giulio Lopes, Flávio Migliaccio, Ailton Graça e apresentando o menino Matheus de Sá. A música foi composta em conjunto pelo titã Branco Mello e pelo multi-instrumentista Emerson Villani.

Rodado em cinco semanas no primeiro semestre de 2007, o longa (que custou, em sua totalidade, R$ 2 milhões, sendo R$ 500 mil conseguidos do BNDES e usados somente na filmagem) conta em seus 90 minutos a história de Verônica (Andréa Beltrão, sempre ótima), uma professora de crianças numa escola de periferia no Rio de Janeiro. Não, o filme não é mais um "favela movie", como foram batizados os longas com essa "cara de morro carioca" que vieram depois de Cidade de Deus (de Fernando Meirelles). Ele é, nas palavras de Andréa, um filme de amor. O site Bigorna.net foi à coletiva do filme, num hotel em São Paulo, onde estavam o elenco  (Andréa Beltrão, Marco Ricca, Matheus de Sá), o compositor Branco Mello e o diretor do longa, Maurício Farias. Todos estavam muito à vontade diante das perguntas dos jornalistas, e principalmente exibindo uma felicidade incansável, depois de exaustivas sessões de Imprensa e pré-estréias que foram realizadas em muitos lugares. As fotos da coletiva são de André Stefano.

Marco Ricca, o menino Matheus de Sá, Andréa Beltrão e Maurício Farias 

Para quem assistiu ao longa, fica a feliz experiência de um filme extremamente bem narrado (graças à larga experiência de TV de Maurício Farias - é dele, por exemplo, Hilda Furacão e muitas novelas da Globo), e Verônica contém uma história ágil a ponto de se definir muito rapidamente diante dos olhos do espectador o quem-é-quem dos personagens em cena. Tudo funciona como um relógio. O filme acontece. A cenografia e a direção de arte assinadas por Luciane Nicolino e Guga Feijó garantem ambientações curiosas para a câmera ágil e precisa de José Guerra – a cozinha do apartamento de Verônica é tão precisamente apertada, escolhida a dedo (foi tudo rodado em locação) que a câmera filma de cima, no único ângulo possível, mostrando propositadamente o cubículo em que vive a professora primária. A montagem dá a impressão de que também teve um trabalho árduo, criativo e muito proveitoso, o filme parece mesmo que foi concebido para ela, com dias de filmagem quase sem ensaios, às vezes com cenas escritas na noite anterior, como relatou Mauício Farias.

Há um colégio, muitas crianças, a periferia carioca. Em seguida, tiros e mais tiros, rajadas de metralhadoras anunciando ações, a brincadeira das crianças (que virou caos) no pátio do colégio tem que ser controlada, os alunos seguem as professoras. Todo cuidado é pouco e, parafraseando aquele filme chinês sobre professores e crianças, que não haja "nenhum a menos", todos contam. Depois que os pais de um dos alunos de Verônica (o espevitado Leandro, interpretado pelo não menos espevitado e simpaticíssimo Matheus de Sá, de 11 anos)  são chacinados na favela, a professora se vê às voltas com uma perseguição quase sem fim, onde confiar em policiais é uma temeridade, e os traficantes querem a cabeça da criança por ele ser um arquivo vivo, e ter em sua guarda um pen drive com muita coisa gravada em vídeo. Interesses colocados na mesa, a corrida começa. É um road-movie a pé, de carro, de táxi, de ônibus, de elevador, uma história que faz duas pessoas diferentes se aproximarem dentro das adversidades do mesmo universo complexo que coabitam.

Andréa Beltrão e Ruy Jobim Neto durante a coletiva de imprensa do filme

A carioca Andréa Beltrão praticamente comemora com este trabalho 30 anos de carreira artística (ela tem formação no Tablado de Maria Clara Machado, no Rio de Janeiro), tece mil elogios ao diretor Maurício Farias (seu marido há mais de 15 anos). O cuidado de toda a equipe pelo projeto, as sugestões ao roteiro, tudo se soma à meticulosidade de Maurício. Ele e Andréa tinham essa personagem original na idéia de um outro longa que iriam filmar, mas por alguns percalços não foi possível, e então adaptaram para rodar Verônica, uma vez que já tinham conseguido a verba. Bernardo Guilherme e Maurício Farias escreveram nova história às pressas. Nas palavras da atriz, além do cuidado minucioso na escolha do elenco, Farias tem um "olhar tranqüilo, uma maneira delicada de tirar do ator" (no set) o que é necessário para a cena, e ele consegue arrancar isso sem que muitas vezes o ator sequer perceba. Maurício é muito experiente - completa Andréa -, pois vem de uma família de cineastas (o pai é Roberto Farias, de Pra Frente, Brasil e O Assalto ao Trem Pagador e o tio é o também diretor e ator Reginaldo Farias), e ele já fez de tudo em Cinema, desde ser boom man (o técnico que segura a girafa do microfone para captação sonora) e até ator (em filmes como por exemplo As Aventuras do Tio Maneco, leia-se = de Flavio Migliaccio, que também está no elenco, como o pai de Verônica, em doce homenagem e retribuição).

Andréa completa que não compôs sua Verônica como nos moldes tradicionais, fazendo laboratório, estudando in loco, ela diz que na verdade nem precisou, pois sua mãe é professora primária, e "a coisa" da personagem já estava toda no sangue, no dia-a-dia. Daí, trabalhar e conviver cinco semanas com Matheus de Sá foi um processo passo-a-passo, tal como se dá a própria história no filme. Ela e o diretor dizem detestar preparação de elenco, e o filme foi se compondo aos poucos, dentro desse limite de tempo em que foi rodado (Matheus e Andréa praticamente não se conheciam). Por fim, ela complementa que está vindo aí num filme de Sergio Rezende (cujas filmagens encerram dia 15/02, que é o Salve Geral, sobre os ataques do PCC em São Paulo) e será uma das três Irmãs Cajazeiras em O Bem-Amado!, tendo no elenco Marco Nanini como o prefeito Odorico Paraguaçu (papel que ele também interpretou no teatro), com direção de Guel Arraes e produção de Paula Lavigne - mais ou menos a mesma equipe de O Coronel e o Lobisomem.

Marco Ricca durante a coletiva de imprensa de Verônica

Em Verônica, Marco Ricca faz o policial Paulo (o ex-marido da professora), personagem que o intérprete disse não ter precisado buscar muito em "laboratório" nas delegacias da periferia carioca, pois o personagem segue por outro lado. Experiente ator, chegou a um ponto na carreira que (a exemplo de Andréa, a quem ele muito elogia, e vice-versa) prefere trabalhar com gente de que gosta, com os amigos. Aí o prazer se multiplica. Está finalizando atualmente o seu longa de estréia, Cabeça a Prêmio, com roteiro vindo de um livro do amigo (e também roteirista) Marçal Aquino, na terceira colaboração dos dois – a primeira foi em O Invasor, depois em Crime Delicado (que Ricca produziu). O filme chega, no melhor dos cenários, no segundo semestre às salas de Cinema, e tem no elenco Alice Braga (com quem Marco contracenou em A Via Láctea, de Lina Chamie), Eduardo Moscovis e Daniel Hendler. As filmagens aconteceram no Centro-Oeste brasileiro, mostrando a história de uma família de fazendeiros em decadência. Mas é visível nos olhos do ator, agora também diretor, a emoção por esse momento de felicidade, muito trabalho e boas recompensas.

Igualmente lançando filme em várias capitais do Brasil está o titã Branco Mello, que compôs a trilha de Verônica com o também experiente compositor Emerson Villani. Entusiasmado, ele comentou do seu longa A Vida Até Parece Uma Festa (que co-dirigiu com Oscar Rodrigues Alves), em que documentou com uma câmera duas décadas de estrada dos Titãs – o filme está apenas em cópias digitais, e não são todas as grandes cidades brasileiras que estão adaptadas (aqui façamos um breve parêntesis que o próprio Mello levantou, quando explicou que a Rain, que trabalha na projeção digital de cinemas, é na verdade a grande força que arranca na vanguarda quando o filme começa a ser programado numa capital mais distante que não possua o sistema digital ainda, como Cuiabá, por exemplo – vale lembrar que foi graças à Rain, que foi desenvolvida também a exibição digital de Nome Próprio, de Murilo Salles).

Em relação a Verônica, Branco Mello fala com bastante propriedade e muito gosto. Já vem trabalhando com Maurício Farias há muitos anos, são grandes amigos, e ambos têm unido esforços criativos tanto em TV como em Cinema (A Grande Família, por exemplo, foi um filme em que Branco Mello precisou pesquisar a música dos anos 60). O compositor gosta do resultado em Verônica, sabe que é um filme que proporcionou a ele essa abertura de criação e é bem minucioso quando explica – desde a abertura do filme, em desenho animado ágil e praticamente dando o clima da história, com letras cursivas de professora e muito corre-corre (grifo nosso = boa tendência essa para os animadores brasileiros, algo meio anos 60, meio Blake Edwards com Henry Mancini e Friz Freleng, e não nos foi fornecido o nome de quem fez a abertura de Verônica), a música precisou ser toda concebida em torno de criar uma unidade absolutamente nova, onde não havia nada, foi necessário partir do zero, literalmente, sentir o filme, acompanhar parte das filmagens, ver as primeiras projeções, conversar muito com Maurício Farias. 
 
Branco Mello, nesse quesito, elogia muito o diretor, que diz saber muito bem o que quer para essa ou aquela cena, em termos de clima sonoro. Ou às vezes até mesmo sem música. Houve duas vertentes bem claras na composição, explica o titã: os momentos de "pressão" e correria, onde a bateria, surdo, tamborim, batuque, sons próprios do morro e das favelas, as guitarras, metal, baixo, opções para criar a batida necessária e sublinhar o desespero de Verônica e Leandro pelas ruas do Rio; outros foram os de calmaria, algo mais "interior" (nas palavras do compositor), com harmônica, com violão, e que foi mais executada em estúdio pelo multi-instrumentista Emerson Villani, para criar e compor esse "registro diferente de Verônica", nas palavras de Branco Mello.  Desde o convite de Maurício Farias, até entregar a trilha sonora completa, foram praticamente seis meses de trabalho de criação, conta o titã. O final do filme, com canção de Tim Maia, também reciclada pelos compositores, dá a Verônica um ar de "será que vem por aí um segundo filme?". Andréa Beltrão brinca, ri e pergunta: "Um Verônica 2?".

Por sua vez, o diretor Maurício Farias, muito simpático e falante, diz primordialmente que fez Verônica como um filme "a favor da vida, contra a violência", onde os personagens centrais não matam ninguém, como acontece nos filmes americanos. Ele tem especial carinho e predileção por esses heróis anônimos de que a Imprensa escrita ou eletrônica fala muito pouco. Ou praticamente nada. Sim, é um filme do gênero de ação, era o que ele queria fazer neste momento, depois de duas comédias, já havia essa história que ele e Andréa vinham burilando há algum tempo, e diz que ficou satisfeito com o resultado. Mesmo nos momentos mais tensos da história de Verônica e seu aluno, Maurício intervém com humor. Ele diz que a utilização de algum humor se fazia naturalmente necessária, "porque a vida não é só drama", e Farias assegura que o humor no filme não foi uma "consciência exata", simplesmente já estava lá. Era filmar. Tudo foi muito rápido de conseguir artisticamente, os bons resultados - mesmo nas diárias de filmagem que aconteceram de madrugada – muitas, segundo Andréa, até exaustivas - e graças à equipe afinada e ao elenco muito bem escolhido (aqui lembrando que o menino, Matheus de Sá, foi levado ao diretor através da produtora de elenco Cristina Bethencourt - filha do dramaturgo João Bethencourt - e Matheus fazia parte de um grupo teatral e estava lá por mera "terapia ocupacional", nas palavras do próprio garoto). Verônica ganhou Prêmio de Melhor Filme (Prêmio da Juventude) na 32ª Mostra de Cinema Internacional de São Paulo, em 2008, e tem percorrido as seleções oficiais dos seguintes festivais: Miami, Cartagena e Fribourg (em 2009), Cine em Construcion – em Toulouse, na França -, o Festival de Búzios e o Festival Internacional de Cinema do Rio (estes em 2008). Segundo Maurício Farias, mesmo o convite para alguns desses festivais tem sido uma boa surpresa, com a platéia respondendo bem ao corre-corre da professora e seu aluno, numa cidade sem lei.

(fotos de divulgação [cena do filme e elenco e diretor reunidos]: Estevam Avellar)

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