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Re-significando os Quadrinhos - Parte 1
Por José Pinto de Queiróz Filho
14/06/2010

Introdução

Habitualmente, o ser humano costuma , consciente ou inconscientemente, re-significar as coisas, as pessoas, os acontecimentos. Quando digo que estou re-significando algo, quero dizer que lhe estou dando um sentido diferente do habitual. Interessa-me, aqui, re-significar as Histórias em Quadrinhos (quer dizer, fazer a sua releitura) em vários momentos de sua extensa progressão criativa, buscando qualificar as HQs como autênticas obras de arte midiática.

Data de origem das HQs

Existem tentativas de pesquisadores e estudiosos para fixar a data de origem do nascimento do Gibi. Para os norte-americanos, a HQ nasceu em 05 de maio de 1895 nas páginas do New York World, um jornal comprado pelo húngaro Joseph Pulitzer (1847-1911) que, desde sua fundação, lutava para sobreviver. Esta data é contestada por brasileiros que atribuem a criação dos quadrinhos a Angelo Agostini, ítalo-brasileiro, abolicionista, que publicou, em São Paulo, a primeira história em quadrinhos 29 anos antes de Yellow Kid.

Os quadrinhos e a mídia de massa

             Angelo Agostini

Pulitzer, proprietário do World, reformulou profundamente o jornal a fim de atrair novos leitores publicando grandes manchetes sensacionalistas, seções esportivas e muitas ilustrações. Para aumentar ainda mais as vendas dirigiu a sua atenção para as Sunday Pages, (suplemento dominical) que, a partir de 1894, tinha entre seus principais desenhistas Richard Felton Outcault, nascido em 14 de janeiro de 1863, em Lancaster, Ohio.

Outcault ganhou a sua grande oportunidade quando criou Down Hogans Alley para o World, constituído por charges humorísticas em forma de painéis semanais que preenchiam uma página inteira do jornal. Todos os personagens viviam em Hogans Alley, um típico beco nova-iorquino da época. Exatamente, no dia 5 de maio de 1895, o World publicou dois painéis de Down Hogans Alley, (um a cores e outro em preto e branco) e neles apareceu, pela primeira vez, um personagem chamado de O Menino Amarelo (The Yellow Kid, no original).

Yellow Kid era um garoto chinês baixo careca, com a cabeça grande, orelhas de abano, dois solitários dentes na boca e um sorriso irônico. Vestia um camisolão, que, antecipando os balões dos quadrinhos "exibia frases irreverentes e sarcásticas - grande parte dessas frases fazia referência a fatos políticos, que podiam ser, por exemplo, a campanha de William Jennings Bryan (1860-1925) à presidência norte-americana ou as relações entre os Estados Unidos e a Espanha -; andava constantemente de pés descalços; e estava sempre de frente, encarando os leitores". (Marco Aurélio Lucchetti)

Características do Menino Amarelo

Nas primeiras charges de Yellow Kid, que se confundem com a origem das HQs, pude identificar três aspectos históricos fundamentais:

1) Os quadrinhos nasceram atrelados à mídia de massas no caso o jornal -, utilizando uma linguagem popular, lúdica e, particularmente, cômica. Por isso, o vocábulo Comics passou a nomear os gibis publicados nos EUA.

2) A HQ começou focada num objetivo político de massa, de facilitar o aprendizado e a compreensão da língua inglesa à maioria de sua população migrante, operária, semi ou analfabeta que mal dominava o idioma natal. Por isso, nada melhor do que usar os personagens de HQ “falando” um inglês simplório, popular e fácil de entender. Serviu inclusive para alavancar, ainda mais, a venda de jornais.

3) Concomitantemente, a HQ exercitou, desde o início, uma postura política de esquerda questionando o sistema capitalista (selvagem) que emergia rapidamente; e, em contrapartida, passou a defender os interesses de operários e demais trabalhadores através de charges e mensagens panfletárias estampadas no camisolão do Menino Amarelo. (Leia mais Yellow Kid num próximo parágrafo).

A Europa foi o berço do nascimento dos gibis?

Rudolf Topfer foi um precursor das tiras cômicas

Em 1820, na pré-história dos Quadrinhos, na Europa o francês Jean Charles Pellerin cria as Figuras de Epinal, desenhos coloridos estampados sequencialmente em base de madeira, que narravam acontecimentos vividos na época.

1827 - O professor e desenhista suíço Rudolf Topffer, publica aquilo a que chamou Histoires en Estampes, tendo a aventura Os amores do Senhor Vieux-Bois”se tornado particularmente famosa. Topffer é considerado por alguns especialistas como o verdadeiro pai dos Quadrinhos.

1847-1854 - Influenciado por Topffer, o célebre gravador francês Gustave Dorè criou diversas histórias burlescas, das quais a mais famosa é“A história política, romântica e caricatural da Santa Rússia, numa época em que a paródia histórica era muito apreciada.

1865 - Também na linha de Rudolph Topffer, usando muito pouco texto e às vezes sem usar, o pintor alemão Wilhelm Bush cria Max e Moritz, uma HQ onde atuam duas crianças traquinas. Este autor quebra a tradição das imagens-ilustrações geralmente muito estáticas, dando aos seus desenhos um caráter dinâmico e expressivo. Historicamente, é considerado o criador da tira de jornais.

1889 - Georges Colomb (usando o pseudônimo Christophe) cria“A Família Fenouillard, uma sátira aos costumes sociais e familiares da pequena burguesia, que é publicada quando já proliferam por toda França inúmeras revistas ilustradas dirigidas principalmente ao público infantil.

1890 - Ainda sob o traço de Christophe, surgem“Les facéties du sapeur Camember, em português conhecido apenas como O Soldado Camember, uma sátira ao universo dos militares.

Little Bears and Tigers, de James Swinnerton

1892 - James Swinnerton publica no Jornal americano San Francisco Examiner, a série Little Bears and Tigers (Os pequenos ursos e os pequenos Tigres). Esta tira de HQ é considerada como a primeira tira de jornal desenhada por um norte-americano. Com as suas histórias de animais para representar o universo humano, Swinnerton teria influenciado a aparecimento de Krazy Kat, Mickey Mouse e O Gato Félix.

O RE-começo?

1895 - Já dissemos antes, eis que surge o personagem The Yellow Kid (O menino amarelo) com seu panfletário camisolão amarelo, desenhado pelo americano Richard Outcault para o jornal New York World, marcando o início da introdução do balão no gibi. O camisolão da criança exibe frases panfletárias ou cômicas a cada quadrinho. O menino amarelo e sua turma eram contra o establishment. (Leia mais, na introdução).

Legenda:Os sobrinhos do Capitão, aborrescentes, mal educados e péssimo exemplo para as crianças politicamente corretas, da época; assemelham-se a Mac e Muritz de Bush

1897 - Rudolph Dirks faz surgir os Katzenjammer Kids (Os sobrinhos do Capitão, em português), no New York Journal. Série inspirada em Max e Muritz, do alemão Wilhelm Bush, foi a primeira a utilizar o balão sistematicamente e não episodicamente como Yellow Kid.

1899 - Frederic Burr Opper desenha as aventuras de Happy Hooligan. A ele se deve igualmente Alphonse and Gaston, em 1900, uma caricatura de dois emigrantes franceses, e And Her Name was Maud em 1904.

1905 - Winsor McCay cria o extraordinário Little Nemo in Slumberland (O Pequeno Nemo no País dos Sonhos) com altíssima e insuperável qualidade de desenho para a época. Sua perspectiva e arquitetura chegam a antever o uso das lentes grande angular, o cinemascópio e as lentes de 70 mm, coisa que só recentemente a técnica conseguiu alcançar. Foi o primeiro e um dos mais completos desenhistas desde sempre. Usou e abusou de todos os recursos do desenho em quadrinhos. A maravilhosa saga de Little Nemo foi publicada no suplemento dominical do New York Herald, entre os anos de 1905 a 1911, em página inteira, formato grande e a cores. As histórias aconteciam numa estrutura invariável onde o pequeno Nemo adormecia, sonhava e quando acordava era o fim do pesadelo.

Nesse mesmo ano, surge na França, Bécassine, bretã ingênua, publicada no semanário La Semaine de Suzette, assinado por J.P. Pinchon.

1908 - Ainda na França, sob o traço de Louis Forton, os Piéds Nickelés começam os seus estragos no Jornal L’Epatant, fundado um ano antes pela Sociedade Parisiense de Edições. Esta série tem a particularidade de contar propositalmente histórias de três indivíduos horrorosos, que primam por fazer mal a toda a gente e causar catástrofes, fazendo jus a uma espécie de humor destrutivo.

1911 - George Herriman lança Krazy Kat, com traço e texto excepcionais, suscitando o aparecimento do Gato Félix e logo depois toda a fauna de Walt Disney. Pessoalmente, não gostei da temática da série, que se fundamentava numa relação ostensivamente sado/masoquista.

1912 - A era da crítica aos costumes pequenos burgueses.

Logo, o comércio das Histórias em Quadrinhos começa a se organizar nos Estados Unidos da América do Norte: William Hearst, um dos grandes magnatas da imprensa de então, funda o primeiro Sindicato, encarregado de comercializar as tiras de jornais. Trata-se do célebre K.F.S. (King Features Sindicate). Os roteiristas se aprofundam nas histórias de costumes, notabilizadas por destacar crianças aborrecentes e casais complicados.

1912 - Nesse ano, George McManus desenha Bringing up Father (no Brasil,“Pafúncio e Marocas), retratando uma típica família americana de novos ricos - são moradores do subúrbio que ascendem economicamente. A sua criação desencadeia um surto de histórias de famílias pequeno burguesas, tornando-se a primeira tira de jornal do gênero a fazer carreira internacional.

1920 - Nos EUA, o desenhista Pat Sullivan lança o terno Felix The Cat (O Gato Félix) nascido originalmente em desenho animado. Pleno de poesia e de um humor sutil, Sullivan é o primeiro autor a utilizar elementos gráficos que se tornarão uma espécie de códigos convencionais dos quadrinhos, como, por exemplo, a lâmpada acesa a simbolizar uma idéia.Ainda nesse ano, Branner cria Winnie Winkle. Na França, esta série será famosa com o nome Bicot.

1924 - O criador dos Piéds Nickelés, Louis Forton, reaparece com um novo personagem: Bibi Fricotin, um típico garoto de rua francês. Nesse ano, nos EUA, o artista Harold Gray desenha as aventuras lacrimejantes de Little Orphan Annie (Anna, a pequena órfã) alcançando tal sucesso que inspira outros artistas a criarem séries muito semelhantes.

1928 - Walt Disney e Ub Iwerks criam Mickey Mouse, originalmente para o desenho animado. Só dois anos depois, Mickey torna-se personagem de gibi e um verdadeiro ícone dos quadrinhos americanos. Com Mickey, Walt Disney criou uma verdadeira e rentável indústria de um universo maravilhoso cujo êxito junto as crianças se prolonga até aos dias de hoje. Com Mickey, através da sua revista, (Le Journal de Mickey), os comics”americanos irão inundar a Europa. Hal Foster começa a ilustrar Tarzan em páginas dominicais e tiras diárias. Logo a seguir desenha as histórias do Príncipe Valente enquanto Hogarth assume a série para se tornar o maior criador gráfico do desenho do homem-macaco. A Science Fiction aparece nos comics com as aventuras de Buck Rogers, desenhadas por Dick Calkins e John Dille que eram orientados por um cientista e professor universitário de nome Selby Maxwell e escritas por Philip Nowlan.

Como reflexo da lei seca e do gangsterismo é a vez do rude e violento Dick Tracy no traço grotesco e seco de Chester Gould. É o início de publicações com estórias movimentadas. É o declínio do raciocínio e o início da ação. Vilões violentos, sádicos, bandidos atrozes, carros, aviões, trens, etc, demonstram toda a criatividade dos autores que produziram Tarzan, Rogers e Tracy, iniciando a primeira Golden Age dos Comics.
Ainda em 1929, na Bélgica, surgem as aventuras de Tintin e o cão Milu desenhadas por Hergé num traço gráfico, simples e realista, e carregadas de cenas de humor. Betty Boop, de Max Fleischer, nasce como símbolo da feminilidade nos EUA. Popeye inicia sua lenda enquanto o estúdio Disney lança a série de desenhos animados musicais Silly Symphonies (Sinfonias Ingênuas).

Quadrinhos e o status de arte

Observe, no trajeto relatado, foram sempre os melhores artistas e argumentistas, de cada época, que participaram da criação e do desenvolvimento da arte continuamente aprimorada das HQs, comprovando que os quadrinhos são, antes de tudo, uma refinada forma de arte gráfica.

O crack da bolsa de Nova Iorque

1929 foi também o ano do crack da bolsa de Nova Iorque. Ou seja, os bens materiais, o dinheiro e a comida escasseiam. As falências e o suicídio se tornam epidêmicos. O que resta ao povo para suportar tal realidade adversa é o entretenimento escapista encontrado nos gibis, nos desenhos animados e nos filmes. Uma situação propícia ao surgimento do super-herói, uma história que será contada em breve na segunda parte de Re-significando.

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