NewsLetter:
 
Pesquisa:

O Violino: Conc(S)erto de Vidas
Por Cris Campos
22/05/2006

Então, nós assumimos esta escola, colocamos música, teatro, dança, capoeira. E a gente sonhava mais. Sonhávamos que essas crianças não só tivessem acesso à cultura, o esporte, à cidadania, mas também que tivessem alimentação... E de que forma nós faríamos isso, para atender crianças carentes? Através da Secretaria de Assistência Social, que tem as crianças cadastradas, as crianças carentes, as crianças que, de uma certa forma, estão no risco social. Aí começou o projeto. A gente pensava que seriam 20, 30 crianças; de imediato, alcançamos o número de quase 300 crianças.”
(Fábio Nougueira, secretário municipal de Cultura de Presidente Prudente)

O filme O Violino, de Vicentini Gómez, começa com um solo ardido de violino que não deixa um homem dormir em paz (interpretado pelo próprio diretor). Um martelo de juiz corta a cena. O aúdio seco da pancada é interrompido. Volta a voz solitária do instrumento no escuro, que entoa a introdução da música Asa Branca, de Luiz Gonzaga. Um sonho perturba aquele que tenta descansar. Na sua língua, o violino chora, como uma rabeca do Nordeste, repete e repete e repete: “Quando olhei a terra ardendo/Qual fogueira de São João/Eu perguntei a Deus do céu/Por que tamanha judiação?”

Mais violinos ampliam o som da melodia e o concerto desperta o homem, fazendo-o sentar na cama. Depois, ele volta a dormir, com o embalo da melodia conhecida de Gonzagão. Assim começa a história real do Projeto Aquarela que, desde 2005, fez nascer uma escola diferente, que vai além da sala de aula e ajuda a consertar vidas.

Trezentos alunos, entre crianças e adolescentes, tomam conta das cenas a partir daí e ocupam, como na música, a voz que era apenas dos violinos, no início do filme. Personagens de uma trama de verdade, que começou com o inusitado “caso dos dez violinos”. (Resumo: Parte do dinheiro do planetário da Cidade da Criança foi para a compra de dez violinos, com nota fiscal para a prefeitura. Mas houve denúncia de desvio de verba pública e o Ministério Público determinou o reembolso aos cofres municipais. O secretário Fábio Nougueira, da Cultura, pagou os violinos em 15 parcelas e hoje os instrumentos comparecem às aulas de música do Projeto Aquarela)

O desafio de atender menores pobres e com problemas, alguns até com pequenos delitos, fez dos professores também alunos. E mais vozes se juntaram ao projeto. Menores estudantes, professores, inspetores de aluno, a diretora, secretários municipais de Assistência Social, Educação e Cultura, empresários, familiares dos alunos. Neste coro, todos são iguais. Aprendem e ensinam todos os dias, naquela escola (o Centro Educativo “Alberico Marques Caiado”) e nas aulas, nas oficinas, nas atividades, nos passeios, nas conversas, na vida. São essas vozes humanas que conferem aos depoimentos registrados pelo documentário, durante seus 54 minutos de duração, o valor de uma boa lição de vida. Veja o que elas dizem:

Sandreli diz: “se não fosse o Projeto Aquarela, hoje eu estaria ocupando lugar talvez numa Febem, ou no mundo aí afora”. Fábio explica a dificuldade do começo: “eu vejo uma criança passando aqui no Projeto Aquarela e alguém logo me diz ‘Essa criança é filha de alguém aidético’. Passa outra criança. ‘Essa criança tem problemas seríssimos dentro da família’... e a gente olha para o rosto delas e não pode ser verdade; só que é verdade”. Luizão conta como a música alavancou as outras frentes: “O Aquarela é fruto de um trabalho que nós começamos com a parte musical. Aí ele saiu de um planeta azul, que é um planeta musical, a cor azul, uma aquarela, misturando toda as cores”. Fábio relata que dez violinos geraram uma escola multidisciplinar: “Na cidade da Criança, um prédio estava ficando vazio, que é o prédio aqui da escola Caiado. E passando pela frente da escola, surgiu a idéia de pegar as crianças daquele projeto do violino, que se chamava Planeta Azul, e transformar em algo maior, numa aquarela, onde tem todas as cores, onde a liberdade da pintura é maior, e trazer essas crianças pra cá. E para começar isso, o primeiro ato que eu fiz foi doar, fazer a doação desses dez violinos”. Rosângela diz que Fábio contou com a ajuda dos outros “para realizar um sonho”. Ângela diz que foi “traumático”. Celso fala que, no começo, parecia “estouro de boiada”, tamanha era a “algazarra” e “parecia até impossível trabalhar com educação”. Fábio diz que trezentas crianças e um prédio parecia uma equação para “demolir” tudo. Havia uma “fome muito grande”, alguns que chegavam com “uma agressividade” à flor da pele e queriam “quebrar”, “se agredir”. Maria Cláudia conta que os professores sofreram, pois os alunos tentavam de tudo “para testar até onde eles podiam ir” de verdade. Fátima precisou “reformular o processo metodológico”. E Celso descobriu que, primeiro, os alunos precisavam “nos aceitar”. Thiago explica que “a energia que eles têm deve ser muito aproveitada o tempo todo, para o curso e para o cotidiano deles”. Cristiane revela que mudou. “Nunca beijei, abracei minha mãe; agora, faço isso”. Juvênia diz que com o respeito “o retorno é igual” e que, para controlar a disciplina, é “com carinho”. Lígia ressalta o “constituir a família e a criança”. Aristides revela que o “vamos conversar” ajudou “para saber o que eles precisam”. Jorge conta que o “relacionamento com o filho melhorou”, porque “você tem que ter atitude de pai”. Cristiane fala do “carinho muito enorme” que recebe e que “aqui é minha casa”. “É um lugar bom”, diz uma mãe. Fábio lembra que veio de família pobre. Fica tocado com o menino que esconde três pães na camiseta. “É que eu chego em casa, eu conto o que eu como” para os meus irmãos. A diretora se preocupa com as meninas de 13, 14 anos que engravidam; outras fazem programa ou estão na zona. Maria conta da violência sexual na família. Outros estão com roupas melhores. Fábio conta que a história do menino de um chinelo só, mas que não veio descalço para a escola, tocou o empresário da Caiado, que doou 300 pares de tênis e uniforme (camiseta e calça). Alceu diz que essa “parcela da população ficaria à margem” e são “crianças que têm possibilidades”, com a “educação” e até uma “profissão, que se aprende no projeto”. Leo diz: “tô contribuindo para a formação social dessas crianças”. Vera fala do “emocional da criança”, que descobre o “fazer trocas”, o “um ajudar o outro”. Mônica ensina a dedilhar “Brasileirinho”, o chorinho mais conhecido de Waldir Azevedo. “Hoje é muito gostoso trabalhar, estar aqui com eles”. Clóvis fala que tem “até confecção final do instrumento afochê, chocalho”. Eliezer acredita que “toda pessoa é potencialmente musical” e que o “instrumento vem preencher muitos vazios”. Eustásio conta que o “projeto visa livrar a nossa criança, nossa juventude da terceira via, do esgarçamento da sociedade, das drogas, da violência, do sexo”. Igor revela: “tudo que eu via, eu quebrava”. “Quase todo dia tinha polícia em casa”. Fábio diz que não há ainda “nenhum marginal”, porque eles “não tiveram tempo de ser”. Leo lembra que morou na rua. Mas que conseguiu ser um cidadão e ensina dança de rua, hip hop. Maria Cláudia fala que “nossa conquista maior é a amizade”. “Antes eu não gostava; banho era a pior coisa”. Com shampoo, sabonete, as coisas melhoraram. “Não ficou cheiroso ainda, que quero voltar”. “Aqui era uma bagunça geral; agora tá tudo normal”. “Nossas crianças, após um ano, são outras”, vê-se a “tranqüilidade”, que conseguem “se concentrar”. “Muitos comportamentos mudaram: ajudam as mães, fazem comida, costuram, até filhos adotivos dão valor aos pais”.  “Temos que ter objetivo final, não só inicial”, para “atender até os 15 anos”, diz Luizão. Para Fábio, “o mundo pode ser belo desta forma, não só com cristais, mármores”.

Fui abandonada, mas você pode conseguir o que quer da vida; eu sou prova disso”. “Eles são fortes”. “Tragédias todos os dias e vêm com um sorriso para cá”. “Trocaram o soco pelo abraço, pela conversa”.

Governadores, professores” podem considerar “como um laboratório para todas as escolas públicas”, para “atender mais gente”, numa “escola mais bonita”, além da Matemática, da Geografia, o teatro, a capoeira, os campeonatos esportivos, professores com investimentos, cursos para toda a equipe. “Futuro do aquarela: uma escola mais humana, com arte, com cidadania”. É o secretário Fábio quem encerra.

O documentário O Violino, é um filme média-metragem com 54 minutos de duração do roteirista e diretor Vicentini Gomez. Seu lançamento ocorreu no dia 12 de dezembro de 2005, segunda-feira, às 20h, no Teatro César Cava, em Presidente Prudente – interior do Estado de São Paulo -, em solenidade que a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo realizou para imprensa e convidados. Na terça-feira (13/12), às 20h, o filme foi exibido em praça pública para a população. Agora segue para festivais de cinema no Brasil e exterior.

O Violino é um filme social que conta o “nascimento” do Projeto Aquarela e a história vivida por seus professores e alunos. Vicentini Gómez focou o filme nas transformações vivenciadas por essas pessoas, ao longo do primeiro ano de atividade (2005) do projeto. O Projeto Aquarela é uma escola voltada para crianças e adolescentes da periferia da cidade (Presidente Prudente - SP) e com problemas familiares e de comportamento. Esses menores são afastados da exclusão, do vício e da marginalidade gerados pela falta de opção e de oportunidades de crescimento individual e respeito coletivo. E suas horas são ocupadas com aulas e atividades artísticas, culturais e esportivas. Tudo isso para reformular os padrões de comportamento estabelecidos em suas comunidades e na família. E melhorar a qualidade de vida e a formação desses cidadãos que crescem rápido. No Projeto Aquarela são oferecidas aulas de: Coral, Teatro, Meio Ambiente, Oficina de Confecção de Instrumentos, Violão, Violino, Cavaquinho, Artesanato, Circo, Hip-Hop, Oficina de Corte e Costura.

 

Vicentini Gómez tem uma longa carreira como ator e diretor, tanto na TV como no teatro e no cinema. Na televisão, atuou em programas humorísticos como Megaton, Zorra Total e novelas. Na minissérie Um só coração da Rede Globo, representou o escritor Graça Aranha, peça chave na Semana de Arte Moderna de 1922. No SBT, foi o mordomo Domingos, na novela Pícara Sonhadora e participou da novela Os Ricos Também Choram, como o Padre Colombo. Teatro – Vicentini estrelou durante anos o espetáculo Confidências de Um Espermatozóide Careca, 502 Anos de Besteirol e escreveu, em parceria com Josmar Martins, a comédia Tal Pai, Tal Filho. Cinema - Vicentini Gomez busca a reflexão sobre cidadania e direitos do homem, trajetória que escolheu como temática de seus filmes, que participam de festivais de cinema e vídeo do Brasil e Exterior. O Rio da Minha Terra, Paúra e Viagem Insólita já foram premiados; e o curta-metragem Juqueriquerê concorre a novas premiações.

(Fotos: Divulgação)

Quem Somos | Publicidade | Fale Conosco
Copyright © 2005-2024 - Bigorna.net - Todos os direitos reservados
CMS por Projetos Web